quarta-feira, setembro 29, 2010

Moody, Hank

Por André Debevc

Me desculpa. Antes de mais nada quero pedir desculpas. Você sabe que não tenho o maior dos pavios, e que nunca fugi de uma boa briga, mas desta vez eu não tinha o que fazer. Eu tava andando na linha, meu amor, eu juro que tava. Pergunta pro Charlie! Só sei que perdi a razão e saí socando tudo que vi pela frente e só parei quando vi que alguns socos daquele chantagistazinho barato também tinham feito seu estrago nessa minha cara de pau que um dia você tanto amou. Só estou sangrando, rasgado assim, porque ele colocou em risco aquilo que mais tenho de precioso nessa vida, meu amor. Ele ameaçou as únicas coisas que prestam nessa minha vida: você e nossa filha, meu amor. Tudo por causa daquela dissimulada que você insiste em tratar como sendo da família. Eu não sabia quem ela era. Também não sabia quantos anos tinha. E não tem jeito mais sutil de falar isso, meu anjo, mas eu trepei com ela sim. Ela que me fodeu quando roubou meu livro, ela que me ferrou muito antes, quando me seduziu com aquele papinho de eu ser o escritor favorito dela. Ela que agora acabou com a minha vida, a nossa vida. Que finalmente tinha saído dessa eterna corrida de gato e rato e tinha voltado a andar pra frente. A gente com as malas quase prontas pra mudar de volta pra Nova York. Mas agora não tem mais como esconder tudo de você. Me perdoa. Eu sei que agora você não pode, mas um dia quem sabe você possa, então me perdoa. Eu não sabia quem ela era. E fui sim um canalha, um fraco. Seduzido por elogios e toda aquela juventude sem sutiã de peitos empinados.

Se uma trepada pode acabar com a vida de alguém, essa foi a que acabou com a minha. Que me fez refém. De ameaças de uma pirralha leviana que sabia muito bem o que estava fazendo quando sentou sem calcinha em cima de toda minha canalhice carente, com todos aqueles elogios e sorrisos perfeitos. Agora ela volta pra me atormentar, o fantasma mais bonito que alguém já viu nesse mundo, a cretina. E acabou com a nossa vida, os nossos planos. Logo agora que eu tinha rasgado toda minha vasta coleção de frases feitas e caras de escritor derrotado, pai carinhoso de uma adolescente roqueira e umas poucas obras de quase nenhuma relevância. Eu tinha aberto mão de ser o sedutor, até porque a única razão dessa minha vida sexual de gato vira-lata era a falta gigantesca que você me fazia, meu amor. Eu passei todos esses anos, desde que você cansou de toda a minha inconseqüência e falta de maturidade, procurando por você em toda mulher em quem coloquei a boca. Sempre numa tentativa de estancar essa dor filha-da-puta de ter jogado tudo fora. De ter deixado você e nossa filha irem embora, as únicas mulheres com quem realmente me preocupei nessa vida. Me desculpa. Eu me escondi demais atrás de uísque, mulheres e desculpas rasas pra não encarar esse medo gigantesco de nunca te ter de volta. E quando finalmente você voltou, quando finalmente resolveu dar mais uma chance pra esse calhorda tarado, meu membro mais irracional e uma trepada que só me rendeu um soco na cara e muito arrependimento, voltam pra me foder de vez.

Agora eu não sei como tudo acaba, meu amor. À medida que o carro da polícia me leva algemado eu não faço idéia de como tudo isso termina. Qual será o próximo capítulo da nossa história? Quantas temporadas vou ter que viver longe de você? Eu não sei. Só sei que se pudesse voltar atrás, nunca chegaria perto dela, meu anjo. Nunca. Mas hoje, com o peito estraçalhado e o rosto sangrando, encaro o que não tenho mais como esconder. Vou ser o homem que devia ter sido desde de muito tempo atrás. Vou arcar com as conseqüências. Mesmo que você nunca mais me olhe, mesmo que nossa filha demore tempo demais pra me perdoar. Eu assumo meu erro – induzido por elogios e uma vida sem você e sem sentido. Daria tudo que tenho pra não ter comido aquela filha-da-puta. De todas as filhas-da-puta do mundo tinha que ser logo aquela! E hoje dou, entrego de mão beijada, tudo que tenho justamente por uns minutos vazios de prazer. Maldita hora em que fui praquela livraria. Enquanto as sirenes do carro abrem caminho para a delegacia, a única coisa que consigo pensar é: maldita hora em que fui ser eu mesmo. Me desculpe. Eu não sabia. Mas agora que você já sabe, não me odeie para sempre, eu nunca consegui parar de amar você. Nem antes, nem agora. Nem nunca.