sexta-feira, março 28, 2008

inconstante

Por André Debevc

Sou um homem que vive de vender palavras. Tenho meia dúzia de sonhos e uns dois ou três pesadelos nos bolsos. Me satisfaço com o que vale a pena, e curto cada dia mais ser o melhor de mim mesmo, sem precisar agradar ninguém. Carrego cada vez menos melhores amigos no peito. Conheço algumas verdades, nutro seletas esperanças, e rezo toda noite pra aprender a perdoar pra um dia, quem sabe, esquecer de vez a minha coleçãozinha de mágoas. No caminho de casa, costurando o asfalto no meu carro, olho para o horizonte de concreto na cidade cinza e lembro de tudo que eu já quis ser. E nessa hora, vejo pelo retrovisor, que o sorriso que me vem, não tem nada de amarelo.

terça-feira, março 18, 2008

Pré-destinados (em até 150 toques)

Por André Debevc

Antes mesmo de sonhar aquele beijo, já a tinha nos braços. Os dois ali só de passagem. Mãos dadas na madrugada, embarcando juntos com um só destino.

Outro meio, outro fim

Por André Debevc

Espero que isso nunca me complique, mas sei que sempre que falar de você, vou acabar sorrindo. Complicar por que, ele perguntou. Ah, sei lá…você sempre acaba com umas mulheres ciumentas, que não gostariam de saber o que tivemos. Quer dizer, na verdade acho que é normal ficar incomodada quando você suspeita que o seu namorado teve uma relação super carnal com uma mulher que está ali te dando dois beijinhos com a cara mais deslavada do mundo. Carnal? – Ele indagou. Como mais poderíamos classificar o que tiveram, pensaram. Ele ousou dizer que nunca precisaram dar nome pro que tinham. Verdade, ela disse. E aí sorriu. E assim se despediram deste quase desencontro. Ali no aeroporto onde ela voltava para sua casa em Paris e ele passava por um desvio de ponte aérea em dia de neblina baixa.

Ao vê-la ir embora quem sorriu em silêncio foi ele. Vendo a ir, elegante e discreta como sempre. A mulher com quem, alguns anos antes, tinha vivido um intenso e rápido caso de sexo e amizade. Nada oficialmente clandestino, mas também longe de ser publicamente assumido, mesmo que nenhum dos dois tivesse compromisso pra impedir. Muito pelo contrário, vinham de desastres emocionais e estavam, os dois, com o coração fechado para balanço. Mas nada que impedisse o corpo de funcionar, claro.

Os encontros frequentes por causa de amigos em comum foram o princípio impensado de tudo. E quando se deram conta, estavam na sala, na cama, no box, no mar. Amantes sem compromisso ou paixão para os condenar ao fracasso. Vivendo uma maratona de pernas, línguas, calores e aquele suor que só costuma pingar de corpos muito ofegantes e sempre prontos para mais.

E o que crescia, rentitente como capim colonião, entre os encontros feitos para o sexo, era amizade. Conversas raras, do tipo mais sincero que um homem pode ter com uma mulher. Um papo realmente desprovido de intenções ou armadilhas, tão nu quanto ele e ela numa velha tarde de Natal, antes de cada um seguir para suas famílias sem trocar ao menos um presente. Eles que voltariam ali algumas outras vezes para descobrir os corpos um do outro. Com bocas, mãos, lábios e sexo cúmplices apenas na tarefa de se darem prazer. Sempre.

Estritamente sexo. Sem apego, esperanças ou promessas. Sexo tão compatível que chegava a dar medo. Os corpos nus, ou sempre a caminho de se arrancarem as roupas. Ela que costumava dizer que ele só tinha uma habilidade maior do que a com as palavras: a habilidade que tem com a boca. Ele que sorria cínico em público ao vê-la passar com seus peitos espetaculares e uma atitude de fazer padre engasgar em plena missa.
Ela era mesmo uma mulher sensacional. Em tudo. Bonita, inteligente, interessante e muitíssimo talentosa e fogosa entre lençóis, no chão, na água. Ele era um homem comum, atormentado pelo passado e com uma certeza: a de que uma mulher daquelas não apareceria na sua vida todos os dias. Talvez fosse até bom que fosse assim. Superficial e intenso. Quente e úmido e com cheiro de coito como o ar pesado das tardes que passavam juntos.

Entre amigos, a cordialidade e distância deles escondia a voracidade e vontade com que se despiam quando ficavam sozinhos. Admiravam-se, sem dúvida. Sempre gostaram do sacarcásmo e inteligência um do outro. Sempre gozaram muito um com o outro. O calor lascivo dela, as tentativas de acrobacias dele, a disposição dos dois. Em alguns momentos chegaram a se entender só no olhar. Foi quando começaram a perceber o quanto gostavam do cheiro, jeito de pegar e do calor um do outro. Foi quando ele começou a pensar nela no caminho de volta pra casa. Foi quando ela começou a esperar que ele ligasse.

Um dia o telefone nunca mais tocou. Talvez a regra fosse mesmo essa. A regra não dita para que sempre sorrissem quando ouvissem o nome um do outro. Respeito e carinho por uma amiga que adorava prender o rosto dele entre as coxas. Uma amiga que sorri quando fala dele. Como ele sorri quando pensa nela. Mágoa nenhuma, nunca. Assim como deveria ser sempre. Ainda bem.

segunda-feira, março 17, 2008

Na falta de Greene

Por André Debevc

Você com certeza não leu Greene. Se não foi obrigada ou apresentada a alguma cena antológica dele, você não deve mesmo saber quem é Graham Greene, autor de algumas obras primas da literatura mundial, entre elas o livro “Fim de Caso”. Leitura nunca foi o seu forte mesmo, fazer o que (daqui a pouco sai o filme, não é isso?). Quem sabe agora que você tem que saber um pouco mais sobre os grandes personagens, quem sabe agora você um dia se depare com Maurice Bendrix, um dos maiores personagens de todos os tempos. Um covarde, canalha, quase um anti-herói. Quem sabe…

Mas também, quem sou eu pra dizer quem você leu e quem você não leu? Eu não sou ninguém. Não pra você. Não hoje. Não mais. Você nunca leu Greene. Nunca soube como são as coisas do amor, como são os jeitos da traição. As canalhices e os suspiros, as cegueiras temporárias e o sangue frio conviencente. Você e seus personagens. Até hoje não sei que você realmente era. Seu amor, sua dependência da minha asa, sua necessidade da minha companhia e atenção. Eu não sei de nada. Nada de você. Me dói só saber que você nunca leu Greene.

"Esquecemos as pessoas que amamos, mas não esquececemos as pessoas que traímos." Greene disse isso. Se você lesse, saberia. Não. Você esqueceu quem amou e, principalmente, quem traiu. Nem Bendrix seria tão ingrato. Mas, de novo, você nunca leu Greene. Maldita incauta!