quarta-feira, agosto 21, 2013

SHOULD I STAY OR SHOULD I GO


Por André Debevc

Tetos de hotéis são todos iguais. Quer dizer, acho que sejam. Eu nunca reparei muito para falar a verdade. Esse hotel poderia ser em Cuba, no Cairo ou em Ljubljana, mas é em São Paulo, uma cidade que depois de anos, de uma forma ou de outra, é minha. A verdade é que eu tava tentando arrumar outra coisa no que pensar enquanto The Clash tocava Should I Stay Or Should I Go na minha cabeça e a moça dorme de bruços aqui do meu lado, me prendendo suavemente com sua ainda quente coxa esquerda. A manhã vem se espreguiçando nesse dia útil e eu ainda estou aqui no quarto com cheiro úmido do sexo que só acabou há algumas horas.

Estou nu e contemplativo, perdido, com os olhos estacionados no branco do teto. Ou será que é gelo? Nunca achei que gelo fosse cor. Dane-se. Numa hora dessas (não da manhã, mas da vida) até uma ida ao banheiro – cacete, eu precisava mesmo ir ao banheiro – pode me fazer parecer com o Leão da Montanha, querendo dar aquela clássica saída estratégica pela direita. E sinceramente? Não sei se quero ir embora ainda.

Fosse eu um James Bond da vida, teria ao menos um smoking pra vestir e uma rosa pra deixar junto com um bilhete breve sem email ou celular. Mas a vida não é filme, mesmo que eu veja uns relances bem granulados por causa da minha lente de contato surrada. Ela suspira fundo e dá uma ajeitadinha no ombro, mas eu ainda estou imobilizado pela sua coxa. Na ponta da cama, vejo escapando entre os lençóis, o pé que foi a primeira parte da sua anatomia que vi nua. Mal tínhamos entrado no taxi saindo daquele palestra insossa, e os pés da moça estavam descalços. Os saltos soltos na bolsa que cabia o mundo. O esmalte clarinho dos dedos. As coxas pouco acostumadas ao sol alegrando minha noite paulistana apontando discretamente na minha direção.

Fiz que ia hesitar quando ela me chamou pra um drink no restaurante do hotel. Por sorte, desisti de brincar de me fazer de difícil. Sorte porque também não conheci o tal bar do hotel. E sim o quarto. O elevador. O corredor com iluminação indireta do andar onde estava hospedada, onde ela andou pra trás nas pontas dos pés enquanto eu a beijava sem precisar ter dito toneladas de besteiras irrelevantes. Nossos olhos já tinham conversado e selado o acordo. Os corpos só obedeceram.

Uma obediência tão grande e tão acertada que dava choque. Desses que só quem se encontrou em outras vidas dá. Química tem dessas coisas. Nem lembro de ter tirado a roupa dela no caminho da porta até a cama. Só lembro do peito procurando minha boca e o arco que ela fez com as costas para trás enquanto se segurava com as pernas travadas na minha cintura. As palavras ficaram trancadas para fora com o resto do mundo. Dentro do quarto, só nós e meia dúzia de interjeições. Todo o resto era dito com os olhos e gestos. Mas pensando bem, entre tantos beijos nem sobraria mesmo espaço para as palavras. Era como se já tivéssemos feito aqui mil vezes. Agora 1001.

Eu só não sabia o que fazer agora, quando o dia ia subindo as paredes do quarto. Acho que é uma daquelas horas na vida de um sujeito onde qualquer gesto pode realmente definir o resto da história. Ficar ou ir? Fazer um carinho ou se levantar? Tá certo que a visão tão próxima daqueles lábios bem desenhados, afundados no gigantesco travesseiro branco, dificultava qualquer decisão puramente racional, mas The Clash só aumentava o volume de um de seus clássicos na minha cabeça. Should I stay or should I go. Sim, claro, a noite tinha sido incrível e tal. Como se tivessemos enchido a cara e feito sexo louco, mas foi só uma garrafinha de vinho do frigobar. O resto da embriaguez veio todo da gente mesmo. Se bebendo, beijando, lambendo.

Se eu levantar agora…será que consigo que isso vire uma daquelas histórias perfeitas, feitas só de bons momentos, sem tempo pra que o tempo estrague qualquer ilusão de sincronicidade e perfeição? E se eu rabiscar no bloquinho de papel do hotel “Maybe in another life, when we are both cats” será que me eternizo como o homem perfeito que ela não dominou e fugiu?

Não sei. Vê-la empinando a bunda, mesmo debaixo do lençol, me faz querer acordá-la. Um beijo de bom dia ignorando o dente ainda não escovado. Digam o que quiserem, mas isso sim é intimidade. Pra depois ir beijando sua nuca, colo e peito até ela se render e começar tudo de novo. Renovar a letargia da poeira dançando no quarto no facho de luz que entra pela fresta de carona no tímido e fugaz sol paulistano. Aí eu fico. Pra ganhar o dia antes de voltar com a roupa de ontem pro trabalho enquanto ela vai visitar uma tia doente.

Aí eu fiquei. Pra beijar um umbigo lindo. Pra olhar pra minha barba por fazer no espelho de um hotel que não era meu. E pra deixar a moça e seus cigarros na porta do Hospital das Clínicas. Gesto digno de um James Bond. Se não dele, alguém que vai voltar numa próxima vida. Ou aventura.