quarta-feira, setembro 19, 2007

Herança Simplória

Por André Debevc

De você eu só herdei açaí, aspargos e havaianas.

Perdidos em seu closet desorganizado
se decompõe lentos na maresia
seu cinismo, frieza e capacidade rápida de esquecer.
Enterradas com você vão
a indiferença, o peito pequeno de memória curta,
a cumplicidade falsamente eterna
e os gestos de cuidado inexistentes
que não me cabem mais.
Jogadas ao vento como meu carinho
vão aqueles nossos planos, os desejos de sucesso
e a vontade de te ver feliz.
E caso encontre lembrança de mim que te faça sorrir
em meio à bagunça dos seus papéis errados,
pode cremar sem dor na alma,
como quando você passou a me conjugar no passado.

De você eu só herdei açaí, aspargos e havaianas.
O resto já foi devidamente incinerado.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Ciuminho Retroativo

Por André Debevc

Dela só tenho ciúme do que veio antes. Ciúme assim do tipo mais bobo, tolamente infundado. Ciuminho retroativo, variação mais inofensiva dessa praga, nunca realmente parido ou provocado. Ciúme de coisa que não se pode desafiar, de alguém que habitou um passado. Ciúme até bonitinho que passa fácil com um belo beijo estalado. Dela só tenho ciúme do que veio antes. Antes de viver acordando com ela do meu lado.

terça-feira, setembro 11, 2007

A Primeira Noite de Um Homem

Por André Debevc

O sol começava a dar o ar de sua graça no horizonte atrás do Pão de Açúcar pintando o céu daquele janeiro de lilás e laranja. Ajoelhado no sofá olhando os poucos carros que rasgavam a Jardim Botânico meu coração acelerado batia na boca e não me deixava dormir. O dia que ensaiava acordar me reservava uma resposta importante. Diria até que naquele verão de 1991 era a resposta (no exagero típico de adolescente) mais importante da minha vida. A menina mais linda de todo o universo – e que agora já era responsável pela minha primeira noite em claro – se pronunciaria sobre a sua escolha entre mim e outro moleque (penso agora em como é engraçado como aos 16 anos, você se coloca em situações como essa, disputando a atenção e o amor da menina mais linda que você já viu com um sujeito que atende pelo apelido de Rato).

Naquele dia nem eu nem Rato ficamos com ela. Era difícil demais escolher um, ela me diria mais tarde. E se ele pintou alguma bobagem no chão da rua, na frente da janela do segundo andar onde ela ficava, eu contra-ataquei com palavras sinceras e um coração acelerado tentando fazer ela mudar de opinião. Não adiantou. Ali o empate estava selado. Mas naquele dia, mesmo sem ninguém ganhar o beijo tão desejado, eu senti que perdi. Talvez a primeira e mais profunda de muitas outras derrotas que viriam no meu caminho amoroso. Rato nunca realmente a quis com coração. Estava na briga apenas porque ela era linda, e ele queria aquele troféu. O amor, por mais sincero que fosse – como depois eu comprovaria ao longo da vida – não me fortalecia em nada.

Semanas depois, ela voltaria para o interior – pois é, acho que todo homem na adolescência tem uma paixão que vem do interior – e eu e Rato ficaríamos no Rio, comparando quem afinal tinha chegado mais perto do beijo da menina mais linda do universo. Se minha memória não está me enganando, acho que foi ele, paciência. Vida que segue.

E a vida seguiu mesmo. Notícias da menina mais linda do universo, só espaçadas de uma tia dela que eu encontrava por ali na vizinhança. Até hoje quando passo em frente àquela janela de segundo andar penso em como eu ficava quando estava perto dela (da menina, não da tia). Meus olhos indecisos dançando entre a boca de milhares de sorrisos perfeitos e os olhos caramelo mais brilhantes e vivos que já vi. Como era linda. Seus cabelos longos, lisos e escuros que cismavam em se agarrar nos lábios que eu tanto queria beijar. Eu realmente amava aquela menina...

Mas o tempo passou. E de repente nunca mais se soube nada da linda menina. Eu já era homem feito. De barba na cara, já tinha me apaixonado, amado e sofrido. E viajava com meus amigos querendo colecionar conquistas e histórias pra contar em cidades distantes e pequenas. Feiras agropecuárias, feriados, férias de faculdade, carnavais. E lá pelos vinte e poucos anos de idade a diversão era passar o carnaval em Minas. Mais precisamente na cidade da família de um amigo de infância que ficava ainda mais divertida quando a gente chegava com tantos outros amigos.

A folia corria nos conformes com cerveja, idas à cachoeira, bagunça na casa alugada numa ruazinha transversal da cidadezinha e amassos aleatórios com conquistas fugazes de carnaval. No entra e sai da casa nunca trancada, a noite de domingo ficava pra trás com o desfile da única escola de samba da cidade. E depois de um dia de sol e cerveja nos tombos da cachoeira, eu já vagava pela rua indo pra casa de uma vez por todas. Rumava ainda indeciso até que depois de tantos anos querendo ver a menina mais linda do universo, meus olhos atenderam minhas velhas preces e, abertos, realmente a viram.

Era ela, distraída, em pé sozinha no meio da rua de paralelepípedos e sonhos. E antes que meu coração saísse pela boca, consegui passar pela garganta o apelido dela e gritei. NUNCA na vida alguém se virou para mim numa câmera tão lenta. E em plena rua principal de uma cidade pequenininha perdida no cantinho esquerdo de Minas Gerais, o meu mundo parou.

A surpresa de encontrá-la ali naquele fim de mundo não era só minha. Quase seis anos tinham se passado e ela só tinha ficado ainda mais linda, a menina mais linda do universo. Agora uma mulher. Agora ali sorrindo o seu sorriso perfeito a poucos passos de mim. Conversamos nos olhando nos olhos mais do que nunca. Nos abraçamos, nos demos as mãos. Não acreditamos juntos.

E no meio da folia, tudo pareceu sumir. E nossos silêncios impontuais eram quebrados por comentários sobre aquela coisa do destino, nos colocando ali, frente à frente depois de tanto tempo. Relembramos nossa saga. Meus poemas e a rua pintada. Nunca tínhamos esquecido um do outro. E aí sem saber exatamente como, eu a beijei numa madrugada de carnaval. E foi bom. E foi muito melhor do que eu tinha sonhado tantas vezes quando adolescente. E ali, num dos lugares mais perdidos do planeta, eu me senti o dono do mundo. Eu e a menina mais linda do universo. Saímos dali de mãos dadas e sorrisos estampados. O que tinha que ser, finalmente era – lembro que pensei.

Depois disso namoramos um namoro à distancia, que não me deixou viver com ela nem um milésimo do que queria ter vivido. Mas a história já estava escrita. Um amor com um fim. Anos depois de passar a primeira noite inteira acordado por alguém tive muito mais do que pensava. E fui namorado da menina mais linda do universo. Uma menina que eu não soube ver mulher, e que há pouco um site desses de relacionamento me trouxe de volta. Casada, bem sucedida e feliz como ela merece ser. Linda com os olhos brilhantes e doces como pra mim ela sempre será.

quarta-feira, setembro 05, 2007

Gritos de Passagem

Por André Debevc

Deus sabe como te xinguei. Deus, entre uma distração e outra, e meus amigos sabem como eu te xinguei. Tinha até um ritual, diziam eles (os amigos, porque Deus nunca se manifestou). No início estranhavam calados, mas o tempo foi escorrendo e eles passaram a fazer parte de tudo – penso que amigos de verdade são mesmo essa espécie de cúmplice calado, mesmo na mais profunda reprovação - mas ninguém protestava. Ninguém estranhava a minha dor e nem o meu ressentimento. E aí tudo passou a ser meio como que uma rotina oficial quando eu passava pelos seus pedaços da cidade. A conversa no carro cessava, baixava-se até o som de algo que tivesse tocando. Com frio ou com chuva, noite ou dia. O vidro descia, e lá do canto mais magoado de minha alma vinha o grito mais primal e ofensivo que alguém no universo podia lançar contra você. O que era dito na verdade era o que menos importava. Valia sim a força dos meus pulmões. Contava (como se tivesse um júri sempre comigo) expurgar a raiva e a dor que você me causou. Um protesto esperado. Durante meses foi assim. Sempre. E o giro das rodas continuava, meus comparsas subiam os vidros, o volume do som e retomavam o assunto como se nada tivesse acontecido, apos os segundos de silêncio em que solidarizavam comigo. Entre homens, respeita-se o soldado caído. Protocolo triste de um apocalipse sinalizado.
Tudo seguia sua seca normalidade, até que numa noite no caminho de ida para uma das partes mais idiotas da cidade, nos aproximávamos de um dos seus redutos. Baixou-se o som. Fez-se silêncio. Desceram solenemente os vidros que davam pro seu mundo. E não se ouviu um suspiro meu. Minhas palavras de ofensa para você tinham acabado. E se não tinham acabado tinham cansado daquele exercício inútil. Dias depois, até comentaram o meu silêncio: – Ele nem gritou quando a gente foi pra parte mais idiota da cidade. Alguns nem acreditaram. Eu só sorri. Em silêncio como passei a viver meus lutos. Calado como é melhor ser quando não se tem nada de bom a dizer sobre alguém.

Tem Dia

Por André Debevc
Todo dia passo por uma moça que me lembra muito seu jeito, seu gosto e sua cor. Ela tem seu ar, sua pele e até seu jeito de desviar o olhar quase tímida quando se pega sendo admirada sem maior aviso. Tem dias que penso em colocá-la na boca, pra lembrar seu calor e relembrar seu sexo, mas aí lembro em como você me envenenou e mudo de idéia rapidinho.