quarta-feira, abril 12, 2006

A Mulher de Vinte e Blau

Por André Debevc

Mesmo segura de quem é, ela é uma daquelas mulheres capazes de ainda ruborizar quando dá de cara com um elogio sincero. Bem vestida e sucedida, anda leve e fita furtivamente com o canto dos olhos quem sabe que a olha. Não sai de casa sem sua leve timidez, quase traço de personalidade desenhado, só pra dar mais charme à sua elegante discrição. Periga ter pelo menos mais de uma grande história de amor guardada no passado – já namorou de engravatado a largadinho - e não se deixa levar apenas pelo que brilha, é novo ou colorido. A mulher de 20 e blau não precisa mais disso. Deslumbramento pra ela já saiu de moda.

No seu andar doce quase distraído, já passou da fase de precisar se achar linda. Passou até daquele tempo afobado em que toda menina precisa que o universo todo a achasse linda. Hoje, sabe que é. Sabe que é muito mais que isso e só dá seus segundos a quem sabe olhar e reconhecer seus detalhes. Faz tempo que aprendeu a cultivar suas próprias opiniões e gostos. Chorou suas perdas, ajudou a escrever suas lendas e salpicar cada uma de suas pequenas sardas. Sabe que pinta nasceu depois de que verão e quantos sorrisos foram necessários para sacramentar aquele início de ruga. Ela não esquece que tem horas na vida que só resta mesmo é engolir seco, e que romantismo já foi menos escasso no seu coração. Mulher de 20 e blau é mais pé no chão. É mulher que reclama do corpo só para não fugir da regra, mas que no fundo não o trocaria por nada porque sabe ali seus anos de cumplicidade e alegria.

Essa mulher é a que se arrepia inteira com o toque certo, com apenas um ou dois jeitos muito certinhos de ser segurada. Conhecedora de seus limites e segredos, sabe dirigir sutilmente pelo seu corpo, cheiros e interjeições quem escolhe para saboreá-la. Prazer, aliás, agora restrito apenas a quem conquista muito mais que seus sorrisos e beijos numa noite. Mais racional que antes, diz para as amigas que já nem espera tanto ainda do amor, mas certamente acredita nele. A mulher de vinte e blau não fica mais esperando pelo príncipe, mas se cuida como princesa porque sabe que merece ser uma. Direta e assertiva, tem uma velha famosa foto em preto-e-branco como sua favorita e cantarola uma música com mais de 10 anos de idade quando se distrai.

A mulher de vinte e blau pode ter vinte e tantos ou trinta e poucos - pouco importam os anos de idade. É uma mulher que olha no espelho com mais consciência e leveza. Ainda não cansou de praguejar contra as leis do tempo e da gravidade, mas já consegue até achar bonitinho algum detalhe na imperfeição de seu corpo que os homens acham lindo. Ela sabe de seu corpo. Sabe vivê-lo, estranhá-lo e fazê-lo gozar. A moça de vinte e blau é tão assim, que cativa até a segurança quando passa. É nela que começa aquela história, real, de que por trás de todo grande homem, existe uma grande mulher. É ela inclusive que faz o homem ser grande. Sua serenidade, tesão e cumplicidade transformam qualquer garoto, por mais eternos moleques que sejamos.

Nenhum homem tem uma mulher de vinte e blau. Ela é que tem a gente. Com mais sapatos e menos biquínis que anos antes, com mais filmes favoritos fora do circuito e menos amigos em portas de boate. A mulher de vinte e blau desceu do palco e foi para o mundo. Aprendeu a fazer melhor as suas escolhas e mesmo atolada de responsabilidades ainda esconde em algum lugar um riso ou olhar secreto de menina. Mesmo que seja só pra ela mesma, olhando orgulhosa e cínica para a própria bunda numa calcinha velha quando passa em frente ao espelho na manhã de sol de um domingo.

A mulher de vinte e blau, com seus cds, livros, neuras, histórias e filtros solares não é uma conquista a ser feita. A mulher de vinte e blau é uma mulher a ser merecida. E, com sorte e algum talento, mantida.

27 de Fevereiro

Foi uma tarde dessas onde a chuva parece poder chegar a qualquer momento. A penúltima tarde de fevereiro de um dos melhores anos da minha vida me mostrou mais do que todo o amor que eu sentia por ela e ela por mim. Estávamos juntos há algum tempo, desfrutávamos do descompromisso da juventude. Aprendi naquela tarde, naquele quarto, que nem existe mais, a propriedade talvez mais específica do corpo de uma mulher. Aprendi, que uma mulher pode, e sempre que puder deve, derreter na boca.

As intermináveis manhãs onde ela matava aulas de francês ficavam molecas para trás como quem apenas esqueceu a lancheira em casa. As explorações de seu corpo, meu templo, avançavam à medida que minuciosamente eu insistia em conhecer cada célula de quem me soterrava com tanta alegria e carinho. Quem sabe os beijos servissem como ponto de referência entre palavras e suspiros soltos no ar. Confissões, pedidos, desabafos que até hoje devem estar ecoando em alguma parte feliz do universo.

A velocidade que nossos corpos pediam para estarem sós, sem qualquer roupa ou desculpa era impressionante. E lá ficávamos nós, rolando numa cama estreita demais para o nosso amor, descobrindo um ao outro, mas essa é outra estória. Volto àquela tarde de fevereiro da qual acho, nunca saí.

O tapete verde, o sofá de palha, o espelho varando o teto. Mal sabíamos que aquele cenário nos abrigaria algumas outras vezes. Vinho e pão de queijo viriam a ser nossos cúmplices nessas ocasiões. Eu, sempre esquecendo de levar um saca-rolhas. Ela, sempre linda e lasciva. Copos, só os de geleia e requeijão mesmo, mas a gente não estava nem aí pra isso: estávamos os dois ali, o mundo que acabasse.

Os intermináveis beijos completamente molhados, as mãos, as bocas, os cheiros ainda me assombram às vezes em sonhos e delírios de perfeição. Ali, eu só existia para ela, só existia para que ela explodisse, me abraçasse, beijasse resfolegante. Conhecendo todo seu corpo, eu não tinha pressa, o resto do universo só lembrava que existia nos cliques da caixa que comanda os sinais daquela esquina da zona sul. Nossos sinais já não precisavam ser comandados, só reagiam buscando fundir dois corpos, duas almas naquelas horas em que passamos apresentando nossos corpos à intimidade mais profunda que pode haver entre um casal.

Minha boca e quase obscena língua percorriam a encarnação de todos os meus mais secretos desejos rastreando cada milímetro de sua existência. Não me preocupei em escolher rotas nem repetir caminhos. Gastaria toda minha vida ali no exercício de levá-la ao céu. Talvez tenha sido isso que eu tenha feito.

Nossa juventude, nossas maiores alegrias, nosso prazer ali, restrito àquele quarto, ao nosso espaço. Depois que minha boca, abandonou temporariamente a sua, ela se permitia sons indescritíveis de surpresa e gozo. Quando eu vinha à tona retomar meu fôlego, antes que suas pernas me puxassem de volta já morrendo de saudade, eu ainda conseguia ver seus olhos apertados sem acreditar naquilo tudo. Por vezes ela me puxava, achava que já tivera o bastante, pedia um delicioso arrego, mas eu a olhava nos olhos quase embriagados de felicidade e fazia que não, mexendo a cabeça, cinicamente pedindo um silêncio que sinceramente nunca quis ouvir e que nunca veio.

Nessa tarde, vi que o corpo humano, o corpo dela é mesmo composto de água e resto. Bebi toda essa água, deliciei toda aquela vida, a nossa vida, nossa união, celebrada em espasmos, beijos e palavras incompletas. Completa a tarde, encerrado o eterno laço de pernas, corpos e almas, ficamos ainda perdidos, voltando à órbita de vocês mortais por mais algum tempo. Tínhamos criado ali um planeta, um universo exclusivo em pleno Jardim Botânico, num dos cômodos que me viu crescer.

Nem tentamos fazer diferente, mas ainda demoramos a voltar à realidade. O lanche regado a pão de queijo e família na casa dos meus avós não conseguiu inibir o mais largo de nossos sorrisos até então. Aquela sensação demorou a sossegar. Nossas mãos andavam mais coladas que nunca pelas ruas. Nossos beijos demoravam mais do que nunca pelos bares. Esfregávamos nosso amor na cara dos outros sem a menor vergonha. Era delicioso…

Pode ser que, em algum lugar secreto dentro dela, ela ainda guarde toda aquela cumplicidade. Duvido. Tivemos outras grandes manhãs, tardes e noites de amor, mas aquelazinha do final de fevereiro ficou pra sempre em nós. Foi uma aula de linguagem corporal, de um entendimento nem tão silencioso que nos perpetuaria na história da humanidade.

Mais do que nosso amor, mais do que sexo, a química, a pólvora que sempre nos acompanhou se mostrava real, séria e eterna (como toda ilusão parece ser). Aprendi muito sobre mulheres com aquele amor. Fiquei mal acostumado, com a melhor delas, fazer o quê? Acho que aperfeiçoei minha paixão por elas em minhas andanças, pequenas e grandes mortes. Morrerei para sempre um dia, quase certo de nunca ter podido dividir isso com ela de novo. Mostrar meus novos truques, sabe? Mas jamais esquecerei que naquela tarde tivemos tudo, fomos tudo. Aquela única tarde que acabou há milênios. A tarde onde aprendi que o corpo de uma mulher pode derreter na minha boca e pode se entregar aos céus em minhas mãos.

Mais Nada

Por André Debevc

Tem dias que eu acho que essa vida já deu.
Olhando na carne os amores que tive,
sentindo ainda no peito as mulheres que nunca esqueci,
ou abraçando na memória os amigos e o que vivi,
tem dias que eu acho que essa minha breve vida já deu.

Fosse eu medieval, teria morrido bem mais novo.
Espada cravada no peito,
ingenuidade e ignorância de quem se vai
defendendo até o fim um amor prometido a um outro qualquer.

Mais uns séculos,
e lá estaria eu, duelando.
Frente à frente com meu rival de armas mal escolhidas,
defendendo a honra e o amor idealizado em poesia.
Feneceria eu ainda jovem,
o peito dilacerado por uma bala
e não por uma mulher que escolheu outro caminho.

Já em outra época ainda mais recente,
morreria também jovem, combatente.
Foto em sépia rastejando trincheiras,
cartas da amada perto do coração,
saudade virando lápide em terras estrangeiras.
Um amor que viveria só para contar história.

Acontece que vivo agora nessa época inglória...
Se morre de tiro, desastre, idade e solidão,
se vive bem mais do que foi feito para agüentar um coração.
E quando o peito ecoa doído
acordando no conforto desassistido da madrugada,
penso sozinho no lugar onde dormia a minha amada:
tem dias que acho que essa vida já deu,
tem horas que eu não espero mais nada.

Paixão de mulherzinha

Por André Debevc

Foi lendo uma crônica de uma amiga minha semana passada que confirmei o que por um tempo já vinha suspeitando: quando o assunto é relacionamento, sou quase uma mulherzinha. Pelo menos na visão dela, que diz basicamente, que quem gosta de amor é homem, que mulher gosta mesmo é de paixão. Até acho que conseguiria, algum dia, dar um beijinho carinhoso na mulher, colocar o pijamão e ligar a TV com uma felicidade sincera, como os homens da crônica da Aline. Só que, me identifiquei muito mais com suas mulheres, que precisam de frio na barriga, de adrenalina e impulso.

Nunca fui muito de calmaria, acho insosso. Medíocre, sinônimo de mediano, pra mim é ruim. Gosto da sedução, que seja eterna. Da adrenalina. De ser pego pelo colarinho e agarrado por cima da mesa do bar com ela me pedindo para que eu leve pra cama ou coisa parecida imediatamente. Quero a paixão na sua saudável inconstância, que alimenta, instiga, atiça. Nela que me olha de um jeito que só ela sabe olhar e me derrete do outro lado de uma sala lotada. Nela que faz pequenas surpresas, deixa bilhetes, que resolve comemorar com maravilhoso sexo matinal só porque é terça-feira.

Nunca consegui me apaixonar, nem muito nem pouco, por uma mulher que na cama não fosse lá grandes coisas – ou melhor, pra não agregar valor ou avaliações subjetivas de desempenho ao assunto - que não tivesse química e pólvora comigo. Não que eu seja o supra sumo do sexo, mas é o tipo da coisa que eu não consigo viver com se for mais ou menos ou apenas legal. Tá bom, até concordo que já fiz mais força para que cada transa fosse inesquecível, mas se for parar pra pensar, as minhas transas inesquecíveis são aquelas onde a paixão estava ali, mesmo que fosse pra ir embora um ou dois dias depois. Tinham ao menos momentos de paixão, de urgência, como na última vez memorável, num banheiro depois do casamento do meu primo.

Vivo para estar apaixonado, embora tenha esquecido o que é isso. Tive relacionamentos legais com pessoas fantásticas. Namoros e casos que me tornaram um homem melhor, mas paixão mesmo, de praticamente abanar o rabo, faz tempo que não sinto.

Fato é, que a paixão está em extinção. Cada vez menos se vê casais apaixonados sentadinhos num banco na orla ou se beijando e atrapalhando o fluxo dos passantes num shopping. Vai ver tem algo com a cobrança. Com a nova mulher. Com o mundo que espera que “homens maduros” sejam sinceramente felizes num pijamão em frente à TV depois dum beijinho carinhoso, quase fraterno na mulher. Exigem que deixemos de ser moleques. Talvez porque a paixão seja coisa de adolescente, e não só de mulher. E pode ser que o amor seja mesmo uma conquista da maturidade. Eu não sei (acho que não cheguei lá ainda). Só sei que em algum lugar deve existir uma mulher por quem eu vou saber me apaixonar todos os dias, tendo o peito pulsando forte feito adolescente. Até porque já aconteceu uma vez, numa galáxia muito muito distante, há tanto tempo atrás que até virou lenda.

E quando isso acontecer de novo, com toda minha afobação, vou dizer pra quem quiser ouvir que isso sim, é amor. Até porque só tem uma coisa com a qual posso me contentar de ter assim, ali ao meu alcance todos os dias da minha vida: a paixão. Porque se pra gostar de paixão é preciso ser mulher, quero pelo menos ser a mulher mais feliz do mundo.

Bandeira Dois

André Debevc

Ela adormece enquanto o taxi
rasga as ruas numeradas de Manhattan.
Todo nosso existir esta alí
guiado por um imigrante indiano.
Penso em como nossas vidas se desencontraram…
e mesmo assim o cheiro dela continua o mesmo.
Sua mão não se desprende da minha
nem quando o meu peito
surrado e agasalhado vira travesseiro. Ela me abraça.
Dorme como sempre,
um anjo de amor e dedos longos.
A irregularidade do asfalto faz o carro,
a vida pular,
e ela ensaia acordar,
mas digo que ainda falta e ela se aninha.
A brisa fria da noite leva a história,
lenda urbana entre tantas outras,
um amor escurracado.
Aquele quase silêncio do taxi
se intala em meu peito; marco um.
Ela nem sabe o quanto eu a amo,
comendo meu cheesecake,
mangando do meu inglês enferrujado
ou querendo todas as besteiras de Chinatown.
A vida passa,
e pego de novo o taxi 5K99.

Aquele amor não volta nunca.
Já é outra bandeirada.

Falando em 2046

Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e agora Amor Eterno. Sim, depois de assistir ao filme “2046 – Segredos do amor” fui obrigado a adicionar este último à lista das coisas que não existem. Visualmente instigante, intenso e repleto de referências cinematográficas sensacionais, 2046 põe em cheque a crença de que possa existir realmente algum amor que não acabe.

Todos temos uma lembrança que dói de vez em quando feito osso quebrado quando vai mudar o tempo. Passar bem, sua filha da puta. Não me procure nunca mais. Preferia não ter te conhecido. Quem já não ouviu ou disse, mesmo em silêncio, frases assim? Quem não achou que depois de uma desilusão jamais deixaria de ser uma metralhadora de ressentimentos? 2046 nos mostra que o amor e a dor do seu fim, como tudo na vida, também passa. A gente é que nunca mais é o mesmo. Passamos a ter um segredo pra guardar pra sempre, subir numa montanha, achar uma árvore, fazer um buraco, contar e selar com barro.

O amor de hoje, como nos mostra o diretor Wong Kar Wai, foi feito para parar de durar. É o cultivo da intensidade contra a coisa eterna. Começo, meio e fim acelerados e menos memoráveis. Depois sobra muito pouco. Um encontro inesperado, silêncios carregados de hesitação. Se o presente é incômodo, embarcamos rumo ao lugar onde nada muda nunca, embarcamos rumo a 2046.

O único amor que vale a pena é o amor impossível. O resto é passageiro. É coisa que dá - o trocadilho é por sua conta - e passa. E depois começa de novo. Sofrer, ser infeliz por amor é dar valor demais a algo que deixou de ter sentido. Sinais desses tempos fragmentários – na tela não se vê uma pessoa enquadrada inteira – eco dessa impossibilidade de plenitude. Então na inviabilidade do amor, nos viciamos em paixão. Como a trilha sonora que quer se repetir, repetir. A música que volta ao princípio – tentativa de ficar sempre com o gosto de começo de relação. A narrativa descontinuada como a de Godard, as idas e vindas, como no amor. Onde é que a gente estava mesmo? Onde é que vamos parar?

A película chinesa constata o amor lírico e dolorido, podendo ser eterno enquanto dura sim, o que não significa que não haja dor no fim. Que o diga o personagem principal, o escritor Sr. Chow, que aprende logo no início que amar não nos obriga a sermos amados. Ele, que não consegue levar o seu amor com ele, entende isso e segue mudado para sempre para que Kar Wai nos lembre Vinícius, cantando que é melhor viver do que ser feliz. Pois o amor dói. É o que ele faz. É de sua natureza doer quando acabam-se os risos e ficam as pequenas frases, curtas e doloridas, os silêncios onde os dois já não olham na mesma direção.

Segredos do amor nos esfrega na cara que não existe esperança em saber nosso amor no outro. Que jamais saberemos como ou até mesmo se somos amados. Que a única certeza do amor é que sim, ele acaba, como bem disse Paulo Mendes Campos, a toda hora, de todo jeito e às vezes sem nem mesmo precisar de motivo. Acaba principalmente quando queremos que nada mude nunca mais.

E seja na China, seja no subúrbio carioca, as histórias de amor são sempre as mesmas. As dores, os desencontros como em Drummond onde fulana amava siclano, que amava beltrana que era apaixonada por fulano que não gostava de ninguém – que vai ver já tinha entendido que o amor foi feito pra acabar. As pequenas traições doendo sempre regando o novo cinismo do coração. Afinal, ver que um amor acabou não requer inteligência nem sensibilidade. Requer coragem. Coragem pra não extender o que não tem mais vida. Porque se um não quer salvar, o amor já morreu.

É difícil conseguir mudar nossa própria história, é triste reagir letargicamente, é complicado escrever um novo final. Coisa de andróides, escritores baratos, gente que ama, essas bobagens. Então, salvando o dia quase como um remédio da modernidade, saber que o amor acaba faz com que tudo doa menos, nos afasta da necessidade hollywoodiana do happyend. A verdade é que todo dia alguém volta sozinho pra casa, sonhando com um passado menos seco. Nascemos sozinhos. Morremos sozinhos. Chato é a mania de querer ter um outro só para nós. Alguém pra rir, coçar e reclamar quando se atrasa...

Em enquadramentos modernos, Wong Kar Wai nos lembra, que não se ama duas vezes a mesma mulher (porque nunca se deixou de amá-la?), que não se atravessa duas vezes o mesmo rio, e principalmente que no amor não existem substitutos. O passado que tenha sempre razão. Filho da puta. Pretérito esquecido, tempo onde se amava, beijava, abraçava, ria.

No fim das contas, descobrir que o amor eterno é como Papai Noel faz bem. Juro que eu não sabia. Mas não fiquei triste não. Sei que agora estou mais pra Sr. Chow, cético e esvaziado de ilusões – esperando menos do amor. Então embarco para 2046, onde reza a lenda, a memória de quem se amou não doerá mais. Coisa do tempo, de um dia depois do outro, dizem. Eu não saberia. Ainda estou longe de chegar lá.

É isso...

Por André Debevc

Lamento, mas não posso. Não, menina, não vou ser um desses que inventa mil desculpas ou some sem pistas de uma hora para outra. Não tenho mais
a saudável maldade adolescente de mentir que vou ficar para sempre só porque tenho tesão. Passei dessa fase da vida – pelo menos no meu tempo
de moleque era assim – onde eu precisava omitir umas verdades para poder ter companhia, uns beijos, um peito na boca e uma coxa nas mãos. Cheguei nesse ponto sincero onde prefiro não iludir, ganhar pontos com o Velho lá de cima e dormir com a consciência limpa.

É verdade, eu lamento. Quando te disse que não tenho medo de quase nada, eu tava falando sério. Nunca me vi como um desses homens com medo de compromisso. Vai ver fiquei tempo demais sozinho. Vai ver fiquei comendo muito tempo só pelas beiradas. Vai ver no fundo acho que não vou conseguir ser o melhor que posso ser pra você. Que você merece mais, essas bobagens.

Acho que travei quando vi meu mundo ameaçado. Eu sei, é bobagem, você nunca fez nada, você nunca teve essa intenção, mas essas cada vez mais novas velhas manias acabam tomando conta da gente. Talvez seja o peso dos anos. Talvez esteja ficando velho, não sei. Vai ver que na falta de alguém de verdade acabei me apegando à coisas pequenas como a liberdade de ir e vir sem ter que consultar alguém.

Às vezes suspeito que virei um dos meus piores pesadelos: um coyote solitário. Eu, o asfalto e o vento na cara no caminho de casa. Quase um filme em preto-e-branco. Poeira e trilha seca como a boca do dia seguinte. Aquele odor intruso de sexo. Uma música, um sorriso canalha de quem saiu na hora certa...o sol na cara de uma manhã sem ressaca e camisa amassada.

Sério mesmo, desculpa. Durante muito tempo achei que a culpa era de um dos meus fantasmas: a ex que eu nunca esquecia. Ela, que sem nem lembrar que eu existia, nunca deixava que eu amasse mais ninguém. Mas hoje sei que não é isso. Não agora. Não com você. Sério mesmo, menina. É que tô cheio dos velhos vícios dessa vida desregrada: horários loucos, amigos mal intencionados por todos os lados. Sei que a frase é péssima, mas não é você, sou eu. Sei que disse que queria alguém com quem dormir abraçado e ver dvd no domingo. Sei que te disse que queria dar uma acalmada, sair dessa vida, ser de alguém, cultivar apelidos e fazer meia dúzia de planos. Sei disso tudo, mas também sei que não menti em nada. Sou isso, transparente, que você tá vendo. Poço de sinceridade amarga. Desculpa, você prefere as coisas mais doces...

É só que pra gente dar certo, eu não tinha que estar aqui só porque não achei uma boa desculpa, ou a cara de pau de dizer que preferia não ter que fazer força, colocar uma calça e uma camisa e sair da minha velha rotina. Não, não olhe pra mim assim. Você devia saber que pra gente dar certo eu tinha que não pensar nessa relação até a hora que tivesse totalmente dentro dela. Eu fazendo parte da sua rotina e não conseguindo tirar você da minha, vindo que nem cachorro pro seu colinho.

Relaxa, menina. Eu sou muito arredio, linda, lembra disso. Pensa que sou sozinho. Lembra que só me deixo fazer carinho quando me distraio. E olha, é verdade: não tem mais ninguém na parada. Nunca teve jogo, você sabe disso, só acabou. A culpa não é sua nem minha. É só que preciso me apaixonar logo e isso ninguém precisa te dizer que não aconteceu

Sem Escafandros

por André Debevc

Mergulho fundo nas suas coxas
com a voracidade e sutileza de um meticuloso tigre faminto.
Não tenho pressa, tomo meu tempo sorvendo seus cheiros
vivendo seus gostos.
Desfio seus sabores…
Talvez nem perceba o quanto a rotina pode me ameaçar lá fora,
muito certo que deixe os ponteiros invejosos se arrastarem pelas horas
enquanto insisto que minha língua te explore por inteiro.

Aprendo seus espasmos,
revisito sua respiração às vezes louca,
às vezes apreensiva pelo meu próximo gesto.
Você conjuga gemidos abreviados,
você me puxa me aperta e beija.
Sua boca deixa escapar a mordida, abandona a palavra pelo suspiro,
tenta dizer algo para depois se calar, desiste
insiste em me deixar te saborear.

Só volto à tona encharcado,
banhado pela sua insanidade, pela sua alegria. Soluço de tempo…
Nada me é mais precioso do que a busca pelo seu prazer.
Amo suas coxas brancas, suas penugens,
amo o abraço-algema que suas pernas me dão em contrações e trancos.
Vivo para que você se curve para me resgatar do meu mergulho,
com um sorriso nos lábios, com sede da minha boca.
Doce invasão de cheiros,
você é a estrada para minha língua,
pista de pouso para minhas mãos,
minha visita breve ao paraíso.

Melancólico e Puído

Puído. Toda vez que chegávamos na areia era a mesma coisa. O ritual, metódico, aparentemente distraído. Ela, jogava as sandálias onde queria sentar. A mão direita, ajeitava os cabelos, quase sempre já presos. A mão esquerda puxava os óculos até a pontinha do nariz, só o suficiente para que seus olhos ainda sensíveis ameaçassem se fechar estranhando a claridade. A praia nem sabia como era um cenário feliz para mim…

Sem estardalhaço algum, a velha camiseta cortada, a canga de bali, tudo lentamente encontrava seu temporário exílio no chão, na sacola de palha lotada de traquitanas e quinquilharias. Pouco antes que o sol conseguisse beijar seu corpo mais do que eu tinha conseguido naquela manhã, ela cuidadosamente ajeitava o alcance do biquíni. Puídas negras cortinas de malha enquadravam o colo mais fantástico que Deus já tinha pensado em criar. Um pouco mais do mesmo pano insistia em cobrir as curvas que encontrariam suas pernas, doces, brancas, já pensando em ser douradas ao fim do dia de sol. Ela sempre perguntava: “olha, não tá vendo que já estou negona!!” num tom mais do que sarcástico. Ela era ótima.

Aquele corpo me domava. Não foram poucas as vezes em que eu, voltando do mar, a via olhar pra mim e, de olhos ainda semi-cerrados, mandar um beijo. O biquíni já surrado envolvendo seu corpo, as sardas deliciosas entre os seios flertando com a minha passividade…Suas mãos delicadas, minhas, me acenando, me pedindo pra voltar. Mal podia tirar os olhos daquelas deliciosas coxas que por muito foram meu domínio. Era difícil não pensar e, amá-la para sempre, especialmente porque eu inúmeras vezes me via assistindo a tudo dela em uma espécie de camera lenta. Um tempo só meu: transitoriamente um presente perfeito.

Deliciosas tardes se arrastavam depois de fritantes dias na praia ou na piscina. Nossos beijos, sempre longos e carinhosos pareciam pontuar a nossa relação. Saborosos pontos de exclamação do quanto éramos, então, insubstituíveis um para o outro. Quantas vezes terá aquele biquíni, inexpressiva centimetragem já velha, ido ao mar em meus braços? Quantas vezes teremos o colocado de lado, ou o jogado ainda úmido para algum canto? Já achei muito aquele lindo surrado biquíni preto: no chão, atrás de algum móvel…velhas lembranças apenas.

Minha boca fitava cada milímetro daquela malha. Não era lycra, era algodão, era o céu já perdendo a cor original. Meus olhos adoravam patrulhar suas fronteiras, as vaciladas que ele poderia dar por vezes saindo da água, virando na canga, saindo desavisado da camiseta furada. Aquele biquíni certamente selou nosso namoro. Éramos os três, inseparáveis na praia, na sauna, uma união de desejo, malícia e, hoje entendo, até de uma certa inocência. Não há como pensar neste amor, no amor, sem lembrar deste quase detalhe.

Assim, como todos os biquínis e todos os amores, seu tempo também passou. Talvez o elástico tenha cedido, talvez não desse mais para continuar com aquele estilo, não sei direito. Sei que bem no fim do namoro, as duas peças de paraíso sumiram. Desapareceram como a vontade daquele corpo em se enroscar em mim, em me chamar de seu, em dizer que cada milímetro de sua pele e carne me pertenciam. As marcas de sol que aquele acessório deixavam eram incomparáveis. Simétricas, perfeitas em seu corpo bem mantido pelos deuses e falta de academia. Penso em ter saudade, mas desisto ante a inutilidade do gesto…

Somos, eu e o biquíni, uma parte do passado. Sem volta, sem memória. Talvez sejamos, se tivermos sorte, citados assim, ao acaso, como um dos preferidos entre tantos que existiram. Melancólicas areias da zona sul insistem em nos separar. Areia das ampulhetas, areia desértica da aridez do que ficou depois.

Jamais existirá um todo o mundo um biquíni como aquele. Os corpos jamais serão os mesmos, as almas também não. Eu amava aquele biquíni e seu eterno único recheio. Cada gesto, cada cheiro. O senso de humor, o escacho, o beijo, o jeito como sempre cavava do lado direito da bunda…Na minha mente sempre de alguma forma molhada, aquela peça de praia é uma peça da minha vida. Agora, só existimos em foto, velha prova, constatação. Detalhe de um tempo nem tão distante que nunca mais acena existir.

Para Escrever um Epico

Ai ai, lá vem ela com aquele sorriso de cristal que me espanta qualquer nuvem. Com a cabeça bem longe, arregala os olhos brilhantes num mini susto quando me vê pedindo pra mim mesmo para que ela me veja. Mesmo longe sinto seu cheiro como em todas as vezes que fecho os olhos e suspiro fundo. Quase sinto o calor de suas costas nas palmas das mãos. Mãos que bobas, silenciosamente fogem e acariciam o lugar de algumas de suas últimas mordidas. Ela adora me agarrar.

Andando leve, quase desfila de tanta leveza. Ela pisa, saltita e pula, sempre sem meias, me trazendo um sorriso que diz ser tão difícil tirar de mim. Outra manhã, me olhava nos olhos estudando meu rosto, impossibilitado de estar infeliz, graças à sua presença. Ela lembra das várias besteiras que eu digo e até já percebeu e decorou meu sorriso cínico – que já foi um segredo – que só vem antes de brincar ou mentir. Lá vem ela que nunca abre os olho antes de mim quando beija. Ela é minha fruta favorita. Desbancando a manga, me lambe de volta e vem me mordiscando pelos cantos deixando suspiros fugirem para dentro da minha orelha. Essa moça me olha fundo antes de me beijar e mergulha na minha boca mesmo quando dança logo ali.

Vez por outra, ela pula nas minhas costas e me agarra sem se importar muito com os estranhos. Nessa hora, o beijo é nosso, anônimo na multidão, e ela é minha. Pele, química, tesão, pólvora. Ando louco para vê-la dormindo, aninhada no meu corpo, com a coxa atravessada nas minhas pernas. Eu, com a mão perdida em seus cabelos negros, o meu coração batendo na sua mão e os lábios felizes de poderem estalar carinhosos ali na sua testa.

Se me distraio percebo que sou vigiado pela pinta que habita a parte superior de sua boca. A única com nome próprio. Uma das várias que atraem meu corpo ao dela feito ímã. Quente, deliciosa, esconde muito mais do que alguém pode imaginar por de trás de sua aparente docilidade. Ela adora se eu a mimo e quando relaxa, dirige com a mão pousada na minha coxa. Mas ando mesmo é viciado em seu cheiro, mais presente na nuca e muito vivo perto do umbigo. Tem o poder de me levar a qualquer lugar, nem que seja só pra elogiar minhas pernas ou falar bobagens. Sem falar que ela adora quando eu a mordo como fruta. Ah, essa moça...

Menina-mulher que me trouxe de volta a ansiedade boa de pensar coisas para alguém. Pode ser vista em outdoors pela cidade ou nos meus pensamentos mais simples, comprando com seu riso o espaço exclusivo da minha mente, varrendo para longe qualquer cansaço ou crise de humor. É uma mulher que me inspira, acalma e perturba. Sarcástica e alegre, sabe exatamente o que falar pra me tirar do silêncio. A moça que anda na minha cabeça pega fogo comigo redefinindo o que é um verdadeiro beijo. Perdida, a única coisa que sabe virar com certeza é o meu juízo.

E ela me agarra de um jeito que eu já tinha até esquecido por ter passado tempo demais por aí errando e me deixando lamber por qualquer cachorra. Linda, ela diz que tem ciúmes e ri com os dentes perfeitos. Essa mulher me puxa com força, me beija fundo enquanto minhas mãos dançam colando cada centímetro dela mais e mais ao meu corpo. Aí eu fico tonto, jurando poesia. Pra ela que me leva pro céu dizendo que é inferno. Pra ela que nos faz perder a roupa num raio gigantesco. Ela que me pega, me empurra, me sobe, me morde e pede mais. Logo ela que merece flores, jantares, versos e horas de beijos milimétricos em sua alma. Mulher que cata tomates secos na salada e me pede para manobrar o carro quando tá com preguiça.

Dia desses, numa quentinha, ela me deu o presente mais surpreendente que já ganhei de uma mulher. Fez história, a mocinha. Diz que vai me inspirar a escrever um épico, e mesmo nunca me chamando pelo meu primeiro nome, jura que nunca mais vai me negar uma carona. Da próxima vez que ela me pedir pra não parar quando eu estiver entre as suas coxas, vou fingir hesitar. Vou fazer meu doce e me esfregar nela pra ela ficar ainda mais fora de controle. Ainda mais minha. Então, quem sabe virão mais expressões em inglês, apelidos curtinhos e aqueles gritos que amo vê-la dar.

Ai, deus, lá vem a mais linda de todas as bruxinhas. Pena que não estamos sós. Pena que não estamos nós sob a luz de velas. Que bom que estou sob seu feitiço. Quando ela chega, nosso círculo mágico se forma. Nada me mal nos acontece e eu fico assim, pensando em conquistá-la mais e mais. E aí ela me chama de namorado, me beija e faz um agrado e me pede um sorriso.

Hoje, vou com uma camisa que ela gosta. Vai que ela fraqueja, me assume e me agarra. Com uma mulher assim eu vou até o inferno. Te vejo lá.

So pra quem me sabe

Saio do banheiro ainda tomado pelo vapor do banho para encontrá-la ainda estirada na cama grande. Dengosa, ela me olha enrolado naquela toalha de hotel e sorri enquanto se espreguiça murmurando doces impropérios para o dia que vem para nos jogar de volta na realidade. Enrolada nos lençóis, seu rosto quase adormecido é um convite para que eu rasgue a rotina e mergulhe de volta naquele corpo quente que conheço como ninguém.

Quando me aproximo para roubar um beijo, ela provoca. Mostrando que está nua, me exibe as coxas antes de virar de bruços e se esticar toda lasciva. Como que num só salto, ela está de pé na cama - olhos ainda cerrados estranhando o dia – nua em pêlo, ainda lindamente descabelada, se joga em cima de mim, descaindo pelas minhas costas feito uma das gotas do banho que não consegui secar. Depois de mais um beijo longo onde quem tenta voltar pra cama sou eu, ela se vira, feito menina, faz um sei que lá com as mãos para prender o cabelo e vai para o banho dizendo em voz alta que o trabalho a espera.

Sentado na cama, a vejo ainda voltar e zanzar pelada pelo quarto recolhendo suas roupas antes de voltar de vez para o banheiro e me mandar um beijo parada no batente depois de fingir já ter fechado a porta. Este jeito tranquilo dela mais uma vez me conquistou. Meu refúgio da bagunça do universo, minha portinha para uma dimensão despreocupada, sem cobranças…

Quando ela sai, já estou sentado à mesa devorando as notícias daquele dia de semana resfolegante. Pronta para o mundo, ela termina de ajeitar o cabelo e senta no meu colo roubando minha torrada. Ainda mastigando, me cola os lábios doces de geléia light e estala um beijo antes de levantar falando alguma coisa que não entendo mesmo. Às vezes me pego pensando em quando ela seria mais linda: se de manhã toda mulher, pronta para sair, ou se de noite, menina enroscada no meu braço direito sussurrando coisas desconexas enquanto dorme junto ao meu peito. Ela me encanta. Sei hoje, que só de vê-la andando, mexendo, falando, existindo, sou feliz. A presença dela altera qualquer ambiente, para melhor, tenho certeza.

Andando pelo quarto, ela procura os sapatos ontem atirados sem a menor intenção de serem encontrados. Sorridente, aparece agachada do outro lado da cama. Concentrada puxando a meia, nem percebe que olho para seus gestos ainda com a cabeça na noite que passamos juntos. A olho, quase sem ver – estou num pretérito, que fizemos perfeito. A cumplicidade de corpos, onde nada precisa ser dito. A sede de um pelo outro, a sincronia, o gosto dela na minha boca, o cheiro de sua nuca já espalhada pelos lençóis. Os beijos inundados, os gemidos já totalmente explicados, dissecados com o tempo, filhos quase da nossa intimidade.

Desconfio que não exista no mundo um outro corpo tão sabedor do meu. Me atrevo a proclamar silenciosamente que sei cada pinta, cada curva dela. Sei decifrar seu humor num bom dia espocado na tela de um computador. Sei mais dessa mulher do que muita gente junta. Mas ela também me sabe, sabe ler meus pensamentos tomando um gole do que bebo, sabe quando não fazer piada do meu mundinho banal. Seres simbióticos, que me perdoem os biólogos mais ferrenhos se eu estiver abusando do termo. Existimos melhores juntos.

O engraçado é que já me pego roubando suas gírias, rindo de mim mesmo quando sei que ela iria estar rindo. Procuro prestar atenção nas coisas que ela sempre diz, procuro conseguir ser um homem cada vez melhor. Temos muito mais que muitos casais. Somos nossos, de frente e do avesso. Quantas vezes já não entrei numa loja e levei para casa algo que era a cara dela?

Com um beijo na testa, cheirosa como sempre, ela me traz de volta à realidade lembrando que eu sempre poderia não ir à reunião das 10, abotoando maliciosamente o último botão da camisa, escondendo seu colo delicioso. Ela sabe que com mais um sussurro seu, eu mando mesmo a rotina pro espaço…mas levantamos dali. Na descida do elevador até o lobby ainda dá tempo pro último amasso. Outra noite maravilhosa vivida. Dia maravilhoso é o que começa com ela do meu lado, em cima de mim. Este era um.

Foi assim durante muito tempo, quando estávamos convencionalmente juntos. Ela já tinha sido uma namorada fora-de-série. E agora se mostrava uma mulher ainda mais supreendente, uma amante que eu não trocaria jamais.

Na porta do hotel é adeus. Cada um no seu caminho, na sua vida. Sabe-se lá porque não voltamos só para nós mesmos. Logo eu que sei onde tocá-la, que sei como beijá-la, exatamente como deixá-la perfeitamente louca. Descobri que não posso viver sem ela, escolhi não viver sem. Não consegui deixá-la para trás. Não deu. Também não sei se poderíamos, se conseguiríamos, voltar à convivência customizada que soterra tantos casais. Tem coisas que ficam melhores assim: depois do fim.

O bom é que nosso fim decretou outro começo. Já nos perdemos, já enterramos os nossos mortos e mágoas uma vez. Só sobrou cumplicidade, e essa vontade interminável de querer se ver outra vez. Cada um de um lado, sabe-se lá porque, ou até quando. A única certeza é que noites intermináveis virão. E nelas, onde o mundo fica de fora mesmo, estamos mais juntos que nunca.

Longe dos seus espasmos

Confesso que acho engraçado, talvez curioso pra não ser canalha, que a esta mesma hora, mulheres estejam sofrendo por mim enquanto volto pra casa mais uma noite com este vazio enorme, pensando em você. Mulheres que amei momentaneamente pra não ser sarcástico, mulheres a quem me entreguei com uma pretensa fé, determinação e aquela dose a mais de tesão, mas que nem de perto cheguei a gostar. Sim, por instantes talvez, na inconsciência de um gozo raso. Talvez ali, de olhos fechados eu tenha relaxado e vivido o momento. Frações de segundo, estragos eternos onde não havia nenhum sinal de você e uma imensa vontade de não precisar nunca mais abrir os olhos pra não ver que nem era seu corpo, nem sua alma de pouca idade ou empolgação que estava ali. Amei sim, quer dizer, vão falar que amei com vontade, talvez uma vontade instantânea, regada a malabarismos e minutos a mais de uma vingança, tola como todas as outras, naquela vontade filha-da-puta de te esquecer pra sempre, que toda vez morria na hora em que caía a roupa ou lhes beijava a nuca. Não, não era você, sua cretina. Nem suas pintas, nem seus espasmos, nem seus ais. Estavam longe de ser seus pés tortos, peitos menores do que parecem ou suas estrias verticais, mas mesmo assim eu procurava amá-las. Talvez, confesso, com mais dedicação e energia que dava a você – que jurava nunca ir embora – talvez com mais improvisos e tempestades do que vivia com você, quase sempre com hora marcada. Mas nunca com o amor e entrega que vivia ali, nas suas coxas, minha casa, meu refúgio do mundo, onde eu testava seu amor, vivia sua vontade e bebia de suas pernas. E você sabe que eu era feliz – e quem saiba até admita que você também era feliz – quando eu te coçava as pernas ou tinha os peitos esfregados na minha cara em plena cozinha. Imagino agora, nesse caminho de casa, quantas calças jeans estarão jogadas no chão do seu quarto ou quantas camisas e tops estão neste momento descaídos de lado na poltrona que fica ali perto da varanda. Será que o cone roubado já me esqueceu? Será que a marca cor-de-rosa do adereço roubado em minha companhia já deixou seu chão? Será que morri mesmo de vez pra você? Não sei. Não sei. Não sei. Sei que falo bobagens, uso mil máscaras e preservo minhas novas cicatrizes nas esquinas das minhas noites. E olha que você nem viu o que sobrou da minha canela depois do acidente. Olha que você nem quis saber dos remédios que precisei tomar pra dormir depois que você se foi. Eu nunca mais soube de você. A não ser por rumores, fofocas ou outras dores. Eu durmo, acordo e vivo ainda nessa ladainha de lembrar de você. Você que já fazia bem menos questão de mim entre suas pernas do que as moças que agora tentam dormir pensando em mim. Estúpido eu, né? Aqui nem pensando nelas. Depois de malabarismos, noites, improvisos e sorrisos bobos que nunca nem tive com você. Ou mais estúpido ainda eu, que quis entregar a elas um amor que bateu aí no seu peito, e sem ter pra onde ir, voltou pra me soterrar. Querer te amar pra sempre foi um dos meus maiores erros...(e sim, eu sei que você odeia que eu termine uma frase com reticências). Mas difícil mesmo é nem ter muito o que mentir e contar para estas mulheres. Paciência. Que elas façam como eu: que liguem o foda-se e tentem esquecer de qualquer coisa que já lhes trouxe carinho ou esperança.

A MULHER DA CALCINHA DE ALGODÃO

por André Debevc

Ela anda pela casa com o jeito mais despreocupado do mundo. Cabelo castanho quase ondulado na manhã de uma lembrança. Pegando a torrada besuntada de geléia diet com a pontinha dos dedos, acha que está mais gorda do que queria estar, como toda mulher. É linda em sua imperfeição.

O camisão gigantesco é secular e faz questão de não esconder nenhum furinho feito pelo tempo. Desbotado, é provavelmente uma das coisas que mais guarda o seu cheiro matinal totalmente viciante. O beijo morto, dado ainda nos lençóis, vem entre um sussurro ainda ininteligível de que a preguiça era maior que ela e os cabelos desgrenhados pela noite. Nenhuma mulher acorda parecendo que está num anúncio de margarina, mas qualquer propaganda perderia em naturalidade para seus miados. Ela tem manias e defeitos como todo ser vivo e adora me tascar um beijo mesmo antes de escovar os dentes.

É uma dessas mulheres mágicas em sua simplicidade. À luz da manhã de um domingo qualquer, lendo seu jornalzinho, pergunta algo que sabe que não sei só para poder fazer graça de mim. Fica feliz quando me ensina uma palavra nova, cantarola uma música que nunca tocou no radio, mas que só ela sabe de cor. Tem calcinhas chiques para ocasiões especiais, cheias de rendas como troféus para quem a despe. Ela sabe onde comprar aquela cinta liga alucinante que faz qualquer homem babar, e certamente tem, pelo menos, uma guardada da forma mais despreocupada possível na gaveta que você nunca abre.

Reclama da minha barba mal feita que, às vezes, roça em sua nuca ou em suas coxas. Adora quando falo do seu umbigo ou quando peço para ela parar de me morder porque marca. Vive falando mal da celulite que imagina estar invadindo seu corpo.
É lasciva o suficiente para conseguir tudo que quer com uma chantagenzinha emocional barata. Me chama por um apelido que só ela usa e fala sarcasticamente mal de qualquer coisa que eu escreva só pra depois pular no meu colo dizendo que era brincadeira. Deixa a gola quase esgarçada do camisão para me mostrar o ombro e, quando salta pra pegar mais café, me diz cinicamente que é para parar de olhar pra sua bunda.

A mulher da calcinha de algodão branco. Como tantas outras calcinhas que contam histórias secando nas torneiras do chuveiro. As calcinhas comuns, sem ocasiões especiais, sem desculpas por não serem sempre novas e lindas. A mulher que reclama quando como algo que ela odeia, a mulher que aperta o meu pneuzinho perguntando de quem são aquelas carnes.
Existem poucas cenas mais completas do que assistir ao sono dela em sua calcinha branca de algodão. Acho que a calcinha me fascina justamente pela sua idéia de cumplicidade. De sempre estar ali. Pendurada no banheiro, dobradinha em cima da cama esperando sumir numa interminável gaveta ou andando pela casa antes de se esconder dentro de uma calça numa terça-feira.

Essa mulher é a que no elevador me puxa com o olhar mais tarado do mundo e, segundos antes da porta abrir, me pergunta como está o decote. A mulher da calcinha de algodão anda por aí, todos os dias, desapercebida em sua simplicidade, fingindo uma timidez educada que esconde seu senso de humor debochado e sua vontade eterna em me ver bebendo vinho nas curvas de suas costas enquanto compromissos esperam.

Ela é uma mulher, como tantas outras, incomparável. Mesmo quando a gravidade inevitavelmente ganha suas batalhas e o tempo a lembre nas aulas de ginástica que ela não tem mais 17 anos. E daí se as pernas forem mais finas do que ela sempre quis que fossem? E daí se seu pé não apareceria em outdoors de sandálias? Sei que ela sempre vai elogiar as magrelas que trabalham como cabides ambulantes para os grandes nomes da moda. Sei que ela sempre vai dizer que eu preferiria ver a Gisele Bundchen de biquíni numa revista do que tê-la ao meu lado. E essa é uma das coisas boas dela. Eu sei de um monte de coisas e ainda não me cansei disso.

A mulher da calcinha de algodão sempre vai ter algo inteligente ou debochado para dizer, sempre vai reclamar que eu deveria dirigir com mais calma e fazer pouco das outras mulheres que foram menos que ela na minha vida. Esta mulher fica menstruada e reclama disso, sempre fala que fica inchada e se acha um barangão quando está de mau humor. Esta mulher é falível e real. Além de ser apaixonada por mim - deve andar por aí olhando discretamente pra outros homens (sem nunca fazer nada), pode certamente comentar de meus defeitinhos para suas amigas ou ainda sonhar em ir a uma praia sem areia, que se amontoa dentro do seu velho biquíni. Ela vive, toma decisões erradas e ostenta outros milhões de defeitos. Todos eles apaixonantes, porque vêm de alguém real e não de uma boneca de cera sem personalidade que muito homem queria ter para mostrar pros amigos.