quarta-feira, novembro 13, 2013

Distância cúmplice (NY/1999)


Por André Debevc

cultive por mim uma paixão distante, dessas em preto-e-branco, completamente entregue, justificando seu eu seu eterno amante. aproveite que ando longe, sem promessa de volta, e nutra por mim uma drástica paixão. veja como essa impossibilidade nos une! chore lágrimas singulares daí, que eu aqui prometo que andarei como se carregasse uma dor única de saudade. escreverei cartas dramáticas dissecando uma rotina frustrada pela sua eterna ausência. viverei com um olhar perdido, de coração amputado, anestesiado na errante realidade que não renova nosso estoque de beijos. a você, caberá apenas uma alma vazia quando se jogar nos braços de outro e não me encontrar. e se algum dia eu resolver voltar, prometo antes ligar. só pra gente acabar esse amor. e sempre poder lamentar. que nada era mais como antes.  

Conclusão

Por André Debevc

Você me priva do seu beijo
porque morre de medo
que eu te ponha na boca
e saia correndo
com a sua alma.

Pressa não (1999)


Por André Debevc

quero beijar a sua boca com toda a atenção que a pressa não me permite. me freio e preparo. afio todos os meus sentidos para quando esse momento der as caras. que todos os seus e nossos cheiros se apresentem. organizados em fila sem pressa ou hora pra ir embora. cabelo, pele, boca, perfume e saliva alinhados em estado de graça. pressa, não. o gosto da sua boca aflita ou mansa. tanto faz. dentes, língua e gostos dançando lentos no tempo suspenso, como num filme granulado que vai deixar saudade. pressa, não. que as mãos, minhas palavras e dedos, possam caminhar instigantes, pegando, trazendo, apertando e descobrindo. interjeições, temperatura, tônus, resistência, reticência e entrega. pressa, não. ouvir seu peito quando a respiração perder o compasso, os leves estalos de lábios se reencontrando a cada instante. pressa, não. palavras semi-inúteis, gravadas na memória, abrindo alas para o ósculo (você sempre gostou dessa palavra). pressa, não. quero sua boca. de novo e de novo. pra saber você sem nenhum desperdício e sem perder mais tempo. mas pressa, meu amor, não. nunca. 

quarta-feira, agosto 21, 2013

SHOULD I STAY OR SHOULD I GO


Por André Debevc

Tetos de hotéis são todos iguais. Quer dizer, acho que sejam. Eu nunca reparei muito para falar a verdade. Esse hotel poderia ser em Cuba, no Cairo ou em Ljubljana, mas é em São Paulo, uma cidade que depois de anos, de uma forma ou de outra, é minha. A verdade é que eu tava tentando arrumar outra coisa no que pensar enquanto The Clash tocava Should I Stay Or Should I Go na minha cabeça e a moça dorme de bruços aqui do meu lado, me prendendo suavemente com sua ainda quente coxa esquerda. A manhã vem se espreguiçando nesse dia útil e eu ainda estou aqui no quarto com cheiro úmido do sexo que só acabou há algumas horas.

Estou nu e contemplativo, perdido, com os olhos estacionados no branco do teto. Ou será que é gelo? Nunca achei que gelo fosse cor. Dane-se. Numa hora dessas (não da manhã, mas da vida) até uma ida ao banheiro – cacete, eu precisava mesmo ir ao banheiro – pode me fazer parecer com o Leão da Montanha, querendo dar aquela clássica saída estratégica pela direita. E sinceramente? Não sei se quero ir embora ainda.

Fosse eu um James Bond da vida, teria ao menos um smoking pra vestir e uma rosa pra deixar junto com um bilhete breve sem email ou celular. Mas a vida não é filme, mesmo que eu veja uns relances bem granulados por causa da minha lente de contato surrada. Ela suspira fundo e dá uma ajeitadinha no ombro, mas eu ainda estou imobilizado pela sua coxa. Na ponta da cama, vejo escapando entre os lençóis, o pé que foi a primeira parte da sua anatomia que vi nua. Mal tínhamos entrado no taxi saindo daquele palestra insossa, e os pés da moça estavam descalços. Os saltos soltos na bolsa que cabia o mundo. O esmalte clarinho dos dedos. As coxas pouco acostumadas ao sol alegrando minha noite paulistana apontando discretamente na minha direção.

Fiz que ia hesitar quando ela me chamou pra um drink no restaurante do hotel. Por sorte, desisti de brincar de me fazer de difícil. Sorte porque também não conheci o tal bar do hotel. E sim o quarto. O elevador. O corredor com iluminação indireta do andar onde estava hospedada, onde ela andou pra trás nas pontas dos pés enquanto eu a beijava sem precisar ter dito toneladas de besteiras irrelevantes. Nossos olhos já tinham conversado e selado o acordo. Os corpos só obedeceram.

Uma obediência tão grande e tão acertada que dava choque. Desses que só quem se encontrou em outras vidas dá. Química tem dessas coisas. Nem lembro de ter tirado a roupa dela no caminho da porta até a cama. Só lembro do peito procurando minha boca e o arco que ela fez com as costas para trás enquanto se segurava com as pernas travadas na minha cintura. As palavras ficaram trancadas para fora com o resto do mundo. Dentro do quarto, só nós e meia dúzia de interjeições. Todo o resto era dito com os olhos e gestos. Mas pensando bem, entre tantos beijos nem sobraria mesmo espaço para as palavras. Era como se já tivéssemos feito aqui mil vezes. Agora 1001.

Eu só não sabia o que fazer agora, quando o dia ia subindo as paredes do quarto. Acho que é uma daquelas horas na vida de um sujeito onde qualquer gesto pode realmente definir o resto da história. Ficar ou ir? Fazer um carinho ou se levantar? Tá certo que a visão tão próxima daqueles lábios bem desenhados, afundados no gigantesco travesseiro branco, dificultava qualquer decisão puramente racional, mas The Clash só aumentava o volume de um de seus clássicos na minha cabeça. Should I stay or should I go. Sim, claro, a noite tinha sido incrível e tal. Como se tivessemos enchido a cara e feito sexo louco, mas foi só uma garrafinha de vinho do frigobar. O resto da embriaguez veio todo da gente mesmo. Se bebendo, beijando, lambendo.

Se eu levantar agora…será que consigo que isso vire uma daquelas histórias perfeitas, feitas só de bons momentos, sem tempo pra que o tempo estrague qualquer ilusão de sincronicidade e perfeição? E se eu rabiscar no bloquinho de papel do hotel “Maybe in another life, when we are both cats” será que me eternizo como o homem perfeito que ela não dominou e fugiu?

Não sei. Vê-la empinando a bunda, mesmo debaixo do lençol, me faz querer acordá-la. Um beijo de bom dia ignorando o dente ainda não escovado. Digam o que quiserem, mas isso sim é intimidade. Pra depois ir beijando sua nuca, colo e peito até ela se render e começar tudo de novo. Renovar a letargia da poeira dançando no quarto no facho de luz que entra pela fresta de carona no tímido e fugaz sol paulistano. Aí eu fico. Pra ganhar o dia antes de voltar com a roupa de ontem pro trabalho enquanto ela vai visitar uma tia doente.

Aí eu fiquei. Pra beijar um umbigo lindo. Pra olhar pra minha barba por fazer no espelho de um hotel que não era meu. E pra deixar a moça e seus cigarros na porta do Hospital das Clínicas. Gesto digno de um James Bond. Se não dele, alguém que vai voltar numa próxima vida. Ou aventura.

quarta-feira, junho 05, 2013

UM HOMEM EM CONSTRUÇÃO


Por André Debevc

Um homem é o seu passado. Suas cicatrizes de alma e corpo contam sua história. E muitas vezes escondem o que ele não precisa e nem quer que seja compartilhado. Feliz é o homem que chega aos 40 com um punhado de casos que vale lembrar e uns dois ou três amores que nunca vai esquecer. Homem de verdade não desfia seus feitos em rodas de bar nem conta vantagem pra parecer que é mais. O homem de verdade sabe o que viveu, e como um cavalheiro, jamais vai sair por aí empunhando nomes ou espanando histórias em vão. Alguém, se não me engano, Nelson Rodrigues, uma vez disse que um homem antes dos 30 não serve nem pra dar bom dia a uma mulher de verdade. Talvez eu esteja enganado quanto à frase ou ao autor. Sinceramente, não seria a última e nem a primeira vez. E sim, homem se engana. Todo sujeito já amou errado, odiou errado e foi canalha na hora errada. Faz parte do caminho. Faz parte de crescer. Tomar e devolver as porradas da vida. Nem sempre do jeito mais certo e muitas vezes até na pessoa errada. Com os anos, o homem vai sabendo seus limites, aprende suas capacidades. Só com muita rodagem é quem um cara sabe direitinho o quanto poderia mentir, sem nem mesmo precisar contar uma mentirinha. É depois de comer muita poeira, beijar muitas bocas e abandonar muitos lençóis que um homem descobre a hora certa de ir embora ou de ficar de vez. É quando troca a afobação pela paciência. É quando lembra que muitas vezes ser impulsivo pode ter sido seu maior erro. Aí o cara respira. Não pra hesitar ou deixar passar o que antes valeria muitas brigas. Todo homem é o seu passado. O que não quer dizer que ele é quem um dia costumava ser.

terça-feira, junho 04, 2013

tempo de chuva


por André Debevc

a manhã de domingo entra preguiçosa pela janela, lembrando que já passa das 10. a chuva cai lá fora sem estardalhaço, insistente e preguiçosa. o minuto tem o tamanho que quiser na cama ainda quente e não abandonada. a vida passa numa velocidade diferente quando a persiana só deixa o dia entrar pelo seu olhar semi-aberto.