segunda-feira, dezembro 20, 2010

...melhor...

Por André Debevc

Ele não sabia, mas sim, aquele abraço era uma despedida. Soubesse, teria a beijado naquele carro parado na rua como quem vacila ainda sem a certeza de querer mesmo ir embora. Ele teria reunido num só beijo a vontade do primeiro e o desespero de quem sabe só ter um ultimo beijo para dar. Teria apertado a mão dela e olhado fundo naqueles olhos como nunca pode fazer antes. Mesmo na rua porcamente iluminada ele miraria dentro daqueles faróis e abriria sua caixinha de sinceridades, guardadas a sete chaves, pra que ela visse que a falta de racionalidade e consequência dele não eram apenas reais. Eram profundas. Cicatrizes de uma outra vida onde ele tinha pensado muito menos e vivido muito mais. Antes. Muito antes de terem que costurar seu coração remendado de volta ao peito. Antes deles – cada um do seu jeito e no seu tempo - terem virado tijolos, iguais e desapercebidos como tantos outros, numa parede qualquer. Talvez o coração e a palpitação fiquem de novo em segundo plano. Vai ver a razão tenha porque ter razão em algum momento. Melhor não pensar no que não pode ser. Melhor não pensar. E nem sentir.

terça-feira, dezembro 14, 2010

sem olhar direto pro sol

Por André Debevc

No breve detalhe que escapa do seu decote, eu me perco e mergulho sem medo, olhando para os lados pra não ser pego, mapeando suas curvas, dentes, penugens e cheiros sem que você nem tenha a alegria do calor do meu nariz visitando a sua pele desavisada de mim. Sem falar da minha língua, morna e faceira, decorando suas interjeições e suas partes animadas de sílabas inteiras, apertando suas coxas, tensionando suas gargalhadas contidas com dedos sem esmalte e repletas de sorrisos vazios de sons para não serem pegos pelo mundo. Ah tudo tudo que há entre os centímetros que sempre dançam entre você e eu. Um universo infinito e em expansão que não nos coloca nunca nus e simples, apenas um com o outro, preso num quarto, livre de qualquer culpa ou obrigação regada a um desejo existente num mundo real.

segunda-feira, dezembro 13, 2010

acordar sem hora

Por André Debevc

Quando a luz entra pela janela, não dá pra dizer direito se faz sol ou cinza. Nos dias de chuva só mesmo o chiado consegue chegar na frente e denunciar a letargia do dia. Não importa. Tem dia que é mesmo assim, que todo o processo de acordar é lento, sem burocracias nem velhos vícios da semana, como o de olhar pro relógio mil vezes antes de entender que horas são. Ao lado, ela dorme de boca aberta, ressonando docemente como uma gata preguiçosa dessas fotos de calendário de um ano que já passou. É verão graças a deus, e ela dorme só com uma camiseta e calcinha que tem muito mais história com ela do que eu. Sem pressa de trazê-la pro dia, que já deve ter chegado há sei lá quanto tempo lá fora, aproveito para começar minha doce rotina de beijá-la ainda quase imóvel entre o que sobrou dos lençóis que cismam em lamber suas pernas desavisadas. Sei que ainda não é hora de acordá-la, ela que sempre precisa de uns minutos à sós com o dia antes de sorrir pro mundo. O problema é que a sua pele quentinha de uma noite bem dormida tem poderes inimagináveis sobre a minha boca, e não demora muito estou colocando a moça na boca sem pressa nenhuma. É quando beijo a parte de trás de seus joelhos que ela esboça algum contato com este mundo, e diz alguma coisa ainda ininteligível para quem habita essa nossa dimensão. Tudo isso é minha senha para fazer com ela se vire de frente e me ofereça silenciosamente as suas coxas quase indefesas ante beijos e medições em braile, feitas com a minha língua – que como eu, acorda de ótimo humor. Agora ela ajeita a cabeça mais fundo no travesseiro e dá um suspiro acompanhado de um gole seco. Ela ainda está nos braços de Morfeu, mas aos poucos reconhece o meu toque e minhas bochechas rondando a sua virilha. De olhos fechados, ela lambe os lábios e ensaia um sorriso. Já não há impedimento para que minha boca mergulhe fundo, invocando nela meias sílabas, disfarçadas de esporádicas interjeições. Quando ela faz que vai me apertar com as coxas é que verdadeiramente chega para o dia. Paro e corro a mão pela penugem da sua coxa esquerda que, semi-flexionada, se entrega mais. É quando vejo o peito dela subindo e descendo a manhã como numa montanha-russa. Volto à minha adorável labuta de despertador silencioso depois de fazer shhhhhhhh para que ela não acorde ainda. Ela obedece. E mãos, línguas e beijos ricocheteiam ali onde havia uma calcinha. Pois é...havia. Finalmente ela arqueia as costas, se enfiando ainda mais na cama. Agora sim, digo bom dia. E ela me responde em silêncio, me sorrindo com o olhar mais tarado do mundo.

quarta-feira, setembro 29, 2010

Moody, Hank

Por André Debevc

Me desculpa. Antes de mais nada quero pedir desculpas. Você sabe que não tenho o maior dos pavios, e que nunca fugi de uma boa briga, mas desta vez eu não tinha o que fazer. Eu tava andando na linha, meu amor, eu juro que tava. Pergunta pro Charlie! Só sei que perdi a razão e saí socando tudo que vi pela frente e só parei quando vi que alguns socos daquele chantagistazinho barato também tinham feito seu estrago nessa minha cara de pau que um dia você tanto amou. Só estou sangrando, rasgado assim, porque ele colocou em risco aquilo que mais tenho de precioso nessa vida, meu amor. Ele ameaçou as únicas coisas que prestam nessa minha vida: você e nossa filha, meu amor. Tudo por causa daquela dissimulada que você insiste em tratar como sendo da família. Eu não sabia quem ela era. Também não sabia quantos anos tinha. E não tem jeito mais sutil de falar isso, meu anjo, mas eu trepei com ela sim. Ela que me fodeu quando roubou meu livro, ela que me ferrou muito antes, quando me seduziu com aquele papinho de eu ser o escritor favorito dela. Ela que agora acabou com a minha vida, a nossa vida. Que finalmente tinha saído dessa eterna corrida de gato e rato e tinha voltado a andar pra frente. A gente com as malas quase prontas pra mudar de volta pra Nova York. Mas agora não tem mais como esconder tudo de você. Me perdoa. Eu sei que agora você não pode, mas um dia quem sabe você possa, então me perdoa. Eu não sabia quem ela era. E fui sim um canalha, um fraco. Seduzido por elogios e toda aquela juventude sem sutiã de peitos empinados.

Se uma trepada pode acabar com a vida de alguém, essa foi a que acabou com a minha. Que me fez refém. De ameaças de uma pirralha leviana que sabia muito bem o que estava fazendo quando sentou sem calcinha em cima de toda minha canalhice carente, com todos aqueles elogios e sorrisos perfeitos. Agora ela volta pra me atormentar, o fantasma mais bonito que alguém já viu nesse mundo, a cretina. E acabou com a nossa vida, os nossos planos. Logo agora que eu tinha rasgado toda minha vasta coleção de frases feitas e caras de escritor derrotado, pai carinhoso de uma adolescente roqueira e umas poucas obras de quase nenhuma relevância. Eu tinha aberto mão de ser o sedutor, até porque a única razão dessa minha vida sexual de gato vira-lata era a falta gigantesca que você me fazia, meu amor. Eu passei todos esses anos, desde que você cansou de toda a minha inconseqüência e falta de maturidade, procurando por você em toda mulher em quem coloquei a boca. Sempre numa tentativa de estancar essa dor filha-da-puta de ter jogado tudo fora. De ter deixado você e nossa filha irem embora, as únicas mulheres com quem realmente me preocupei nessa vida. Me desculpa. Eu me escondi demais atrás de uísque, mulheres e desculpas rasas pra não encarar esse medo gigantesco de nunca te ter de volta. E quando finalmente você voltou, quando finalmente resolveu dar mais uma chance pra esse calhorda tarado, meu membro mais irracional e uma trepada que só me rendeu um soco na cara e muito arrependimento, voltam pra me foder de vez.

Agora eu não sei como tudo acaba, meu amor. À medida que o carro da polícia me leva algemado eu não faço idéia de como tudo isso termina. Qual será o próximo capítulo da nossa história? Quantas temporadas vou ter que viver longe de você? Eu não sei. Só sei que se pudesse voltar atrás, nunca chegaria perto dela, meu anjo. Nunca. Mas hoje, com o peito estraçalhado e o rosto sangrando, encaro o que não tenho mais como esconder. Vou ser o homem que devia ter sido desde de muito tempo atrás. Vou arcar com as conseqüências. Mesmo que você nunca mais me olhe, mesmo que nossa filha demore tempo demais pra me perdoar. Eu assumo meu erro – induzido por elogios e uma vida sem você e sem sentido. Daria tudo que tenho pra não ter comido aquela filha-da-puta. De todas as filhas-da-puta do mundo tinha que ser logo aquela! E hoje dou, entrego de mão beijada, tudo que tenho justamente por uns minutos vazios de prazer. Maldita hora em que fui praquela livraria. Enquanto as sirenes do carro abrem caminho para a delegacia, a única coisa que consigo pensar é: maldita hora em que fui ser eu mesmo. Me desculpe. Eu não sabia. Mas agora que você já sabe, não me odeie para sempre, eu nunca consegui parar de amar você. Nem antes, nem agora. Nem nunca.

sábado, agosto 21, 2010

Deus é brasileiro, mas a competitividade é paulista

Por André Debevc

Marcelo Rubens Paiva é um dos meus escritores favoritos. Na minha humilde opinião, este paulista (tá vendo como não sou bairrista?), é um dos maiores talentos que o Brasil já produziu. Um escritor para a cabeceira e para a vida. Mas não foi pra falar dele que comecei este texto. Foi para falar de listas, um assunto sobre o qual paulistas são craques. Ou melhor, estão no topo, disparado. Lista de melhores então nem se fala. Deve sair pelo menos uma por semana nesta cidade ranqueando o melhor isso, o imbatível aquilo. E se me perguntarem qual a maior diferença entre Rio e Sampa, posso dizer que é isso: a competitividade.

Se no Rio qualquer carioca pode te falar de um chope maravilhoso, em São Paulo o paulista vai fazer questão de te falar DO melhor chope da cidade. No Rio tem um lugar que tem um delicioso bolinho de camarão. Em São Paulo tem AQUELE lugar que é A melhor coxinha, o outro bar que tem O melhor barman (aliás, parabéns mais uma vez, Souza!). Eita cidadezinha que gosta de medir pau, né? Será, aliás, que é por isso que Toquinho (o amigo paulista de Tom e Vinícius) tem esse nome? Bom, deixa pra lá...

Na balada (calma, só tô usando o vocabulário local para ser entendido melhor) a graça de parar seu carro com o valet, que fica na frente da fila da boate, parece que é só para sair do carro mais importado que o do motorista anterior, na tentativa de impressionar o maior número de moças que estão na fila esperando para entrar. Como se seu carro dissesse quem você é... coisa muito estranha para um carioca.
Vou dizer por que. Não é que no Rio não exista competição. Existe sim, é claro. Mas os cariocas são mais desencanados (olha eu usando expressões locais de novo). Na praia, habitat natural de grande parte dos cariocas, é difícil saber quem é quem pela roupa, concorda? Sunga é sunga, e biquíni é biquíni. A faixa de areia, espremida entre o mar e o asfalto da ciclovia, abriga gente de todas as classes e origens. Tem de boy a CEO. De modelo famosa a professora aspirante. De zilhardário workaholic a vagabundo profissional. E ali todos se misturando naquele mar de gente, que vai se conhecendo de vista.

E quando você menos espera, tá trocando idéia com o grupinho sentado ao seu lado, conhecendo gente interessante, só pelo apelido. Sem saber se eles chegaram de Touareg, Focus ou Chevette. E essa, justamente, é que é uma das grandes graças do Rio: a falta de cartões de visita, de cargos, nome e sobrenome ou chave de carro aparente.

O mais rico talvez tenha vindo de bicicleta, ou quem sabe só desceu mesmo da cobertura e atravessou a rua, sem um tostão no bolso porque compra fiado com o Elias, que aluga cadeira e barraca nos dias de sol. Aquele ali, engraçado, acho que é primo daquele ator que namora aquela gostosa, ou filho daquele deputado que foi ministro. A gatinha saindo da água pode ser vendedora daquela loja de que você nunca ouviu nem falar, ou ex-colega de turma da sua irmã, do primário. Não importa e nem faz a menor diferença.

Por isso – essa eterna falta de roupa e programas culturais - o Rio é menos competitivo, e conseqüentemente mais democrático. Uma cidade de quem vive dando apelidos, mas não lembra de sobrenomes. De velhos amigos que nunca se preocuparam em perguntar exatamente onde o outro trabalha - até porque isso não vai fazer da pessoa mais ou menos sua amiga. Uma cidade que pode até ter engarrafamento, mas que não é nem o maior nem o melhor do país. Um lugar onde todo mundo gosta de se encontrar pra tomar um chope - que não precisa ser o melhor do mundo. Até porque isso, a cidade já é.

domingo, agosto 15, 2010

A lenda reza

Por André Debevc

Reza a lenda,
que seus beijos são doces como a brisa do mar.
Nunca existiu um que me contasse dos seus encantos
mas posso construir os mitos que quiser
na ausência de uma realidade cúmplice e descritiva.
Vivo às margens do seu paralelo particular,
te vendo nas coincidências de rotina
onde o mar lambe seus pés e o sol divide atenções.
Reza a lenda,
que seus carinhos são condecorações aos bravos
que desvendaram os enigmas que levam aos seus lábios.

Doce lenda sobrevive em minha retina,
vacila em ocupar meu peito
e se constrói na distância inerte
que sua figura sorridente insiste em ocupar.

Poemas letárgicos

Por André Debevc

Dopemos os poemas
acalmemos os ânimos,
o caminho ainda se ensaia à frente.
Agir impulsivamente pode satisfazer o peito
mas a razão entrará questionando
se nada funcionar muito direito.
Só um bocado, vamos nos segurando
pois a ansiedade não anda desavisada na minha cidade
e o beijo quer ir às ruas desfilar em carro aberto.

(...)

Por André Debevc

Dessas três ou quatro palavras que eu não disse,
o que você entendeu?
Suas respostas vêm assim,
sem pressa à tona,
feito estas bolhas inocentes no copo de cerveja.
Procuro saber suas reticências
para encontrar um ou dois pontos,
sempre abrindo vírgulas
para o aposto eu,
sujeito ativo,
até passivo ante seu desejo lascivo,
calmo, quase sussurrante
nessa confissão
de quem precisa me provar um beijo viciante
que cansei de imaginar.

Se entre um assento e outro eu calei,
é porque precisava me achar,
talvez entre sua boca e olhos,
talvez só entre nós mesmos
nesse cúmplice ar.

Eu calo, porque você consente
já que nosso beijo quer gritar.

O único jeito

Por André Debevc

Só sei ler lábios em braile.
Minha respiração desacelera ao ritmo da sua
enquanto a pulsação descontrola
e a perfeição rima nossas salivas.
Os cheiros intuem mais
e as palavras poucas, balbuciam um pedido de ininterrupção.
Seu gosto precisa estar aqui agora.

eu defenderia você com uma espada

Por André Debevc

Eu defenderia você com uma espada.

Nem que fosse preciso enfrentar dragões
ou os ladrões do centro
com apenas uma tacada.

Mesmo que tivesse que expulsar raptores ou só lutar horrores.
Eu defenderia você com uma espada.

Se pusessem em jogo sua integridade,
se sua honra ameaçassem,
se você precisasse,
te faria minha amada

e morreria feliz,
te defendendo com uma espada.

É assim que funciono
antes de mais nada,
no suspiro até reticente dos seus olhos
fitando minha alma apaixonada.

Pois se tivesse de morrer mil vezes
por um beijo,
o faria de alma lavada.

Eu defenderia você com uma espada.

Apenas lazer

Por André Debevc

Meu trabalho aqui está feito.

O umbigo dela,
ainda cambaleia,
subindo e descendo zonzo
enquanto ela engole seco
e tenta encontrar o ar
que dança letárgico
pelo quarto
sem abrir os olhos.

Meu trabalho aqui está feito.
Mas eu nunca estive aqui a trabalho. Só por prazer.

quinta-feira, agosto 12, 2010

#bregafeelings

Por André Debevc

Só uma força te cerca com mais constância e há mais tempo que o meu amor: a gravidade.

terça-feira, agosto 10, 2010

cegueira imposta

Por André Debevc

monto um quebra-cabeça no escuro. de olhos vendados, hermeticamente preso num ambiente sem som ou calor, tateio palavras. hipotetizo tons. mentalmente desenho gestos e hesitações de dedos. cada momento é um capítulo. um livro que não sei capa, crítica, orelha nem autor. suspense ou mistério. com pitadas de sarcásmo. obviedade, nenhuma. me lembra uma expressão que adoro: a esgrima das palavras. vivemos nisso. duelo sem derrtotado. leio um livro no escuro, que só me dá palavras e histórias quando quer.

domingo, agosto 01, 2010

Sentimentos Inquebráveis (outro poema antigo)

Por André Debevc


vê se compra uns sentimentos na próxima liquidação
o leite de caixinha vence no dia do seu aniversário
até lá meu nome já pode ter sido esquecido...
a carta demora mais de um mês para nascer
já nem sei mais se te vejo de novo
choveu mais de uma semana sem parar
vamos traçar um novo ponto de fuga
vamos juntos para um paralelo
onde você não me magoe não me machuque
fujamos pra'quele seu pra sempre dos versos da fotos onde éramos felizes
mas vê se compra uns sentimentos inquebráveis
e um coração com aquecimento que deixe meu amor fazer um ninho
(é redundante dizer que mulher não tem sentimentos)
Quebrar o coração dos outros
nunca deu cadeia nem levou à fogueira;
deixa pra próxima porque minha guilhotina
tá numa pesada lembrança de uma vida que quero esquecer

(poema de 1998)

Por André Debevc

Até que não posso reclamar demais,
tenho um Mustang ‘65 conversível que vai a cem enquanto você pisca.
Posso sair do meu bairro nova iorquino de ruas sem nomes
e acabar em Ipanema num fim de noite qualquer,
nem preciso passar pelo eixo monumental
perto de onde fica o cativeiro do meu último coração;
dirijo intranqüilo na chuva escura de estradas adormecidas.
Toca qualquer música no meu rádio importado,
ouço o que era um dia o ritmo do meu peito
no embalo arrastado do limpador de pára-brisas.
Abro a janela,
deixo a chuva me beijar desesperada e metódica,
pisco vazio e distante de mim mesmo,
encontro meu olhar
num desvio cinza do espelho quase embaçado,
estou seco na normalidade de sempre
lembrando de cheiros que o vento levou molhados,
e suspiro fundo,
concentro na chuva,
no dia cinza da rotina preto-e-branco
que aparece em meu retrato grudado na identidade.
Nova York parece tão perto.

Sola no peito

Por André Debevc


Às vezes eu acho que ela tem razão. Temos mesmo de acabar. Jogar tudo fora. Fechar o que sobrou desse sonho, encerrar esta conta amorosa e ver o que sobrou de nós pra continuar. O resto – que sempre é mais do que éramos quando começamos, então me pergunto por que chamar de resto e não somatório? – será visto, cedo ou tarde, pelas noites cariocas, só se esbarrando mesmo por desgraça ou para a diversão do destino. Somos de cenários e públicos diferentes. Tão diferentes que chego a me perguntar por que idiotice achamos que somos iguais, que funcionamos bem juntos. A ironia assim como o diabo tem dessas coisas.

Acabaremos para lá na frente voltarmos e casar, diz ela do alto de sua ingenuidade. Desconhece os truques da vida, penso tentando encobrir um sorriso nati-morto no rosto. Eu já ouvi essa conversa antes, menina. Falaram que eu teria que acabar, e depois vagar por aí. Me prometeram muitas amantes, cicatrizes e histórias. Mentira. Depois que o destino vira a esquina ele não olha mais para trás. É cada um pro seu lado. Um “adeus, te odeio filhadaputa” no rosto e um “volta, te amo” no peito. As bocas, mudas engolem seco.

Depois, só a triste análise do que foi e do que poderia ter sido. Do filho que se deixou morrer por egoísmo ou apenas tristeza. Uma lista infindáveis de “se”. Amigos carregando o caixão com o corpo apagado de quem um dia amou e jurou ficar junto. Um luto amoroso nem sempre aparente. Vai aquela vida, o status, os planos.

E lá atrás, uma música triste que você começou a gostar quando ainda tavam juntos. Lembrança cretina do quanto você se deu. Tragédia que começa sem ainda nenhuma decisão tomada. Os dias seguem como uma procissão de tanques. Seu amor é que foi ficando para trás embaixo do mais reles coturno de sentinela.

Músicas de amor são um lixo…

André Debevc

Toda grande musica de amor é uma porcaria. Não, amigo, não estou sendo radical nem sarcástico. Não importa se você é durão ou finge que isso não te afeta, se já amou mesmo uma mulher, sabe que as grandes músicas de amor são mesmo uma grande tragédia pro peito.

Sou um desses sujeitos que ama ouvir música e dirigir – principalmente na chuva. Se me distraio, canto no chuveiro, e se bobear, fico como minha mãe, que cantarola até mesmo enquanto lê jornal. É justamente por me considerar vidrado em música, que sei que assim como toda história termina mal, toda grande música de amor faz o coração silenciosamente engolir seco vidro moído com vodca.

As grandes canções de amor têm sempre algo em comum: trazem uma lembrança muito particular. Seja lembrando de como ela ria jogando a cabeça pra trás ou no modo como cantam como a idéia dela por perto faz falta.

Você não precisa ser Charles Bukowski e ter o fígado derretido por álcool e lembranças para ser um homem com uma história e bilhões de fantasmas que um dia foram doces mulheres. Toda mulher que vale alguma coisa vem com uma música. Toda história que vale a pena esconder ou contar (depende de como você for) tem uma trilha. Mas só as mulheres e amores que nunca morrem por completo é que sempre vão te encarar nos versos de uma grande música de amor, por mais distante no tempo que as duas (a mulher e a música) tenham acontecido entre si.

Boas músicas (como True Love Waits, do Radiohead) são mulheres que conseguiram viver para sempre. Um jeito distorcido de Deus brincar. O rádio do carro, que só tocava porque os cds jogados lá já cansaram, traz sem nenhuma piedade a porcaria que mais mexe com você (no meu caso, Wish You Were Here – que mesmo tendo sido feita para um macho, é perfeita), só para te fazer engolir aquele vidro moído de uns parágrafos acima.

Já me acostumei a dizer que tive coração, que não entro mais nessa de amar, e por isso insisto com isso de que toda grande música de amor é uma violência com nossas pretensas feridas curadas, com todas nossas histórias pensadas enterradas, e resolvidas.

Tem muita gente que finge não ligar, que brada aos quatro ventos que não é atingido pelos estilhaços dessas músicas, e sempre diz que é coisa de mulherzinha. Qualquer homem de verdade sabe viver seus lutos, sabe o que prefere negligenciar. Afinal, viver é escolher o que esquecer, diz o poeta Claufe Rodrigues. Por mais que sorria nos bares, invente histórias, diga que tenha enterrado ilusões e cante mulheres dizendo que tenho cicatrizes que me endureceram, sei que uma boa música de amor – e nunca disse que precisava ter dor de corno ou coisa parecida – sempre bate fundo até nos poços mais vazios.

Vez por outra esbarro em versos novos que muitas vezes nem chegam a tocar nas rádios como Hang, do Matchbox 20. Sou meio que um pára-raio desse tipo de canção que, por mais velha que seja (como O Meu Amor, de Chico Buarque), ainda consegue me trazer um gole cortante, assim quando sou pego – sozinho, distraído – desprevenido em casa no escuro com um uísque ou numa estrada da vida de madrugada. Eu, pelo menos, sou assim, culpa de um pai, que me punha para dormir ouvindo Charles Aznavour quando eu era moleque, sei lá.

Toda grande música de amor é uma porcaria. Não pela letra, ou pelos detalhes sórdidos que ela quase sempre traz. Toda grande canção de amor é uma porcaria, porque nos lembra que fomos muito melhores do que nos tornamos e isso não é nem sombra do que queríamos então ser.

quinta-feira, junho 17, 2010

Carambola

Por André Debevc

Sua cabeça encostada contra o vidro, ainda sonolenta e não necessariamente penteada denunciava ser o dia do rodízio dele na maior cidade do Brasil. Carro na garagem, estava no metrô a caminho de mais um dia de trabalho. Mais atrasado do que gostaria, mas também menos atento do que precisava estar. Nos fones de ouvido que faziam sua fronteira com o mundo externo, True Love Waits, do Radiohead, tocava numa versão acústica baixada da internet. Dá até pra ouvir o vocalista esbarrando no microfonel, ele gostava de comentar como se tivesse descoberto a pólvora. De tempos em tempos abria os olhos só para ter certeza de que não estava dormindo. Era um cara comum, desses com emprego, amigos, contas a pagar e uma vontade enorme de encontrar alguém pra tapar o buraco do seu coração, feito por uma namorada nem tão antiga que foi embora fazendo um estrago daqueles.

Uma das manias que tinha era ouvir no ipod surrado as músicas que gostava mais de uma vez antes de partir pra próxima. Mania de quem só precisava de mais uma chance, pensou um dia. Dane-se, antes do fim aperta o botão e volta pro início da música. True Love Waits. Será? Não né? Amor não espera nada. É só uma música. Era só um desejo. Olhou o relógio. Mas nem prestou atenção na hora.

Só abriu os olhos quando o vagão saiu de outra estação. Um cheiro acre-doce de carambola parecia ter embarcado. Era um cara mais apreciador de manga, mas era impossível para um sujeito com faro tão apurado ignorar o aquele cheiro de fruta em pleno vagão de metrô de São Paulo. Olhou em volta ainda tentando se decidir se estava confuso ou curioso com aquele aroma inesperado. Era como se a primavera tivesse entrado no seu vagão em plena manhã de outono. Acho até que esqueci de dizer que era outono. Agora disse.

Levou alguns momentos até perceber que aquele cheiro fresco e vivo vinha de uma nova passageira ali, em pé, duas pessoas à direita de onde ele estava sentado. Quando percebeu que a moça - de olhar levemente distraído, unhas pintadas de uma cor que quase não era cor e um pingente de crucifixo em ouro branco - tinha leves sardas na região do nariz, sorriu sozinho e lembrou de uma frase que não lembrava bem quem falou. Mas que dizia que um homem pode lembrar para o resto da vida de certas mulheres, mesmo que tenha as visto por apenas uns segundos, atravessando a rua. Era definitivamente um desses homens.

Quando acabou de dizer em silêncio essa frase para si mesmo, percebeu que estava sorrindo. Se deu conta de que estava educadamente mergulhando nas levíssimas e apaixonantes sardas da moça do cheiro de carambola e crucifixo de ouro branco, pensando, meu deus que mulher linda. E antes que ele pudesse pedir pra São Judas Tadeu, o santo das causas impossíveis, um pouco de coragem para falar com a moça, ela sorriu de volta pra ele e depois desviou o rosto em câmera lenta.
Foi aí que percebeu, que depois de um longo e tenebroso inverno de pouco mais de dois anos, o seu coração pulava de novo. Sem que ele tivesse nem ao menos um nome, uma voz ou telefone para celebrar. Seu poder de se iludir estava de volta, com um cheiro de fruta e um sorriso despretencioso em pleno metrô paulista. Pensou até em descer do trem atrás dela só para perguntar seu nome e o por que daquele cheiro. Só percebeu que tinha chegado na estação dele, e não na dela, quando teve que sair correndo antes das portas se fecharem. Ainda deu tempo de trocar mais um sorriso com ela quando o trem ia embora. Nem todo milagre é completo, ele pensou. Mas essa mulher sem nome, mas com sardas e cheiro, ele não esquece nunca mais. Nunca mais.

sábado, maio 29, 2010

Eu sou assim

Por André Debevc

Se tentar mandar em mim, a única coisa que vai conseguir é que eu vá embora.

quarta-feira, maio 12, 2010

Somos

Por André Debevc


Eu não sou advogado. Não sou concursado nem tenho estabilidade e dois meses de férias por ano. Não sou herdeiro. Não tenho sobrenome famoso, não sou afilhado de rico e nem fui beneficiado por ter amigos em lugares estratégicos que garantissem a minha fortuna. Não sou galã, não aplico na bolsa, não falo sete línguas nem sou o feliz proprietário de um loft no Soho. Eu até me exercito, finjo que corro, mas não tenho fortunas aplicadas, livros publicados ou roteiros filmados. Não sou livre de todos os meus fantasmas. Não li todos os livros que queria, não visitei todos os lugares que preciso e nem faço sempre todas as perguntas que devo. Muitas vezes eu não tenho resposta, saída ou solução para qualquer dilema. Nenhum mesmo. Tenho sim alguns talentos específicos e talvez publicamente inúteis. Tenho mais quilos e menos reservas do que queria. Não tenho a altura e nem o todo o poder de persuasão que gostaria. Beijei mais mulheres desnecessárias e menos indispensáveis do que poderia. E tem dia que acordo sem a menor noção do que fazer depois. Eu sou um cara em construção. Com meus erros, acertos e decisões passadas. Eu sou um pouco diferente do que sempre pensei que fosse ser. Mas não somos todos?

sexta-feira, março 12, 2010

Melhor meio que todo

Por André Debevc

Ainda com os olhos cerrados e colados pelas lentes de contato secas, encarou o laranja do dia de primavera nascendo no horizonte à sua direita, onde em alguma época da sua vida vivia o East River. Ainda cheirando a feromônios e látex, pegava o rumo de casa depois de uma noite de muita saliva e pouco sono. Ajeitando a gola do casaco pensou calado, fitando o vento ainda frio da manhã de Gotham City (ou seria Metrópolis? não me lembro): melhor ter um lado canalha do que ser canalha por inteiro.

sábado, fevereiro 27, 2010

ah...as idéias...

Por André Debevc

Idéias são sempre sensacionais. O problema é que são totalmente inconsequentes.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Momento "Favorite Photo Meme"


















Fui convidado pela www.marialembrancinha.blogspot.com a participar do "Favorite Photo Meme", um movimento mundial onde blogueiros(as) de todo mundo expõe suas fotos preferidas pra que todos possam ver e saber o porque da escolha.

Sei que este é um espaço de crônicas e textos, mas dependendo da repercussão, pode aos pouquinhos, de vez em quando quem sabe, virar um cantinho de imagens que não foram feitas pra morar em gavetas, já que este que vos escreve é um nostálgico irremediável, desses dados a clicar momentos na tentativa de congelá-los no tempo.

Minha foto escolhida, do comecinho de tudo, antes de qualquer lembrancinha representa um quebra-cabeças, um enigma. Que tento desvendar todos os dias. A mulher sempre a ser decifrada, o amor (a amada) que tem seus lados certos e até, claro que tem, seus lados errados. O braço, as pernas, o vestido, a proximidade. A vida em vários pedaços que só existem juntos, vistos de muito perto, dia após dia.

Espero que gostem. E comentem!

A parte final, e não menos interessante desse movimento é que cada blog que publica sua foto preferida tem que convidar outros blogs a participarem.

Meus convidados:
- www.onomade.com
- www.tatibernardi.com.br

Beijos!

...quem escreve...

Por André Debevc

quem escreve tem mania de querer o que não pode, de espiar aquilo pra que não foi convidado, de escutar conversa de lado assim, de viver emprestado um pouco, de sonhar feito louco, de rimar o que não foi nunca nem conjugado. dizem que quem escreve é meio louco. mas que pra escrever, não pode viver amarrado.

Cuidado Fiado

Por André Debevc

eu
tô devendo
pra
tu, ele, nós, vós e eles.

desculpas tenhos muitas.
razões, um punhado.
e não é que falte carinho
ou que eu tenha me tornado
um descuidado.

o tempo
é que andando tem voado.
e dele tenho sentido falta
um enorme bocado.

eu me apego

Por André Debevc

eu me apego. às minhas coisas, aos conhecidos de vista que dão bom dia sorrindo, a camisetas velhas e puídas, a lembranças amareladas e inesquecidas, aos novos amigos, aos caminhos de todo dia, ao travesseiro da minha cama, ao cheiro que diz que tô em casa, à mulher que diz que me ama, a mandar beijo pros velhos amigos, aos costumes que são quase mania, a cantoria no meio da tarde, a necessidade de fazer elogios e dizer a verdade. não feito filhote de labrador chocolate que abana a cauda, mas eu me apego. aos carros que tive que vender, aos sonhos que tive que arquivar, aos beijos que puder dar, ao brilho nos olhos que não quero perder, a roupas nas quais não consigo mais entrar. sim, é verdade, eu me apego. à vontade de saber mais de alguém, de contar uma travessura, de dar risada, de andar descalço no meio da rua, de ter segredos com um só cúmplice, de ainda poder ser um pouco doidinho, a ter saudades de todos a quem tenho carinho, de ligar só pra dizer nada um pouquinho. eu me apego.

sexta-feira, janeiro 15, 2010

Constatação

Por André Debevc

A mulher da calcinha de algodão estava certa: depois dos 30 ninguém se apaixona. No máximo sente tesão.