terça-feira, maio 29, 2007

Palavras reféns e beijos também

Por André Debevc

do outro lado da sala ela só precisa de um sorriso
para sequestrar todas as minhas palavras

aí desvio os olhos
engulo seco
finjo entregar minha atenção a qualquer outra coisa
na tentativa de resgatar um pouco da razão
que caiu no chão junto com o coração
segundos antes

e conto até dez
quando consigo lembrar dos números,
e respiro fundo retribuindo o sorriso
escondendo toda minha sinceridade
por trás da minha simpatia inofensiva

e aí do outro lado da sala ela ajeita o cabelo
e me olha assim de lado
e dá de novo, quase em camera lenta, um só sorriso
e eu que já nem tinha achado as minhas palavras
passo a não pensar em mais nada,
só em beijos que acho que nunca vou poder dar

terça-feira, maio 22, 2007

Estranho Isso

Por André Debevc

Estranho isso de sentir saudade da noite ainda não dormida. Da viagem que nunca foi feita. Do jogo nunca visto. Do milésimo beijo que nunca foi dado. Das mãos se achando no escuro do filme não assistido. Da discussão nunca tida. Do presente jamais recebido. Estranho isso de sentir falta da declaração de amor que nunca foi feita. De um dia perceber o coração batendo mais rápido. Do olhar de cumplicidade ainda sem data pra nascer. Da ligação nunca discada. Da entrega total e feliz de corpo e alma. Estranho isso de estranhar o silêncio online. Os dedos hesitantes no teclado e a bocas que se procuraram tão menos no último encontro. Chato mesmo é isso: de sentir saudade de você e da idéia de tudo que poderíamos ter sido.

terça-feira, maio 15, 2007

Uma vida sem troféus (em 150 toques)

Por André Debevc
Desejava-a intensamente como tudo. Menos troféu. Tivesse uma noite – e não a eternidade - usaria a casa toda com ela. Tirando a estante, claro.

quarta-feira, maio 09, 2007

Meias sílabas perdidas

Por André Debevc

Meias sílabas ricocheteiam pelo quarto ainda zonzas procurando suas respectivas metades sem saber que horas do dia já são. Ensaios de fachos de uma luz difusa, onde a poeira dança sem pagar ingresso pelo show, invadem o ambiente pela persiana esquecida pelos anos. Talvez seja o sol, pode ser que seja apenas o neon de alguma espelunca qualquer aí em frente, mas quem se importa. Almas vestidas de suor e tesão convocam todos os sentidos pra melhor das batalhas: a que se dorme, acorda e se enrosca no inimigo. Uma dança carnal onde só descansamos recuperando o ar quando quem vence, às vezes, é o cansaço. Maratona de pernas, saliva, horas e dois vencedores. Você me engole sorrindo, me entrega todos os lábios arquejos e penugens que já pensou ter. Testa a resistência das suas pernas, nossa elasticidade, a minha força. E continuamos sem desperdício ou reticência. Um ritmo desritmado, alterando tudo pra que não percamos nada. O calor dos seus beijos, a alegria mais do que morna que escorre pelas suas pernas. Nossos cheiros e sucos inundando o colchão surrado sobre a cama que range e bate todos os pés, morrendo de inveja das paredes, móveis e dos nossos improvisos. Estamos em todos os lugares, de todos os jeitos. Seus dentes no meu ombro, minha língua passeando milhões de vezes pelos seus peitos. Olhos que se cruzam, sorrisos quase sem ar que se reconhecem e se revelam em milímetros de segundo de distância. Mais beijos, mais línguas. Ah, quantas línguas. Fico louco quando você me mordisca a orelha e te agarro pelos cabelos ali pouco acima da nuca. Quero mais é beber desse seu suor ofegante. E entre espásmos e ordens você até tenta me render umas duas ou três sílabas, mas tudo que espoca da sua boca são letras soltas, agarradas umas nas outras, fundidas num só som ininteligível. O ar que você expulsa, sua meia tentativa de pausa olhos fechados e o seu ventre vibrando em quase contrações. Me aperta forte, vai. Me aperta. Fecho os olhos pra poder ir mais fundo, agora já não tem volta. Pede mais, pede. Me dá a mesma ordem mil vezes sem uma palavra. Vamos juntos. Me aperta mão, me arranha as costas, me trava dentro de você até o fim. Agora explode, arqueja, perde a noção de tudo por bem mais que o espaço de milhões de hífens. Morde os lábios. Respira. Sorri. Respira um pouco mais. Fecha os olhos. Me abraça e, ao invés de outra meia sílaba órfã de metade, me diz que ainda é só o começo.

Quarto Amarelo

Por André Debevc

no teu quarto amarelo
tuas coxas perfeitas
querem me deixar vermelho,
mas roxo de desejo
nada vejo quando te puxo
te trago te beijo desviando fácil
o último pano que te cobre

e é quando você se abre
me aperta me sobe,
recebe e consome

e no teu quarto amarelo,
você arfante eu mais que quente,
nos cravamos os dentes entre espásmos
e você de repente aperta o laço
que me dá com as coxas
jogando meus sentidos pra longe,
pra onde sua calcinha branca
deita molhada e torta
desde o seu primeiro sorriso
quando entrei mal intencionado e duro
por aquela porta que nem nos incomodamos em fechar.

quinta-feira, maio 03, 2007

Inocência zero

Por André Debevc

Finjo bem na minha cordialidade mansa, de cumprimentos sem maiores contatos, mas com você eu não tenho um pensamento puro. Nem um pra contar história e fingir que sou esse cara bonzinho que algumas línguas nem tão más assim queriam espalhar por aí, só pra acabar de vez com minha reputação. Zero. Nada. É só você atravessar meu caminho sorrindo com a boca, ou com os olhos, que partimos para uma dimensão onde todo mundo some e só sobramos nós. Nós e cada vez menos roupa - que só não some por completo pra podermos ter o que puxar e agarrar frenéticos entre amassos e segundos educados com alguma pretensão de hesitação, logo esquecida, quando a temperatura sobe pra valer. Nesta nossa dimensão não existe nada nem ninguém que nos impeça de qualquer coisa. Te beijo, você me morde. Te derreto na boca e você só pede mais. Rasgamos a noite e atravessamos o dia feito dois animais. Frações de segundo na tarde que cai. Carne e química. Cheiro e pólvora. Inconsequência e impossibilidade. Curvas pêlos cheiros e fluídos proibidos aqui na terra de agora que se encontram e reagem incandescentes quando a gente se encontra quando te vejo passar. Imagino seu outro lado que nesse mundo ninguém conhece. Desvendo a força das suas coxas, o calor de seus contornos e a embriaguez de seus lábios. Rendo minhas orelhas pros seus sussurros, ordens e mordidas.
Com você eu não tenho nenhum pensamento puro. E de algum jeito quando nossos olhos se cruzam, sei que você sabe disso há muito tempo.

quarta-feira, maio 02, 2007

O que vem depois

Por André Debevc

Ele gosta de banheiros grandes e lugares de pé direito alto. Sujeito tranquilo, costuma dizer que luas cheias e noites sem nuvens dão vontade de uivar e lamber uns pescoços e peitos por aí. O jeito que ela o beija quando bebe e o time do Fluminense o tiram do sério, só de que maneiras completamente diferentes. E tem dias, em que gosta de pensar nele mesmo como o espaço que respira entre parênteses – cheio de coisas que se pensam mas não se dizem em voz alta. Beijos, queijos, vinhos e amassos. Bom mesmo é fugir quando a tarde cai, entre gargalhadas e dados, amigos distraídos. Aumentar o calor no quarto, suar no frio. Voltar com a alma lavada, o corpo suado e a cara deslavada de quem ficou nu e sapeca, pelado enchendo a cara do cheiro e das interjeições dela. E morreu pra nascer de novo, alegre na goteira aberta no telhado que cobre penugens claras, beijos curtos de quase adeus e sorrisos longos. Mas ele gosta mesmo é de beijos longos, tirar um ronco na rede depois do almoço, fotos pra lembrar que foi feliz; e de um dia pra guardar pra sempre. Até porque, no seu otimismo quase restaurado, o pra sempre - assim como o futuro – ainda vem por aí.

Erro do Passado (em apenas 150 toques)

Por André Debevc

O amor por ela era tão grande que a primeira coisa a que renunciou foi ele mesmo. Cúmplice, ela não fez menos: assim que viu, abriu mão dele também.