quinta-feira, dezembro 07, 2006

Brilho eterno de um peito vazio

Por André Debevc
Quem veio te apagar da minha mente esqueceu de se livrar do meu sorriso vendo suas calcinhas coloridas, você correndo pelo corredor de casa quase pelada, sua boca aberta quando você dorme voltando pra casa depois do motel. Esqueceram de apagar os lenços de papel que você largou pelo carro e pela minha vida, os seus esmaltes anti-alérgicos e suas calças 38. Deixaram pelos cantos as marcas dos seus pés sempre descalços, no vidro do carro que nem existe mais, seu sutiã de mil alças jogado no canto do quarto e o jeito sapeca que você ajeitava os peitos pra eles sempre parecerem maiores. Quem veio te apagar da minha vida foi embora e parece ter deixado aqui como eu adorava você me pedindo pra coçar sua virilha ou vindo correndo na minha direção na cozinha pra depois pular em cima de mim e me embrulhar com suas coxas. Quem quer que tenha vindo fazer o serviço de te arrancar de dentro mim não levou a imagem de você cortando pão com tesoura ou enchendo o copo com nescau demais pelas manhãs. Não levaram você esfregando os peitos na minha cara ou abrindo, moleca, a toalha só pra me mostrar o corpo lindo e molhado com seus pais na porta aberta logo ali ao lado. Deixaram em algum desses meus cantos a lembrança feliz de ver seu carro chegando e você me beijando antes da porta do elevador tentar fechar pela milésima vez a cada vez que eu ia embora. Esqueceram de deletar suas pernas grossas jogadas sobre mim numa noite de semana no sofá, que eu achava ser azul, enquanto víamos alguma série na televisão. Quem veio te tirar da minha alma não cortou você tentando ajeitar minhas cutículas numa noite de biscoito Bono ou pipoca de microondas. Quem quer que tenha vindo com a tarefa de tirar você da minha cabeça certamente esqueceu de apagar o encaixe dos nossos beijos e aquele cheirinho que você tem atrás da orelha que eu adorava tanto. Deixaram jogado por aqui também os seus pés brincando com os meus e me dando beliscões, o jeito que você gostava de me ver de óculos e me chamar de cabrito, e o sorriso que espocava nos seus olhos toda vez que você me falava de Bali ou do Macarrão. Esqueceram de levar do meu peito a cicatriz do seu joelho esquerdo e a da velha cirurgia de quando você ainda era pequena, a bagunça eterna do seu carro e a sua inacreditável memória pra letras de música. E quem foi que deixou aqui dentro o jeito lindo que você não consegue falar direito “world” e o barulhinho insistente que você fazia toda vez que a gente dormia em São Paulo? De uma maneira ou de outra, partiram e não deletaram a alegria de andar com você no shopping ou o jeito que você entorta os pés quando mexe nas roupas penduradas na loja antes de parar na frente do espelho fazendo mil caras. Pois é menina, deixaram você dizendo que a gente era um time, lendo bestsellers pra arrumar um jeito de ganhar dinheiro e me contando de Wicca. E olha que também não deram sumiço nos beijos perfeitos, nas risadas – a gente ria muito, lembra? - e no nosso jeito todo nosso de falar mal de alguém. Deixaram por aqui a diversão dos trezentos casamentos e a gente dancando NewYorkNewYork na ponte do Caiçaras numa cumplicidade e alegria que ninguém nunca viu. Não apagaram a nossa ida ao Garota da Urca com você dançando em cima do capô do bolinha, nem a noite que você bebeu demais no Baixo e só queria que eu te levasse dali e arrancasse sua roupa. Não tiraram daqui um monte de coisa. Seu jeito de me chantagear fazendo cara de gato de botas, as nossas noites em Búzios, no Leblon e Teresópolis ou na vez em que não fomos ao noivado da sua irmã porque você tava passando mal. Nós éramos ótimos juntos. Será que você lembra? Ai, canalhas que pediram alto para tirar você da minha cabeça... Não apagaram o quanto eu te amava e gostava de pegar engarrafamento com você depois de acordar ao seu lado, quase sempre atrasada pra faculdade. Ai, deus. Quem veio te apagar da minha mente fez mesmo foi um belo de um serviço de porco.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Saída pela direita

Por André Debevc

Sair dali. Juro que eu acordei pensando nisso. Quer dizer, quando comecei a pensar, foi isso que veio à minha cabeça. Até porque do jeito que fui acordado – chupado feito caroço de manga – não tinha mesmo muito como raciocinar. Essa coisa puramente carnal é bom quando você vai pra cama, nem sempre quando você abre os olhos no dia seguinte. Camisinha arremessada no lixo – lá se vão mais uns milhares de ganhadores do prêmio nobel, gosto de pensar – só faltava mesmo sair dali.

Sou muito bom em ficar ali abraçadinho pós-coito, mas como só mesmo minha analista sabe, tenho sérios problemas em ficar abraçado a quem não quero realmente abraçar. Ando meio arredio já há alguns anos e nem sei bem porque, mas isso é outra conversa. Marcando cerrado o relógio digital perto da foto dela mesma em algum lugar cliché da europa, faço o que posso antes de sorrir, respirar fundo, apertar a moça com um abraço de um braço só, e pular da cama com uma desculpa pra ir embora tão boa que quase eu acredito que tenha mesmo compromisso logo mais. Aí, sem mentir, digo que preciso ir já juntando os fragmentos da minha passagem por ali e dou um beijo de adeus com aquele ar de penúltimo.

Cabelo desgrenhado, sorriso reprisado pra mim mesmo no espelho do elevador, cumprimento o porteiro e ganho as ruas sem lembrar a última manhã em que eu não quis ir embora, a última vez em que torci pra estar chovendo e ser domingo, a última mulher que me fez querer esquecer do mundo e viver ali, me alimentando apenas dos beijos dela. Nossa, faz tanto tempo que às vezes acho que foi até invenção da minha cabeça, às vezes imprecisa e cínica. Não faz diferenca, quem sabe na próxima, né?

Belas manhãs de sol são ainda mais belas quando você já tá sem pressa, o dia ainda sem saber direito se é domingo ou terça-feira e você já está livre pra fazer o que quiser da vida, até mesmo ir pra casa e dormir numa cama maior e, principalmente, vazia.

Sorrindo pra gente que nunca vi, vou andando jurando um dia usar a mentira mais deslavada do mundo só pra ver se cola. Talvez um dia que vá comprar cigarros e nunca volte. Talvez um dia diga que tenho que voltar pra minha mulher só pra ver a cara da moça, se causo revolta ou tristeza, antes de cair na gargalhada e ficar mais um pouquinho pra mais uns beijos e quem sabe mais uma camisinha no lixo. Sexo de reconciliação não devia ser privilégio só de quem tem compromisso.

Passada alguma banca de jornal onde vejo as manchetes sem me espantar com a desgraça do país, cerro os olhos pra fugir de alguns dos raios de sol que me lembram como adoro esse astro amarelo. Será que eu devia ir pra praia? Enquanto tiro meu tempo pensando, chega uma mensagem de texto. É moça, sei que foi bom. Ótimo fica por sua conta. Sei que posso ser melhor que isso, talvez na próxima eu te deixe experimentar mais um pouquinho. E não me leve a mal, gosto de você e tudo mais, só que não achei que fosse preciso abrir toda minha caixinha de ferramentas ou surpresas pra esta noite. Pra não ser indelicado com tanta honestidade respondo só com uma carinha feliz.

Saber ir embora é uma arte. Vai que um dia quero voltar. Vai que um dia a idéia de ficar um pouco mexa com alguma coisa dentro de mim. Deixa pra lá, depois eu penso nisso. Depois eu me preocupo em te ver ou não. Depois, se lembrar, eu dou um jeito de deixar a porta aberta. Agora a única coisa que quero esquecer é que na porta que eu queria bater, nem adianta tentar.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Bela manhã de sol

Por André Debevc

Engraçado como a gente se engana com as pessoas. Uma bela manhã de sol, e pum. Ela ta fora da sua vida. Ela que você jurou amar pra sempre, logo ela que tinha te enchido de planos, apelidos e responsabilidades. Fazer o quê. Tudo que começa acaba, alguém te diz. A gente se engana. Ou muda de idéia, o que parece mais aceitável principalmente para quem não vai voltar atrás.

Aí se fecham as portas do elevador e você ganha as ruas, perde uns quilos, evita lugares, músicas, e comidas pra tentar não lembrar que você já não existe mais. Não naquele quarto, não naquele coração, não entre aquelas pernas, não em quaisquer planos. Assim. Adeus, saia da minha vida pra sempre por favor. Apenas seja cordial se nos encontrarmos sem querer num bar, numa noite, numa esquina, num outro equívoco da vida que nos coloque frente à frente.

E de uma hora pra outra, os bilhetes, as confissões em versos de fotos, os emails, as risadas, as histórias secretas da família, tudo, vira lembrança. Maldita manhã de sol. Lambança da vida, rua sem saída. Pare e volte porque aqui não tem mais pra onde ir. E tome coragem pra encaixotar tudo, queimar lembranças, dar aquela camiseta que lembra ela pro porteiro, jurar nunca mais pedir o número dois especial, e não ficar tenso toda vez que ver um maldito carrinho preto rasgando as ruas pra longe daquilo tudo.

A gente se engana mesmo com as pessoas, engraçado. Então você que era centro, é posto de lado e cai no esquecimento antes mesmo de poder cicatrizar. Sarcástico isso de um dia amar. Amar e esquecer. Amar e não pensar. Ter que usar o nome inteiro ao telefone para poder se identificar. Peraí. Não eram as suas coxas que eu chamava de casa? Não era a sua boca a que me achava até no escuro mais denso? Não importa mais. Mil noites depois, se me distraio muito é nisso que penso, mas não deixar mais me derrubar. O que existe hoje você nem conhece. Nem imagina que eu tinha decidido nunca mais beijar outra pessoa, só você, mas aí você tinha que estragar tudo…

Aí, olhando pra trás vejo que de você eu só herdei açaí, havaianas e aspargos. Nada mais. Nem um afago, nem um carinho que me autentica no seu passado. Impressão de um tempo de erro, um tempo melhor apagado, esquecido, anulado. E desse jeito vamos deixando tudo pra trás. Porque amar alguém é engraçado e pra algumas pessoas pode ser demais. É apostar sabendo que vai perder. É entrar com peito aberto na vida de alguém pra depois ser arrancado. Parto à forceps pra gente nascer de novo, página em branco, simplesmente zerado. Trágico só isso, de nascer com essa memória de vida passada. Lembrança de beijo, amasso gostoso, apelido guardado. Nada tangível. Aconteceu ou eu terei imaginado? Coleção de fantasmas a assombrar aqueles cantinhos da alma que são dados a fazer planos, promessas e principalmente besteiras. Já dizia Nelson Rodrigues: todo mundo já amou errado.

É que a gente acha que conhece alguém. Que sabe a importância que teve. Sonho em ser pra sempre o melhor em alguma coisa que só os dois poderiam pra sempre lembrar. Ai, ai…melhor parar por aqui. Caixinha de surpresas mesmo essa vida. Bela manhã que nada. Melhor apressar a página virada, afinal viramos o rosto pro que vivemos. Contamos meias verdades sem olhar nos olhos. Suspiramos fundo xingando deus e suas piadas em silêncio. Viver é colecionar o que esquecer. E esquecer um dia parece fácil, até que damos de cara com o porteiro em outra bela manhã de sol. Ele sorri e comenta futebol. Sem problema, se não tivesse usando a camisa que aquela cretina te deu milênios atrás.

terça-feira, setembro 19, 2006

Poeminha quase não comportado

Por André Debevc

deixa eu te tirar a roupa
te falar um monte de bobagens
deixa a gente rir das besteiras
se divertir com as mais inocentes sacanagens.

sem jogos promessas ou grandes sacadas
deixa a vida ir assim fácil
sem precisar ter resposta errada.
vamos lá,
bom é viver sem precisar ser exatamente nada.

vamos rir beijar sorrir
desmaiar suados, cansados e nus,
acordar enroscados
crus como o olhar mais sincero,
como aquele primeiro que te dei
meio ainda sem saber
bem o que sei, sinto ou quero.

só sei que agora estou vivo,
cheio de perguntas, improvisos
e um punhado de sorrisos em silêncio
guardados para quando você percebe tímida
o carinho dos meus olhos.

Sorriso Bobo

Por André Debevc

Com sua língua na boca
e seu peito nas mãos,
te beijo com o coração na garganta.
Te puxo,
me entrego, fecho os olhos
para encontrar seus lábios perfeitos,
bocas que pareciam se conhecer de outros tempos.
Contra a parede da boate escura
já nem sei o que toca
a não ser a sua pele quente e nossas mãos aflitas.
E abro os olhos pra sorrir
e jogar a cabeça pra trás
e mergulhar na sua boca
ainda sem acreditar direito,
que beijo, que cheiro, quê isso…
Aí esqueço tudo,
solto as rédeas parece que enlouqueço
e te puxo mais perto, te sinto ofegante, te encaixo.
Nós só existimos ali, naquele presente.
No próximo passo
essa realidade deliciosa se dissolve
e nós seremos passado,
nós seremos segredo,
beijo guardado pra sempre na memória da impossibilidade.
Seus olhos apertados me prendem, confessa brilham,
aí suspiro sorrio te agarro – te quero pra sempre -
sabendo que não te terei nunca.
Então vivo o momento,
deixo qualquer idéia de arrependimento pra depois.
Depois duvido, mas se precisar,
a gente se arrepende com um sorriso inegável na alma.
Calo a boca do que ela ia dizer
porque preciso mesmo é te beijar
e te abraço forte só pra ver se, de repente,
pelo menos ali, na loucura do momento a gente se funde em um.
Cúmplices num dos melhores e mais secretos beijos do universo.

Amanhã
no lugar da cicatriz do meu peito
vai amanhecer um sorriso bobo
e muito difícil de apagar.

sexta-feira, agosto 18, 2006

Boa noite

Por André Debevc

Agora me deito
suspirando saudade
do colo que ainda não sei.
Viro sorrindo no escuro
sorvendo seu cheiro
engolindo de longe
a vontade de tocar
tua pele branca
as pintas dos teus braços
os azuis dos teus olhos
o dourado do teu cabelo
e o sorriso
que ilumina toda essa distância
que nos rasga em dois.

Ah…
dormir aninhando você
nessa minha asa há tanto vazia…
ah…
acordar na madrugada
vendo você sorrir dormindo
o seu sono inocente.

Melhor sonhar,
fechar os olhos
e te chegar mais perto feito travesseiro,
melhor esperar teu beijo
e poder te chamar de novo de pretinha
só pra te fazer sorrir inteira.

A hora chega
o sono se anininha
e lembro que acordar amanhã
é estar mais perto de você.
Boa noite.

sexta-feira, julho 21, 2006

37211

com você eu brinco
de não tirar a roupa
esfrega
roça
ofega
respira
conta até trinta e sete mil duzentos e onze
pra não perder o controle
pra sempre

aí te beijo
lambo
sorvo
mordisco
com a respiração
e mãos alucinadas

ah
se eu pudesse
desvendar cada esboço de suspiro
ah
se eu pudesse
desbelotar cada hífen de interjeição
mas tuas pernas
me aprisionam mais e mais perto
a cada espasmo
e eu não consigo pensar em mais nada

quarta-feira, julho 12, 2006

Anjo Canhoto

Por André Debevc

Ela é um anjo canhoto
que caiu na minha vida
num resto de briga
de uma sexta-feira
com cheiro de chuva.
Do alto do seu metro e oitenta
ela me sorri com olhos sérios
e deixa solto o olhar mudo
com sede da minha boca.
Me chamando de lindo
ela brinca com palavras e me traz sorrisos
de um jeito que ninguém nunca fez.
E se, por um instante, lembro
que eu não sou lá muito fã de empunhar meus dentes por aí,
ela me joga as minhas próprias covinhas na cara
só pra me fazer ficar sem graça
antes de me abraçar gostoso
feito travesseiro.
Em sua radiante beleza,
ela é um anjo de longos negros cabelos lisos,
super model de um sorriso e alegria contagiantes.
Ela que não gosta de me ver triste nem em mensagem de texto,
sozinha, me fez mais surpresas
que mil mulheres de quem eu esperei demais
ganhando em mim algo novo, que nunca tinha estado lá.
Ela é um anjo,
que lá do alto insiste em me convencer
com beijos e sem joguinhos que existe amor por aí.

Se algum dia eu tiver de novo um coração,
que caia nas mãos carinhosas e quentes
de uma moça apaixonante como ela:
um anjo canhoto que nunca soube quem eu era
mas que me faz adorar tudo que posso ser.

sexta-feira, maio 05, 2006

Rotinas Rotinas

Tomo café da manhã num boteco movimentado
faço meu jantar numa loja de conveniência onde esbarro em velhos amigos.
Tenho uma barba insistente e cerrada
e um punhado de moedas do troco
que ainda não encontraram o furo dos meus jeans.
Ando sem muita pressa de chegar
dirijo como se fosse me atrasar
e encontro cúmplices de porres nas migalhas de rotinas desatentas.
O meu amor me deixou porque eu amava demais
meu carro adora deslizar nessa chuva
dou as costas pro que não me satisfaz
e não estou nem aí pra vocês.
Tanto faz se meu time perder
ou se uma daquelas meninas não ligar.
Meu motor de arranque tá de férias
a ex-musa liga carente

...eu sou o cara que não se apaixona.

INEVITÁVEL

Sei que vou morrer nos braços de uma mulher,
de peitos assim perfeitos como um drible intomável,
depois do mais incomparável dos meus beijos
ao fim de milênios cansados e incontados.
Mais de sete vidas terão se esgotado
e estarei eu largado na sílaba final de destino
com a boca quase aberta no peito direito perfeito de musa
e sua mão canhota perdida nos meus pêlos,
esquecendo as lágrimas que a escorrem sussurrantes
cheias do gosto enganando doce todo o sal que ela achava que tinha.
Só espero levar o tempero do seu corpo
assim astral e brilhante rasgando minha vida e meu céu
tão picante como mostarda nacho cheese e diamante,
no gozo que rima com todos os meus mais sinceros sorrisos...

Jornal Nacional

Quando eu morrer quero um bloco inteiro no Jornal Nacional,
um espaço obsceno no jornal da nação com meus versos empunhados como lágrimas
pelas viúvas da minha sensibilidade e canalhice.
Quero pisar fundo na imortalidade nas vozes de ninfetas apaixonadas
quero saber dos lenços brancos encharcados
e do luto voluntário estampado nas almas que amam.
Posso até pedir desculpas quando esbarrar no pesado abatimento dos apaixonados.
Quero aviões supersônicos rasgando os céus carregados
derramando pétalas negras antes da chuva radioativa
e um tom grave na confissão de qualquer segredo casual.
Quando eu morrer quero ser inesquecido pelos meus beijos
e incomparado pelos meus poeminhas que sempre só quiseram amar demais.
...talvez eu nunca tenha conseguido...

E as lágrimas do dragão?

...E as lágrimas do dragão, pra onde vão?
Onde é que vão parar os momentos que passam,
os segundos que fogem,
as palavras sussurradas, sufocadas, gritadas?
Onde é que vão os tempos que passam,
os sentimentos que existiam,
as coisas que aconteceram?
Aonde é que são guardados todos os momentos,
quem arquiva o que foi vivido e o que nem aconteceu?
Tudo que já se sentiu,
tudo que já se viveu,
tudo que já pensou acontecer,
pra onde as coisas todas vão?
O riso, o choro, o grito e a esperança, pra onde vão?
O silêncio, o pranto,
onde é que vai parar o que passa?
Será que o vento leva?
Será que a chuva carrega?
Será que a noite esconde?
Será que o dia evidencia?
Onde é o lixo universal?
Onde é o arquivo do que acontece e vai?
Existirá um tapete sobre tudo?
Onde DEUS esconde o que deixa de ser presente?
Mas os momentos que passam, onde se escondem?

...E as lágrimas do dragão, pra onde vão?

Seu pra sempre acabou antes do meu

Seu pra sempre acabou antes do meu,
na passeata de ilusões
a minha ficou perdida no meio de todo aquele passar de horas.
Dias que vão como a nossa vida desapercebida
em rotinas quase compassadas que também escorrem sem volta
como todo esse ar que acaba um dia óbvio e inútil nos cercando.
Depois,
depois ninguém sabe mas aí tudo serão lembranças inertes
congeladas num passado imperfeito
cúmplice da absoluta inexperiência muda que não se rende.
Fiquei com suas promessas nas mãos,
nos cantos invisíveis do coração,
moedas que não valem mais nada brilhando até no escuro.
Nem você pode fazer promessas
na sua falsa mínima imperfeição,
os relógios ainda têm que correr e nós nem nos sabemos ainda.

A rotina compassada tem espaço para melancolia sem folgas.
Seu pra sempre acabou antes do meu.

Viver é escolher o que esquecer

Viver é escolher o que esquecer,
viver é escolher o que não perder,
cada dia nasce um dia
todo dia traz conquistas, perdas escolhas, desilusão.
Escolher um controle, ilusão.
Controle é ilusão, amanhã é ilusão.
Não há muito que fazer, só viver e continuar,
viver e escolher.
Mas continuar,
continuar, só depois...

Fui a melhor coisa que aconteceu na vida de alguém

Fui a melhor coisa que aconteceu na vida de alguém.
Podem sorrir com o canto da boca,
nem ela tem certeza disso de verdade, se é que sabe.
A humanidade é inconsciente
as mulheres inconseqüentes
e alguns sentimentos às vezes são só inconvenientes.
Me chamem de presunçoso,
atesto minha prepotência porque conheço o amor,
atirem suas facas contra mim, abram fogo !
A morte pode ser melhor que sexo bem feito
mas ninguém tem certeza, nem ela me ilude mais; é mulher eu sei.
Carrego o amor como areia nos bolsos, estou vazio vazado
mas ainda sujo os dedos sempre
naquele cantinho que não dá pra revirar. Esquece!
Continuo sorrindo canalha, conheci a paixão seus idiotas!
Posso seguir indiferente a toda essa gente ignorante,
os momentos podem ter fugido apavorados na coleira Victor Hugo daquela musa
mas os sentimentos e lembranças estão mais que cravados na minha alma em crepúsculo.

Cada dia é uma promessa menos pedante que eu arrasado.
As noites às vezes só vêm para atestar a mentira nova,
e eu,...bem eu olho indiferente,
sem mexer o canto da boca.

-

você calada me pede um beijo
eu calado digo que desejo

você muda mergulha nos meus olhos
eu mudo pareço usar antolhos

você quieta diz me querer
eu quieto procuro esconder

você imóvel se joga em mim
eu imóvel te cerco assim

Programa de Milhagem

Você devia lançar um programa de milhagem para minha boca.
Cada vez que meus lábios te encontrassem
um bônus seria jogado na minha conta,
assim, acumulando pontos,
eu ganharia vantagens e descontos
nas vezes que precisasse tanto de você.
Toda vez que minha língua te provasse
ou minha boca te percorresse,
ganharíamos viagens incríveis aos nossos paraísos,
teríamos descontos no tempo entre um beijo e outro,
e freqüentaríamos rotinas de primeira classe.
Como membro único deste programa,
te daria em troca muito mais do que exclusividade
ou fama,
te daria um amor de verdade.

Sorrindo Sem os Dentes

Por André Debevc

Para início de conversa, virei o rosto, continuei andando sem dizer uma só palavra. Comecei assim pelo fim mas já conto a história, calma. Fiquei com a impressão de que o mais importate naquela noite tenha sido isso, de eu ter sorrido e virado a cara. Sorri sem mostrar um só dente, e segui com minha vida porque a consumação no bar não tinha chegado nem na metade ainda.

Voltando para casa, vasculho meu arquivo de canalhices e não consigo saber porque ela não queria mais ter contato comigo. Geralmente o fim de uma relação pega a estrada de afastameto, e cumprimentos esritamente necessários, depois que alguém pisa na bola. Eu não tinha pisado e estranhava tudo isso. Nunca achei que diálogos monossilábicos fossem ideais para nós, que num dia distante e galáxia muito distantes, trocamos carinhos e fluidos corporais.

Tudo bem que quando ela me comunicou o fim do relacionamento, e sua mudança para longe, eu acabei achando conforto e carinho nos lábios de algumas de suas conhecidas, mas ela já tinha deixado óbvio que não me queria. Se amigas queriam alegrar a vida e açucarar a minha rua da amargura, não seria eu que iria pará-las. Eu a quis de volta como um homem só quer uma mulher de volta em sua vida inteira – mas se não podia, só me restava colar meus cacos com cuspe...

Se eu tivesse colocado as fotos “sensuais” que tenho dela na Internet, ou coisa que o valha, tudo bem, mas nem isso eu fiz. Posso ter errado, como todo homem vivo, falível e imperfeito, mas nunca fiz nada que justificasse essa repulsa que ela tem de mim hoje. Sei que posso ser um canalha – já mereci até troféu por ter sido insensível, egoísta e algum outro defeito grave do qual não me lembro agora, com algumas mulheres sensacionais - mas não com ela. Fui bonzinho. Vai ver aí está a falha. Tem mulher que odeia isso.

Bom…sem trocadilhos, voltemos à vaca fria. Eu estava lá, bebendo com amigos, quando dou de cara com ela. Ela, que há poucos dias tinha me dito que preferia não ter contato, sentadinha de frente para mim. Juro que na hora, ouvi a gargalhada do destino, se mijando de rir. Minhas pernas pensaram em ficar bambas mas logo vi que aquele costume de deixar o peito disparar na presença dela, tinha caducado. Minha dignidade me pedia que eu sorrisse e virasse sem esboçar uma palavra. Simples.

Antes tivesse pulado o muro todas as vezes que tive chance quando estava com ela. Antes tivesse sido um canalha de dar inveja aos personagens de Nélson Rodrigues. Todo aquel bom-mocismo, para dar nisso. Oi e olhe lá. Dois estranhos sem passado. Se eu tivesse sido mau como fui com mulheres que nunca senti dentro do peito, teria sido melhor. Pelo menos saberia porque tudo que ela deseja de mim é distância. Mudei depois dela. Errei com mulheres a torto e à direito. Não deixei ninguém ter tanto acesso a mim como ela teve. Fiquei mais cínico, cortante.

Tem coisas que a gente não entende nunca. Vai ver, para mim, essa é uma dessas coisas mal resolvidas que incomodam sempre, feito o osso que um dia quebrei jogando bola. A gente tem que saber escolher o que deixar para trás. E às vezes só se dá conta que começou a aprender quando vê que não precisou engolir silêncio nenhum, e pode simplesmente sorrir. Sorrir sem mostrar um só dente. Sorrir – como diz o Veríssimo – só com a boca. Até porque se entendo alguma coisa de mulher isso quiz dizer que…motel nem pensar, né? E eu que pensei que tivesse deixado aquela porta aberta, pronta para um encontro assim, casual e descompromissado. Quanta ingenuidade.

Dia Internacional do Vício

Ai mulheres…eita viciozinho mais gostoso que um homem pode ter. Sempre com uma na cabeça. Melhor e mais caro (muito mais caro) que cigarro, mais embriagante que qualquer coisa que contenha álcool…mulheres! Até Dia Internacional elas têm, como se todos os dias não fossem elas a decidirem os rumos da humanidade. Ou você pensa que a não-convocação do Romário não tem o dedinho da mulher do técnico da seleção?

Morenas, baixas, loiras, fofinhas, gostosinhas, magrelas, com ou sem peito. Nuca de fora, ou cabelão. Tem mulher pra todos os gostos. Por isso vicia. E não importa aonde você vá, sempre tem uma mulherzinha lá pra mexer com sua atenção. Se ela faz ou não seu tipo, bem…isso pouco importa. Não existe uma mulher idêntica à outra, mas no fundo são todas a mesma coisa, a brincar com nossos sonhos, bagunçar nosso futuro e nos deixar completamente confusos.

Tem gente que não gosta de mulher com sotaque por exemplo. Eu, particularmente acho uma maravilha. Devo ter herdado isso do meu avô mineiro ou do meu pai gringo. Adoro mulher com sotaque. A doçura das mineiras, o dengo das baianas, a seriedade das paulistas, o charme das gaúchas…as mulheres brasileiras são mesmo as melhores do mundo, sem dúvida nenhuma. Basta morar fora pra descobrir que falta as brazucas fazem. A graça, o jeito de andar, de mexer, de sorrir e até o jeitinho de ser esnobe (e como brasileira sabe ser marrenta!!) são lindos.

Graças a Deus nasci homem pra ter a noção de como é bom ter (em todos os sentidos mesmo), e ser de uma mulher. Nada no mundo deve ter sido feita de forma tão perfeita para seduzir e cativar usando-se de tão pouco. Duvido aliás, que a fêmea de qualquer outra espécie possa ser tão diversa, tão complexa e cheia de pequenos detalhes como as mulheres.

Deus tava mesmo inspirado quando criou a mulher. Adão, o primeiro macho da História que o diga. Vale lembrar que Lilith não deu mole nenhum pra ele e deu no pé, obrigando o Criador a re-inventar a mulher, e re-escrever a história dando uma nova “primeira mulher” à sua primeira criatura. Pegava mal divulgar que seu ser tinha sido abandonado logo na primeira tentativa, pegava não? Pra vocês verem que TPM já atrapalhava muita coisa naquela época, ou vocês acham que Lilith era somente um pouquinho geniosa? Vai ver era 8 de março, deixa pra lá…

Mulher é bom de pôr na boca. Bom de ver, de sentir derreter, de se ter em volta do pescoço, de fazer emitir sons estranhos e quase ininteligíveis por causa dos nossos beijos, toques, sugestões e cheiros. Mulher quando é boa, é bom demais.

Poucos homens são capazes de descrever com exatidão o que mais amam nas mulheres. Uns dirão que é aquela curva onde o braço encontra o peito mas ainda não é peito. Outros dirão que é a nuca, ou o umbigo. Ainda hão de existir os que vão dizer que o bom mesmo da mulher é o conjunto perfeito de formas e graça. A vozinha rouca quando acorda, a parte de trás do braço ou do joelho… Homens aprendem mulheres em partes. Detalhes físicos ou trejeitos.

Mulher é bom quando é real. Mulher tem calor, umidade, cheiro, textura e gosto. Prato completo para todos os sentidos. Mas quando ela bate lá no fundo do peito, isto tudo aumenta mais ainda, e a sensação de sentir uma mulher se espalha como nunca.

Aprendi que ver uma mulher só pelos atributos físicos dela era feio. Pelo menos foi isso que tentaram me ensinar, que beleza não é tudo. Sei disso. Nunca me apaixonei por uma mulher linda aliás. Mas sempre descobri lindas as mulheres por quem me apaixonei. Muitas não chamariam atenção numa festa ou passariam sem serem incomodadas por aquela roda de chopp de machos recém-chegados do futebol loucos para falarem uma gracinha. Acho que sempre soube ver nas mulheres algo além da aparência, e todas têm algo especial. Personalidade e estilo contam também, sem falar que eu jamais conseguiria me ver com uma mulher burra ou submissa.

Sou da geração que não olha a mulher como pedaço de carne. Qualquer macho inteligente sabe que não existe nada de inferior numa mulher. Tenho amigas mulheres, a acho que acredito na amizade isenta de interesse (sexual) entre homens e mulheres. Posso admirá-las, aprender com elas sem que isso me faça menos macho. Posso até estar errado, mas faz parte.

Enfim, um dia pra comemorar. O oitavo dia de março é dedicado a vocês, a elas, que nos enfeitiçam e estragam. A elas que fazem da Terra um planetinha melhor com suas idéais, seu trabalho e sorrisos. De todos os erros que sempre irei cometer, um admito feliz da vida: sempre amarei as mulheres. Por mais que eu não encontre a minha, por mais que meu grande amor seja só uma lembrança do passado.

Minha mente de macho não esquece como ter uma mulher por inteiro (de corpo, alma e coração) é bom. Chegamos a viver um pro outro (ela e eu), um se alimentando do outro, da alegria, cumplicidade, paixão, tesão e necessidade de estarmos juntos. E ninguém sabe fazer isso melhor, ninguém sabe trazer à tona o que há de melhor num homem do que uma mulher apaixonada. Mulher é o melhor vício que um sujeito pode ter. Acaba com a gente, leva nosso dinheiro, nos deixa no buraco depois de nos levar ao paraíso, mas ainda está pra existir coisa melhor do que encontrar uma calcinha no chuveiro, um bando de cremes no armário do banheiro ou comidinhas dieta que um verdadeiro macho jamais teria na geladeira.

Minhas mulheres vivem todas aqui, na minha mente e peito. Cada uma tendo me ensinado um pouquinho de cada coisa. Umas tendo sido mais ou menos presentes que as outras. Sou grato a todas elas. Sou quase um filho delas todas. Fui amante, irmão, marido e amigo. Sempre serei um admirador. Parabéns pelo dia de vocês. O mundo tinha mesmo que parar para fazer reverência…

…mas será que tinha como dar um jeitinho de convocar o Romário?

Pintas São Armas

Por André Debevc

Acho que tem certas mulheres que nascem com aquelas pintinhas na alma. Sabe aquelas pequenas marquinhas, geralmente redondas como leves pingos de chocolate no sorvete de flocos? No cólo, nas saboneteiras, nas coxas...Pois é, o resto que me desculpe mas ter pintinhas é fundamental.

Não é preciso ser uma floresta de flocos para seduzir o mais sério dos homens. Apenas algumas inocentes pintas dessas podem desarmar o mais inconquistável dos seres. Não há seriedade que resista a encontrar uma pequena pintinha (sem cabelo, por favor!)desavisada no cantinho da boca ou em qualquer outra parte estratégica. Haja força para não se derramar ou ao menos comentar a existência da dita cuja que seduz e se coloca no imaginário de qualquer mortal.

Pelo que me lembre, não há uma só incauta da minha história que não traga no corpo as doces marcas embriagantes. Isso sem falar nas famosas beldades que ostentam tais gotículas como troféus, ou até mesmo ganhem a vida com elas, vejam a Cindy Crawford por exemplo. E a Luana Piovani com aquela fantástica pintinha pouco acima dos seios?

Lembro nitidamente de uma de minhas namoradas, talvez a que tenha mais prendido minha atenção e dedicação, no sentido literal mesmo. Tive o privilégio de contar todas suas pintinhas. Eram seis ao todo(falando em termos significativos). Começava pela pinta que parecia ser uma gotinha selvagem de chocolate, fugida da boca, e que seria o ponto médio certinho entre o lábio (carnudo e delicioso) inferior e o queixo. Ficava do lado esquerdo, meio que Cláudia Abreu, meio que Adriana Esteves, sei lá.

Deliciosa mesmo era a segunda pinta mais abaixo. Medindo no máximo uns três milímetros de diâmetro, postada maliciosamente no peito esquerdo de minha musa. Sempre ficava à vista nos decotes um pouco mais generosos. Que maravilha aquela pinta. Juro que ela, a pinta, sentia saudades minhas. Parecíamos ser conectados espiritualmente, ela e eu. Até hoje sonho com ela, lembro das vezes em que ela desfilava solene na sua beleza entorpecente para meus olhos, boca e dedos privilegiados. Bons tempos que não voltam mais. Acho ter recebido um telegrama de saudades dela noutro dia, mas não estava assinado. Esqueci de dar um nome de mulher para ela.

Assim como as estrelas, essas marcas deveriam ter um nome próprio, um bem único e intransferível como o amor de passado, que sempre tem razão. No caso da minha amada, suas pintas eram quase como pontos cardeais, por onde eu me orientava nas horas de prazer e descompromisso. Éramos só nós doze ali. Isso mesmo, nós doze(eu também tenho quatro pintas próprias), as minhas, as dela, eu e ela. Mas não acho que minhas pintas tenham sido tão relevantes nessas horas. Já as dela sempre foram.

Passam as moças, as pintas ficam. Meu imaginário parece até um sorvete de flocos, com peles nem sempre tão alvas povoadas, diferentemente, por saborosas pintas de chocolate. Eu amo em choc-chip! Ou seriam flocos? Sei que é só se saber que há pintas para desvendar que meus olhos se lançam para uma busca em câmera lenta pelas curvas, dobras e gestos da moça. Mas nem sempre encontro. Tive uma paixão platônica que tinha uma pinta no alto da testa, linda. Dia desses até sonhei com um rosto ainda meio indecifrado mas que trazia, vejam só, uma pintinha micra e linda bem no lábio. Nem acima nem abaixo dele, mas no lábio mesmo...

Sim, acredito que há moças com pintas na alma, só assim explico essa minha obsessão. Talvez aquele velho amor seja o culpado, mas mesmo antes as pintinhas me fascinavam.

Só Deus mesmo para pintar as moças com tamanha parcimônia e perfeição. Mesmo em horas a fio eu não conseguiria fazer trabalho tão sedutor. Cuidado senhores, elas estão cheias de armas para conquistar sua atenção, e uma delas é a colocação aleatória e feliz de pintas que desnorteiam e acabam com qualquer pretensão de domínio nosso. Seria bênção ou feitiço de doces bruxas?

Por isso, quando minha namorada dizia que a pinta estava com saudades de mim, ou então quando ameaçava esconder as pintas numa cruel greve, por isso eu entregava quaisquer pontos. Eu, nunca saberia viver sem as minhas estrelas chocolate, referência em qualquer universo.

A Hora Mais Escura

Por André Debevc

Quando frio chega, até os dias encolhem. O ponteiro do relógio pulou recuou uma hora duas meia-noites atrás. A luz do dia que já se esvaía mais cedo se deixou intimidar de vez. Os dias hibernam na mais longa das horas. O breu, as luzes laranjas, o passo mais apertado na saída do trabalho, tudo assume um ar mais gelado, com as invisíveis barreiras de frio e egoísmo se fechando violentas no mais espesso de todos os silêncios.

Essa hora a menos no dia se prolonga na distância de um outro mundo paralelo onde alguns de meus velhos amigos e sentimentos ainda passeia. Fico ainda mais longe deles, a sincronia se cala e permite um erro, desacerto vacilante até no temperatura das vozes esporádicas do outro lado da linha. Viver opostos não é mais somente uma metáfora de uma alma mais dramática ou sensível, é a mais crua realidade. Nem mais as verdades andam nuas por esta cidade. O frio seco do coração da multidão racha lábios e petrifica planos que só podem mesmo esperar pela época onde os casacos voltarão a habitar cabides e lembranças.

Agora tudo ganha um outro ritmo, tudo meio que se rende às hordas de casacos pretos e gorros que dita o inevitável peso extra da rotina. Como que mais que o corpo tivesse se defendendo da hostilidade e impessoalidade dos caminhos, das obrigações sem um pingo de calor a não ser o do filete de suor que se esboça quando o metrô infernal finge, e mal, ser agradável.

Quando o vento bate cerrando os olhos, quando as mãos se apertam xingando as luvas esquecidas uma parte de mim suspira os engarrafamentos intermináveis no calor da Rua Jardim Botânico, mas sei que continuo odiando as mesmas coisas. O que muda é a nova variedade de gostos e ódios, de pessoas e caminhos. Escolhidos ou renunciados, nunca largados ou incrivelmente deixados para trás…

As pernas de fora, as camisetas são lembrança, soterradas para muito nas camadas mais espessas das horas mais longas. Os minutos arrastados, os dias eternos, a noitinha precoce. Encontro calor nas conversas de bar, com refugiados como eu, temporários ou não, visitando em conversa o meu Suvaco de Cristo, episódios de riso em algum lugar das Minas Gerais, ou até as tardes de lerdeza e calor tentando achar vaga para estacionar o carro no caminho da praia de Ipanema.

Nesses momentos, de descontração e alegria, as horas parecem mais longas em calma e até conforto. A casa não está no lugar, mas sim nas pessoas que abreviam o frio com um sotaque tão carioca quanto o próximo Fla x Flu. Para todos nós o abraço de oi e tchau é um abraço longo de saudade.

quinta-feira, maio 04, 2006

Rotina fácil

Se quisera apenas te comer
Já morreria satisfeito:
Cabeça dilacerada entre suas coxas,
Cumprindo uma sina de macho esquartejado.
Mas não, não me basta saber o seu gosto,
Quero mais quero estabelecer um posto
De alegria e constância no seu prazer.
De gafanhoto nada tenho,
Nem zangão, minha rainha,
Tenho apenas o desejo de te amar demais.
Escrever uma estória começa com dois personagens
E uma escolha. Queria ser a sua.
Prêsa entre as pernas,
Nas inconstâncias da sua boca sussurrante,
Um meio caminho entre a eternidade
E uma rotina aparentemente fácil.

Troco

Ela era uma moça cheia de estórias e saídas
Tatuada pelos cantos de uma vida que ainda demora por acabar…
Eu era um estranho,
Passando meus olhos vagamente pelo rebanho na tentativa de ainda não
Me apaixonar.
Vidas que cruzam por acaso num terral diferente de Ipanema.
Agora a vida até que vale a pena,
Desejando seu beijo num próximo desvio.
As noites é que sempre parecem mais curtas nesse eterno meio-fio de vidas alheias
Co-habitabado um mesmo asfalto.
Quem rodou fui eu,
Mãos ao alto para entregar meu peito,
Minhas ilusões e covardia.
Quisera eu ter prometido mais que devia,
Pelo menos me safava com o troco da volta pra casa.

Herói às avessas

Sou um herói às avessas,
lutando sempre pelos motivos errados.
Morro pelo amor que não merece,
sangro pela pessoa que nunca reconhece,
me ponho em xeque pelas mais absurdas perguntas.
Decididamente, um herói do contra…

Clamo meu amor pela mocinha que não me sabe,
viajo léguas e horas para saborear o abandono,
exponho meu peito à deriva,
entrego minha estima ao primeiro bandido.
Espero quem não vem,
choro por quem não olha para trás.
Me apaixono pela mulher que não me assume,
vago vadio e largado vazio de qualquer alegria.

Nesta noite (nem nunca),
salvarei alguém do perigo,
ajudarei velhinha alguma a atravessar a rua.
Sou um herói às avessas
E minhas intervenções só orgulham a minha ruína.

Amar é covardia.

Nem lhe pergunto se queres e trago
Uma imensidão de ilusões.
Crio,
Espero,
Sofro um universo que você nem sabe.
Decifro todo gesto seu com infinito significado.
Sou barrado às portas do meu castelo de areia
Já que nada que eu trago nas prateleiras da alma
Passa pela sua fiscalização.
Nada encontra sua hora,
Marcada há milênios em minha emoção.

Imponho verdades,
Autorizo ansiedades
Remarco insanidades
Em cada vão minuto criado à sua espera.

Coloco em suas mãos tudo que tenho:
tempo, atenção, amor
Sem nunca perguntar se te cabem esses detalhes.

Te amo com tudo,
Sem vacilos sem hora nem desculpas.
Você nunca pediu tanto,
Você não sabe o que fazer com tão pouco
E decretamos o desespero.

Não dá para voltar atrás,
O passado é uma inquebrável estátua muda
Sem qualquer esboço a não ser o de deboche.
Todos os poemas de amor se tornam um presente incarregável.

Amar alguém é covardia.

2203

Você vasculha sua velha caixas de fotografias
e esbarra em mim, sorrindo dentes afiados de entrega
na película quase desbotada de tão velha.
Um segundo um pouco mais comprido sangra o tempo
com um suspiro seu de resignação. A vida nos rasgou em dois.
Sua vida não foi nem de longe uma coleção de coreografias perfeitas.
Na intenção de começar a juntar suas memórias
você se dá conta do quanto não nos sabemos mais.
Seus filhos, netos e cães já não dançam mais à sua volta
seu marido cansou de te trair
e agora baba no sofá uma estória de amor acabada.
O que você deixou a vida fazer com você?
Eu, errei muito. Vivi de errar,
saí por aí errando com todas as mulheres
por todos os caminhos.
Nunca achei nelas nada de você, meu último amor,
o amor que nunca soube o quanto eu a amava.
Patentiei meu cinismo,
formatei minha molecagem eterna e peguei a primeira reta,
desencontrei atalhos, fingi prometer amor sem ter nenhum pra dar
e fiquei podre de rico vendendo ilusões e riso on-line.
Aonde terão ido todas aquelas noites intensas de amor?
Em que gaveta terá você guardado
todo aquele seu carinho manso apaixonado por mim?
Uma lágrima comprida despenca de seus olhos silenciosamente afogados
Como na vez em que você embarcava pra longe levando meu coração no La Guardia.
Agora,
não adianta nada. O ano é 2203…longe de nós em todas as maneiras.
Você dançou por aí,
ganhou a vida e os palcos até seu joelho soluçar não poder mais.
Eu, morri, secretamente te esperando,
com os olhos debruçados na noite
cercado de mulheres erradas,
com um tigre tatuado no braço e um pingüim cravado no peito.

Parar de querer

Fomos separados muito antes de nascer.
Seu beijo só me veio para mostrar
o quanto posso gostar de querer.
Cumplicidade na verdade veio só me ver,
inocente e entregue ao amor.
Quem sabe eu fosse um experimento de dor,
testado ao extremo para me devolver
o instinto da saudade.
Pois a realidade é que meu peito
está sepultado no seu cimento
cinza e ciumento
por nunca mais saber tua boca,
e mais que isso,
nunca mais saber seus olhos.

Te perdi quando seus olhos pararam de me querer.

O Beijo

O beijo
não é um ato.

Nunca foi.

O beijo
é um lugar.

Revisitado;
mas nunca revisto
ou sentido.

Gravidade

Se até a gravidade,
inimiga feroz da tua silhueta,
age no teu peito,
porque eu também não posso?
Lágrimas e palavras falharam
na tentativa de provar minha verdade.
Sua alma só sorri amarela
para minha presença que se retorce muda
em espasmos de tristeza e impotência.
Sou eu,
fantasma de nossa ausência
conjugando verbo passado,
morto como Latim.
Às vezes uma referência
falsamente inocente alucina a realidade,
mas somos silêncio e incapacidade
quando meus olhos e palavras
cedem lugar a gravidade
na tentativa de agir no seu peito.

O Último Beijo, abre os olhos.

Por André Debevc

Depois de ser a única criatura no mundo que ainda queria mas não tinha visto o filme italiano “O Último Beijo”, eu, cidadão carioca, abri mão da praia e fui – junto com uma enorme população de idosas – assistir a sessão de 13:40 em pleno domingo de sol e relativo calor no Rio.

Adorei o filme, mas me senti acertado em cheio – feito o coiote nos desenhos, acertado pela bigorna. Qualquer homem teria se identificado com cada um daqueles sujeitos quase trintões e inconsequentes. Vi a imaturidade deles, e como as mulheres encaram a idade que têm com muito mais responsabilidade e pés no chão do que nós. Como somos meninos! Sempre tentando fugir, sempre querendo a emoção na veia, sempre chateados com a normalidade, com a rotina inevitável e simples.

Carlo - personagem principal acordou a tempo, mesmo tendo chegado ao ponto de trair a mãe da sua futura filha. Caiu de quarto pela irresistível ninfeta. Homem nenhum conseguiria ficar impassível frente aquela loira eternamente sem sutiã. Carlo, sucumbiu. E depois desistiu. Correu de volta para seu amor, optou por quem conhecia sem maquiagem, de TPM, já com os efeitos do tempo e gravidade. Sua Giulia o deu uma nova chance. A omissão da verdade inteira colaborou…Giulia perguntou o que tinha acontecido antes dele sair de casa, e não perguntou o que aconteceu depois. Todos os homens adorariam ter a briga para usar de alibi, de motivo. Carlo a teve, teve uma noite de “solteiro” para viver, expulso de casa temporariamente para sempre. Se tem uma lição a aprender até estes ponto no filme, é (do distorcido ponto de vista masculino) que se você vai mentir, envolva o menor número de pessoas nisso.

Todos os homens do mundo estão no filme...do casado que não aguenta mais o choro do filho e a esposa que virou só mãe, do sujeito apaixonado pela ex que não quer seguir os passos do pai, do mulherengo que dorme com todas para não estar com nenhuma, e do futuro pai que entra em pânico e cai nos peitos da ninfa loira por medo de estar entrando em algo para sempre, com a mesma mulher, boca, corpo, para sempre...

Talvez eu já tenha sido um pouco de cada um deles em algum momento. Já dormi com uma mulher para esquecer outra. Já entrei em pânico e acabei relações por medo de sofrer, por medo de ficar pior. Já quis me alistar na Legião Estrangeira para esquecer uma namorada que amei muito. E também me revoltei como um menino por não ser mais a única distração e fonte de alegria de um amor. Já fui todos eles, de um jeito ou de outro. Vai ver que é o processo de qualquer homem, vai ver só assim a gente cresce. Perdendo, errando. Não podendo voltar atrás e consertar o erro com quem erramos.

Uma frase ou duas, ditas no filme, ficaram com mais força na minha mente. Não sei exatamente como transcrevê-las, mas era algo meio assim, de que “A normalidade é que era o grande desafio” e que o há de errado com algo simples, comum, rotineiro? Juro que assim, de cabeça, não sei. Acho que nada, mas sei na prática que a rotina é complicada. Se acostumar, saber tudo de uma pessoa é maravilhoso. Saber como ela vai reagir a tal pergunta. Saber que cara ela vai fazer em certa situação…essas pequenas conquistas são maravilhosas. Não sou um homem que tem medo de intimidade e apelidos. Mas, como os personagens do filme, preciso lembrar que não sou mais um adolescente, e que não devo esperar nem emoções nem paixões adolescentes. Mereço pensar com mais maturidade.

O cinema era longe de casa, e eu não consegui voltar pra casa. Precisava pensar. Mastigar o filme, esmiuçar o que ele quis dizer pra mim. Não disse uma só palavra por horas. Pensei em ligar para minha última namorada, que tinha me indicado o filme há séculos, mas hesitei. E você sabe, a pior coisa que um homem pode fazer é hesitar. Fiquei quieto, vendo como me identifico, como existe muito de mim em cada um daqueles personagens. - ou muito deles em mim. Seja lá o que for mais definitivo.

É um momento, uma idade muito difícil. Alguns de nossos amigos casaram, outros estão na gandaia. Uns tiveram filhos, outros se separaram, e alguns nem trabalham ainda. Chegar aos trinta é quase que um meio de algum caminho. Será que eu me tornei o superheroi que pensei que fosse ser? Será que não estou nem perto do que sonhava? Será que eu estou mesmo pronto para a vida?

Todos nós, precisamos nos apropriar dessa consciência de que não somos mais adolescentes, de que precisamos crescer e aprender a lidar com essa normalidade. De que ter um amor sem reações extremas - sem febres, quebradeiras, brigas homéricas, viagens inesperadas, sexo no chão da cozinha e em banheiros de avião, pode ser até bom. Só que ninguém consegue viver bem numa montanha russa. Nem toda calcinha dela vai ser sedutora. Nem todo dia você vai sair do trabalho louco para beijá-la.

Quem sabe lembrando disso, um dia sossegamos, sem a ansiedade de que sempre seja melhor. Todos temos beijos que nunca esquecemos. Principalmente quando você o vê de olhos muito bem abertos.

Exausto (Ninguém)

Por André Debevc

Além das frases habituais que pontuam toda manhã, hoje mais um verão chegou ao fim me trazendo algo muito além do “bom dia” seco e o sorriso sem maiores intenções dado aos vizinhos no elevador. A frase, do contista Caio Fernando Abreu, me abateu antes mesmo que eu decolasse para a vida dessa sexta-feira parcialmente encoberta. Retrato de um espírito cansado, de alguém que certamente quis amar demais, ele disparou: "Estou exausto de construir e demolir fantasias, não quero me encantar com mais ninguém".

Quanta verdade numa frase. Quanta desilusão numa confissão, que imagino tenha sido até despretenciosa. Desabafo. Cansaço, exaustão. Construir ilusões é muito bom. Ruim é quando passamos a fazê-lo repetidamente, colocando nossas fantasias nas mãos de pessoas diferentes porque nada durou e nosso peito foi estilhaçado. Trágica a idéia de que alguém pudesse nos salvar de nós mesmos, como se nosso amor só existisse se fosse para alguém. Demolir fantasias dói, dá a luz à fantasmas e mágoas, deixa um gosto esquisito e metálico no peito. Seco, triste. As rotinas que vêm com a sensação de uma eterna ausência. Logo para você que se acostumou com um beijo, logo para você que sabia poder esperar um sorriso.

Não sei mais quantos de nós querem essas mulheres que dão (em todos os sentidos) e sempre passam. A afobação joga sempre uma nuvem traiçoeira sobre nossas melhores intenções. As mulheres que não entenderam nosso amor demais, as incautas que nunca nos deixaram ficar. Estou cansado. Exaurido de dar nome e rosto para meu desejo, cansado de dizer para o coração que quem sabe dessa vez vai. E não ir.

Também não quero mais me encantar com ninguém. Não quero esperar que entendam a simplicidade que quero. Alguém para não fazer joguinhos, alguém que queira estar comigo e eu com ela. Essa combinação é difícil. Nélson Rodrigues dizia que era um deslavado milagre alguém conseguir viver um amor, pois nada garantia que alguém que amássemos vivesse na mesma cidade e nem mesmo na mesma época que a gente. Ficamos então aqui nos desencontrando. Demolindo fantasias e vendo aquela pessoa que um dia olhamos fundo nos olhos, que um dia adoramos ter visto dormir, ir embora. E às vezes nem ir para tão longe assim, mas parar nos braços ou nas graças de outro bem perto de você.

Na cabeça de quem fica, de quem tem que desconstruir a ilusão, o outro caso (começado mesmo que seja só na paranóia dela mesmo) é sempre um caso perfeito. Noites perdidas. Pesadelo. Fica a sensação de que quem foi guardou o melhor dela pra quem veio depois. Que fomos nada, porque hoje somos nada. Apenas algo a ser arquivado, ou nem isso.

Talvez eu não queira mais me encantar com ninguém. Pode ser que lá no fundo exista uma eterna vontade de se encantar – vício de quem vive - mas que seja se encantar por alguém que valha a pena, que entenda, que esteja no mesmo momento. Por agora, que fique decretado que não quero me encantar com ninguém. Melhor assim. Deixemos a construção de uma fantasia para quando a última não for nem mais uma lembrança. Continuarei demolindo todas as minhas ilusões, resquícios de mulheres com todos os nomes. As que deram e passaram (e algumas mostram que só servem pra isso mesmo), e as que nem precisaram dar e ficaram.

Tristemente, eu não sei me entregar aos poucos. Ou me jogo de cabeça ou apenas administro a vantagem, com carinho e cuidado, tocando a bola pro lado sem estragar corações. Minha sina é amar demais, já dizia Claufe Rodrigues. Não sei amar pouco, não sei ir devagar com minhas ilusões. Me afobo, erro, abro a guarda (quem não joga entenderia, e não se aproveitaria disso nem usaria isso contra mim – mas usam). Era assim pelo menos que eu era quando me encantava. Até ontem. Mas só que dói demais isso de deixar sonhos para trás. Dói demais não ver o que se pensou futuro nunca acontecer. O planeta dos ressentidos nunca foi tão populoso. Caio Fernando estava certo, e meu coração não tem resistência para isso. Eu não suporto mais. Por isso, não quero mais me encantar, pelo menos não com as mulheres erradas, e hoje, todas parecem ser assim.

Play it again, Sam…

Por André Debevc

Você é do tipo de pessoa que consegue ser arrasada por uma música? Pois é eu sou, ou melhor, pensei que tivesse deixado de ser. Sabe como é…vacinado contra essas coisas pelas amarguras do tempo, do amor, quer dizer, da ausência dele. Pelo menos digo, da ausência de sua reciprocidade temporal.

Mas, voltando ao assunto. Fazia anos que uma música não “acabava comigo”. Sério. A mesmíssima canção que abreviou meu sorriso, que estacionou cimento na minha garganta seca, a mesma música instalou nostalgia na minha inocente noite de quinta-feira.

Sei que não vai dar para imaginar, mas quem conhece a musica sabe: “Tu, tu, rurun, tummm…” e a invasão de silêncio se decretou veloz e completa. Meus sentidos calaram, ou ainda, viajaram anos na minha existência. Cada um dos vários pêlos de meu surrado corpo se levantou como que batendo continência ao, uma vez, hino de amor e paixão inseparáveis como a moeda soldada, alguém diria para sempre, no cimento ou asfalto inerte dos caminhos comuns.

E eu me achava vacinado contra isso. Até uma das fitas exiladas em meu carro abriga essa canção, o que não a faz incomum. Mas não, só uma noite assim pode deflagrar melancolia.

Estaria ela, meu ex-amor, pensado furtivamente em mim? A gente gosta mesmo de se enganar inventando desculpas, construindo portas secretas no imaginário já morto e expugnado de inocência. Ai, amores…

Ao invés de calar, e deixar a música me tomar, saltei ante as balas da memória. E como que suprimindo as imagens e cheiros que me cercavam, eu cantei. Não cantei quase calado ressentindo a ausência. Cantei alto mostrando possuir aquela musica. Cumplicidade e complacência.

Quando o “tu, tu, rurun, tummm…” final se entregou, pude olhar pro céu, praguejar e me render ao futuro, tempo incerto, traiçoeiro como os peitos que ainda batem.

Só uma pergunta me encara de vez em quando, querendo saber qual efeito, ocasional como o meu de hoje, qual efeito tenta assaltar o outro coração que um dia também viveu por essa melodia. A resposta úmida e reticente das estrelas da noite ainda ecoa.

Até onde uma música e só uma música? Até onde um puto vai aleatoriamente esboçar um soluço quando o ar se esvai melancólico? Se a palavra e nostalgia, por que essa humilhante e passada cumplicidade?

Tenho saudades, não dela e de outros tempos. Tenho saudade da inocência do meu coração, da angústia mareada quando o telefone demorava a tocar, e não por saber que o amor saiu para comprar cigarros sem ao menos fumar. Sinto falta de outra dimensão onde a musica intimava um beijo, encerrava discussão. E onde a mão, correndo desavisada pela minha coxa num carro engarrafado, só queria dizer “estou aqui, ainda te amo…”.

Talvez, mesmo antes de existir, de meu amor raiar e minguar, essa música fosse e só servisse ao seu título e propósito. Wish You Were Here. Ainda a vejo me puxando para um beijo.

Amor foi feito para dar, não pra levar embora. Play it again, Sam…

A vida que se leva, nos leva muito longe.

Por André Debevc

Fazia anos que não se encontravam, o acaso não sabe favorecer uma coincidência. Apenas as lembranças de uns tempos em que flertavam docemente apareciam nos momentos de paz e nostalgia. Tão poucos momentos juntos, e como aparece num dos prefácios de um dos livros dele: “...apenas um lamento de não ter podido amar um pouco mais”. O ponto de tangência onde suas vidas se encontraram parecia ser único, e isso o afligia silenciosamente.

Que rumos distanciadores suas rotinas cismaram em tomar? Resposta muda, sem nem um franzir de testa. As tiras no jornal da nação traziam sem querer lembranças. Você me ama, Flecha? (Claro que sim, amaria muito, se você deixasse, Shirlei.)

Na cabeça dele, muita coisa seria para sempre dela. Uma propriedade sobre momentos e fatos singularizados numa expectativa que sempre pairava no ar, baixa e densa como a neblina de uma manhã de inverno. Será que aqueles poemas viraram pó? Será que ainda habitam um esconderijo secreto perto da cama? Nada teria mesmo resposta. O passado acaba sempre tendo razão, e o presente só finge não ser mais uma dúvida.

Não ficou uma foto, um guardanapo manchado de batom, só um trecho escrito a mão falando de um beijo. A letra delicada se restringe ao poema, ou sei lá o que seja. Não há uma assinatura, nem uma declaração do quanto o coração dela acelerava quando ele chegava com um papelzinho dobrado na mão. As intenções estão nas entrelinhas, suaves como a pele branca de quem transcreveu.

As imagens, apesar de tudo, estão em câmera lenta e quase sem som na lembrança dele. Cores só em algumas cenas. Um gole seco de saudade em todas. ...O vento alucinado de uma pré-tempestade no Centro... A lua cheia que tanto cobiçavam como cenário nunca coincidiu com a cumplicidade que nascia ali. Os beijos deliciosos não saíam de sua cabeça. Na portaria, na rua, com gosto de saquê, com gosto de ainda ser pouco. Agora nada restava a se fazer a não ser tentar não lembrar. Um suspiro fundo sempre corta resignado qualquer momento de abatimento.

Haveria uma próxima vez? Existiria algum momento em que pudessem flertar de novo com a travessura de adolescentes? Nem o vento de um fim de tarde poderia responder... Os dedos longos dela se perdiam em outros carinhos enquanto os dele teimavam em surrar teclas de um computador quase cúmplice, mas totalmente alheio à tudo aquilo que ele pensara poder existir um dia entre os dois.

Até hoje, quando o nome dela ricocheteia no ambiente, ele esboça um sorriso, e reserva uns segundos para viajar de volta nos velozes dias onde se beijavam com ansiedade. Mas o tempo passou, eles não se esbarram, e o destino nem acena com uma possibilidade de carinho a mais. No mais, a vida segue, mas ele ainda tem o cheiro dela tatuando sua alma. Graças a Deus. Será?

A árdua vida de um macho

Por André Debevc

Na porta do próprio apartamento, ela se despede dizendo que o prazer foi todo dela. Sorrio cínico dizendo que também adorei a noite. Adoro minha capacidade de mentir nessas horas. São quase oito da manhã de uma sexta-feira. Faz sol lá fora. Gosto disso. Nem precisei inventar uma boa desculpa para ir embora logo, depois de acordar com uma loira desconhecida nos braços. Dura tarefa de ser macho...

Quando ganho as ruas ainda vazias, olho para o céu perguntando a Deus porque uma noite boa dessas tinha que ser com alguém que não me dizia absolutamente nada. Não há resposta. Em algum lugar deste planetinha confuso, a mulher que pensei estar amando segue com sua vida sem lembrar de mim. A única coisa saudável a fazer era esquece-la. Eu já tinha até decicido curtir essa fossa, ficar mal por umas horas pensando no que poderia ter sido, mas o telefonema de um comparsa não me deixaria ficar na toca todo nostálgico e meloso.

Um homem de verdade sabe que tem que chorar suas perdas. Essa tinha sido uma grande. De qualquer jeito, a noite de quinta-feira tinha começado e uma amiga de uma amiga estava perdida num bar cheia de más intenções. O dever chamava...e lá se ia o sossego do macho.

Precisei ser persuadido a sair de casa, mas a insistência do comparsa demonstrava um desespero amigo. Mais do que ajuda para atacar o grupo de amigas, ele via ali uma chance para que eu afogasse as mágoas em álcool gratuito e um colo potencialmente lascivo.

Fui recebido com duas taças de vinho branco. Uma para cada mão desocupada, me disseram. Gosto mesmo é de cerveja – como todo bom macho – mas não ia deixar o vinho de lado, por mais de graça que fosse. Logo fui introduzido à loira com sorriso de cristal. Normalmente ela não teria sido minha primeira escolha, mas seus atrativos e sotaque logo trataram de tentar me seduzir. Falei umas besteiras habituais, sem fazer muita força para agradar, afinal de contas, meu peito ainda sangrava uma emoção de verdade pela mulher que não me soube. Copos de uísque, garrafas e taças mais tarde, eu rumava para casa. A dela como mencionei antes.

Preferia assim. Sempre é mais fácil ir embora que do que expulsar alguém numa situação destas. Menos trabalho, mais possibilidades de simplesmente ir embora sem olhar para trás, como as mulheres são mestras em fazer. Enfim, acabamos lá. Ela, eu e o que restava da noite.

Fiz o que tinha que fazer e um pouco mais, com minha habitual classe e dedicação – diferente de como tinha sido com a mulher que eu amava, com quem eu travei, fui quase burocrático. E depois de terminado, eu fiquei. Já era tarde, e arranjar um táxi naquela parte de Manhattan àquela hora seria bem difícil. Não precisava ir, então fiquei. Mais de trinta quarteirões até minha casa. Não sou burro. Já era outono em Nova York.

Acordei com uns beijos matinais dos quais até já tinha esquecido o gosto. Só estou com a pessoa errada, pensei. Sexo pela manhã sempre é bom. Melhor mesmo matar a última camisinha. Pensado e feito. Olhei o relógio e sorri sem mexer a boca. Já poderia sair dali a qualquer momento sem precisar parecer que estava fugindo com uma desculpa esfarrapada.

Tinha que, pelo menos, passar em casa para trocar de roupa antes de ir para o trabalho. Posso demorar o tempo que quiser no meu chuveiro, pensei. Vou pra casa.

Às vezes, você tem que cometer um erro para ter a certeza de que – antes – você estava certo. Naquela noite, eu saí de casa para errar. Pelos motivos mais errados do mundo eu me diverti. Vingança inútil. Diversão vazia. Fui o melhor que pude ser, dei um show simplesmente por tristeza. O coração de um macho é mesmo um terreno traiçoeiro. Minha pseudo-amada já tinha pendurado seus quadros nas paredes do meu peito e, mesmo assim, eu me jogava nas coxas da primeira mulher que aparecia para tentar esquece-la. Sei de mulher que fazem pior...

Passei o dia todo meio que ainda cheirando a sexo. Minha fisionomia denunciava as poucas horas de descanso e minha fama de galanteador rendeu tapinhas nas costas e comentários picantes de amigos de trabalho, colegas de happy hour. Na minha mente, ainda a pergunta da manhã: por que essa noite não foi com que deveria ter sido?

Ao contrário do que tinha feito por toda a vida, eu tinha que olhar para frente. Mesmo com o peito doído, com a alma moída, com o desejo me arrastando para que me disse para nunca mais lhe mandar flores. Todo machão é, no fundo, um sentimental. O que varia é nosso grau de cinismo.

Mulheres eventualmente chamam isso de canalhice. Alguns de nós conseguem ter uma amplitude grande neste quesito. É um dom que temos que saber domar e usar. Macho que é macho tem um coração gigante, no fundo feito de manteiga e cheio de intenções românticas.

Cuidado só para não destruir um, parindo mais um canalha. Viver é escolher o que deixar para trás.

quarta-feira, abril 12, 2006

A Mulher de Vinte e Blau

Por André Debevc

Mesmo segura de quem é, ela é uma daquelas mulheres capazes de ainda ruborizar quando dá de cara com um elogio sincero. Bem vestida e sucedida, anda leve e fita furtivamente com o canto dos olhos quem sabe que a olha. Não sai de casa sem sua leve timidez, quase traço de personalidade desenhado, só pra dar mais charme à sua elegante discrição. Periga ter pelo menos mais de uma grande história de amor guardada no passado – já namorou de engravatado a largadinho - e não se deixa levar apenas pelo que brilha, é novo ou colorido. A mulher de 20 e blau não precisa mais disso. Deslumbramento pra ela já saiu de moda.

No seu andar doce quase distraído, já passou da fase de precisar se achar linda. Passou até daquele tempo afobado em que toda menina precisa que o universo todo a achasse linda. Hoje, sabe que é. Sabe que é muito mais que isso e só dá seus segundos a quem sabe olhar e reconhecer seus detalhes. Faz tempo que aprendeu a cultivar suas próprias opiniões e gostos. Chorou suas perdas, ajudou a escrever suas lendas e salpicar cada uma de suas pequenas sardas. Sabe que pinta nasceu depois de que verão e quantos sorrisos foram necessários para sacramentar aquele início de ruga. Ela não esquece que tem horas na vida que só resta mesmo é engolir seco, e que romantismo já foi menos escasso no seu coração. Mulher de 20 e blau é mais pé no chão. É mulher que reclama do corpo só para não fugir da regra, mas que no fundo não o trocaria por nada porque sabe ali seus anos de cumplicidade e alegria.

Essa mulher é a que se arrepia inteira com o toque certo, com apenas um ou dois jeitos muito certinhos de ser segurada. Conhecedora de seus limites e segredos, sabe dirigir sutilmente pelo seu corpo, cheiros e interjeições quem escolhe para saboreá-la. Prazer, aliás, agora restrito apenas a quem conquista muito mais que seus sorrisos e beijos numa noite. Mais racional que antes, diz para as amigas que já nem espera tanto ainda do amor, mas certamente acredita nele. A mulher de vinte e blau não fica mais esperando pelo príncipe, mas se cuida como princesa porque sabe que merece ser uma. Direta e assertiva, tem uma velha famosa foto em preto-e-branco como sua favorita e cantarola uma música com mais de 10 anos de idade quando se distrai.

A mulher de vinte e blau pode ter vinte e tantos ou trinta e poucos - pouco importam os anos de idade. É uma mulher que olha no espelho com mais consciência e leveza. Ainda não cansou de praguejar contra as leis do tempo e da gravidade, mas já consegue até achar bonitinho algum detalhe na imperfeição de seu corpo que os homens acham lindo. Ela sabe de seu corpo. Sabe vivê-lo, estranhá-lo e fazê-lo gozar. A moça de vinte e blau é tão assim, que cativa até a segurança quando passa. É nela que começa aquela história, real, de que por trás de todo grande homem, existe uma grande mulher. É ela inclusive que faz o homem ser grande. Sua serenidade, tesão e cumplicidade transformam qualquer garoto, por mais eternos moleques que sejamos.

Nenhum homem tem uma mulher de vinte e blau. Ela é que tem a gente. Com mais sapatos e menos biquínis que anos antes, com mais filmes favoritos fora do circuito e menos amigos em portas de boate. A mulher de vinte e blau desceu do palco e foi para o mundo. Aprendeu a fazer melhor as suas escolhas e mesmo atolada de responsabilidades ainda esconde em algum lugar um riso ou olhar secreto de menina. Mesmo que seja só pra ela mesma, olhando orgulhosa e cínica para a própria bunda numa calcinha velha quando passa em frente ao espelho na manhã de sol de um domingo.

A mulher de vinte e blau, com seus cds, livros, neuras, histórias e filtros solares não é uma conquista a ser feita. A mulher de vinte e blau é uma mulher a ser merecida. E, com sorte e algum talento, mantida.

27 de Fevereiro

Foi uma tarde dessas onde a chuva parece poder chegar a qualquer momento. A penúltima tarde de fevereiro de um dos melhores anos da minha vida me mostrou mais do que todo o amor que eu sentia por ela e ela por mim. Estávamos juntos há algum tempo, desfrutávamos do descompromisso da juventude. Aprendi naquela tarde, naquele quarto, que nem existe mais, a propriedade talvez mais específica do corpo de uma mulher. Aprendi, que uma mulher pode, e sempre que puder deve, derreter na boca.

As intermináveis manhãs onde ela matava aulas de francês ficavam molecas para trás como quem apenas esqueceu a lancheira em casa. As explorações de seu corpo, meu templo, avançavam à medida que minuciosamente eu insistia em conhecer cada célula de quem me soterrava com tanta alegria e carinho. Quem sabe os beijos servissem como ponto de referência entre palavras e suspiros soltos no ar. Confissões, pedidos, desabafos que até hoje devem estar ecoando em alguma parte feliz do universo.

A velocidade que nossos corpos pediam para estarem sós, sem qualquer roupa ou desculpa era impressionante. E lá ficávamos nós, rolando numa cama estreita demais para o nosso amor, descobrindo um ao outro, mas essa é outra estória. Volto àquela tarde de fevereiro da qual acho, nunca saí.

O tapete verde, o sofá de palha, o espelho varando o teto. Mal sabíamos que aquele cenário nos abrigaria algumas outras vezes. Vinho e pão de queijo viriam a ser nossos cúmplices nessas ocasiões. Eu, sempre esquecendo de levar um saca-rolhas. Ela, sempre linda e lasciva. Copos, só os de geleia e requeijão mesmo, mas a gente não estava nem aí pra isso: estávamos os dois ali, o mundo que acabasse.

Os intermináveis beijos completamente molhados, as mãos, as bocas, os cheiros ainda me assombram às vezes em sonhos e delírios de perfeição. Ali, eu só existia para ela, só existia para que ela explodisse, me abraçasse, beijasse resfolegante. Conhecendo todo seu corpo, eu não tinha pressa, o resto do universo só lembrava que existia nos cliques da caixa que comanda os sinais daquela esquina da zona sul. Nossos sinais já não precisavam ser comandados, só reagiam buscando fundir dois corpos, duas almas naquelas horas em que passamos apresentando nossos corpos à intimidade mais profunda que pode haver entre um casal.

Minha boca e quase obscena língua percorriam a encarnação de todos os meus mais secretos desejos rastreando cada milímetro de sua existência. Não me preocupei em escolher rotas nem repetir caminhos. Gastaria toda minha vida ali no exercício de levá-la ao céu. Talvez tenha sido isso que eu tenha feito.

Nossa juventude, nossas maiores alegrias, nosso prazer ali, restrito àquele quarto, ao nosso espaço. Depois que minha boca, abandonou temporariamente a sua, ela se permitia sons indescritíveis de surpresa e gozo. Quando eu vinha à tona retomar meu fôlego, antes que suas pernas me puxassem de volta já morrendo de saudade, eu ainda conseguia ver seus olhos apertados sem acreditar naquilo tudo. Por vezes ela me puxava, achava que já tivera o bastante, pedia um delicioso arrego, mas eu a olhava nos olhos quase embriagados de felicidade e fazia que não, mexendo a cabeça, cinicamente pedindo um silêncio que sinceramente nunca quis ouvir e que nunca veio.

Nessa tarde, vi que o corpo humano, o corpo dela é mesmo composto de água e resto. Bebi toda essa água, deliciei toda aquela vida, a nossa vida, nossa união, celebrada em espasmos, beijos e palavras incompletas. Completa a tarde, encerrado o eterno laço de pernas, corpos e almas, ficamos ainda perdidos, voltando à órbita de vocês mortais por mais algum tempo. Tínhamos criado ali um planeta, um universo exclusivo em pleno Jardim Botânico, num dos cômodos que me viu crescer.

Nem tentamos fazer diferente, mas ainda demoramos a voltar à realidade. O lanche regado a pão de queijo e família na casa dos meus avós não conseguiu inibir o mais largo de nossos sorrisos até então. Aquela sensação demorou a sossegar. Nossas mãos andavam mais coladas que nunca pelas ruas. Nossos beijos demoravam mais do que nunca pelos bares. Esfregávamos nosso amor na cara dos outros sem a menor vergonha. Era delicioso…

Pode ser que, em algum lugar secreto dentro dela, ela ainda guarde toda aquela cumplicidade. Duvido. Tivemos outras grandes manhãs, tardes e noites de amor, mas aquelazinha do final de fevereiro ficou pra sempre em nós. Foi uma aula de linguagem corporal, de um entendimento nem tão silencioso que nos perpetuaria na história da humanidade.

Mais do que nosso amor, mais do que sexo, a química, a pólvora que sempre nos acompanhou se mostrava real, séria e eterna (como toda ilusão parece ser). Aprendi muito sobre mulheres com aquele amor. Fiquei mal acostumado, com a melhor delas, fazer o quê? Acho que aperfeiçoei minha paixão por elas em minhas andanças, pequenas e grandes mortes. Morrerei para sempre um dia, quase certo de nunca ter podido dividir isso com ela de novo. Mostrar meus novos truques, sabe? Mas jamais esquecerei que naquela tarde tivemos tudo, fomos tudo. Aquela única tarde que acabou há milênios. A tarde onde aprendi que o corpo de uma mulher pode derreter na minha boca e pode se entregar aos céus em minhas mãos.

Mais Nada

Por André Debevc

Tem dias que eu acho que essa vida já deu.
Olhando na carne os amores que tive,
sentindo ainda no peito as mulheres que nunca esqueci,
ou abraçando na memória os amigos e o que vivi,
tem dias que eu acho que essa minha breve vida já deu.

Fosse eu medieval, teria morrido bem mais novo.
Espada cravada no peito,
ingenuidade e ignorância de quem se vai
defendendo até o fim um amor prometido a um outro qualquer.

Mais uns séculos,
e lá estaria eu, duelando.
Frente à frente com meu rival de armas mal escolhidas,
defendendo a honra e o amor idealizado em poesia.
Feneceria eu ainda jovem,
o peito dilacerado por uma bala
e não por uma mulher que escolheu outro caminho.

Já em outra época ainda mais recente,
morreria também jovem, combatente.
Foto em sépia rastejando trincheiras,
cartas da amada perto do coração,
saudade virando lápide em terras estrangeiras.
Um amor que viveria só para contar história.

Acontece que vivo agora nessa época inglória...
Se morre de tiro, desastre, idade e solidão,
se vive bem mais do que foi feito para agüentar um coração.
E quando o peito ecoa doído
acordando no conforto desassistido da madrugada,
penso sozinho no lugar onde dormia a minha amada:
tem dias que acho que essa vida já deu,
tem horas que eu não espero mais nada.

Paixão de mulherzinha

Por André Debevc

Foi lendo uma crônica de uma amiga minha semana passada que confirmei o que por um tempo já vinha suspeitando: quando o assunto é relacionamento, sou quase uma mulherzinha. Pelo menos na visão dela, que diz basicamente, que quem gosta de amor é homem, que mulher gosta mesmo é de paixão. Até acho que conseguiria, algum dia, dar um beijinho carinhoso na mulher, colocar o pijamão e ligar a TV com uma felicidade sincera, como os homens da crônica da Aline. Só que, me identifiquei muito mais com suas mulheres, que precisam de frio na barriga, de adrenalina e impulso.

Nunca fui muito de calmaria, acho insosso. Medíocre, sinônimo de mediano, pra mim é ruim. Gosto da sedução, que seja eterna. Da adrenalina. De ser pego pelo colarinho e agarrado por cima da mesa do bar com ela me pedindo para que eu leve pra cama ou coisa parecida imediatamente. Quero a paixão na sua saudável inconstância, que alimenta, instiga, atiça. Nela que me olha de um jeito que só ela sabe olhar e me derrete do outro lado de uma sala lotada. Nela que faz pequenas surpresas, deixa bilhetes, que resolve comemorar com maravilhoso sexo matinal só porque é terça-feira.

Nunca consegui me apaixonar, nem muito nem pouco, por uma mulher que na cama não fosse lá grandes coisas – ou melhor, pra não agregar valor ou avaliações subjetivas de desempenho ao assunto - que não tivesse química e pólvora comigo. Não que eu seja o supra sumo do sexo, mas é o tipo da coisa que eu não consigo viver com se for mais ou menos ou apenas legal. Tá bom, até concordo que já fiz mais força para que cada transa fosse inesquecível, mas se for parar pra pensar, as minhas transas inesquecíveis são aquelas onde a paixão estava ali, mesmo que fosse pra ir embora um ou dois dias depois. Tinham ao menos momentos de paixão, de urgência, como na última vez memorável, num banheiro depois do casamento do meu primo.

Vivo para estar apaixonado, embora tenha esquecido o que é isso. Tive relacionamentos legais com pessoas fantásticas. Namoros e casos que me tornaram um homem melhor, mas paixão mesmo, de praticamente abanar o rabo, faz tempo que não sinto.

Fato é, que a paixão está em extinção. Cada vez menos se vê casais apaixonados sentadinhos num banco na orla ou se beijando e atrapalhando o fluxo dos passantes num shopping. Vai ver tem algo com a cobrança. Com a nova mulher. Com o mundo que espera que “homens maduros” sejam sinceramente felizes num pijamão em frente à TV depois dum beijinho carinhoso, quase fraterno na mulher. Exigem que deixemos de ser moleques. Talvez porque a paixão seja coisa de adolescente, e não só de mulher. E pode ser que o amor seja mesmo uma conquista da maturidade. Eu não sei (acho que não cheguei lá ainda). Só sei que em algum lugar deve existir uma mulher por quem eu vou saber me apaixonar todos os dias, tendo o peito pulsando forte feito adolescente. Até porque já aconteceu uma vez, numa galáxia muito muito distante, há tanto tempo atrás que até virou lenda.

E quando isso acontecer de novo, com toda minha afobação, vou dizer pra quem quiser ouvir que isso sim, é amor. Até porque só tem uma coisa com a qual posso me contentar de ter assim, ali ao meu alcance todos os dias da minha vida: a paixão. Porque se pra gostar de paixão é preciso ser mulher, quero pelo menos ser a mulher mais feliz do mundo.

Bandeira Dois

André Debevc

Ela adormece enquanto o taxi
rasga as ruas numeradas de Manhattan.
Todo nosso existir esta alí
guiado por um imigrante indiano.
Penso em como nossas vidas se desencontraram…
e mesmo assim o cheiro dela continua o mesmo.
Sua mão não se desprende da minha
nem quando o meu peito
surrado e agasalhado vira travesseiro. Ela me abraça.
Dorme como sempre,
um anjo de amor e dedos longos.
A irregularidade do asfalto faz o carro,
a vida pular,
e ela ensaia acordar,
mas digo que ainda falta e ela se aninha.
A brisa fria da noite leva a história,
lenda urbana entre tantas outras,
um amor escurracado.
Aquele quase silêncio do taxi
se intala em meu peito; marco um.
Ela nem sabe o quanto eu a amo,
comendo meu cheesecake,
mangando do meu inglês enferrujado
ou querendo todas as besteiras de Chinatown.
A vida passa,
e pego de novo o taxi 5K99.

Aquele amor não volta nunca.
Já é outra bandeirada.

Falando em 2046

Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e agora Amor Eterno. Sim, depois de assistir ao filme “2046 – Segredos do amor” fui obrigado a adicionar este último à lista das coisas que não existem. Visualmente instigante, intenso e repleto de referências cinematográficas sensacionais, 2046 põe em cheque a crença de que possa existir realmente algum amor que não acabe.

Todos temos uma lembrança que dói de vez em quando feito osso quebrado quando vai mudar o tempo. Passar bem, sua filha da puta. Não me procure nunca mais. Preferia não ter te conhecido. Quem já não ouviu ou disse, mesmo em silêncio, frases assim? Quem não achou que depois de uma desilusão jamais deixaria de ser uma metralhadora de ressentimentos? 2046 nos mostra que o amor e a dor do seu fim, como tudo na vida, também passa. A gente é que nunca mais é o mesmo. Passamos a ter um segredo pra guardar pra sempre, subir numa montanha, achar uma árvore, fazer um buraco, contar e selar com barro.

O amor de hoje, como nos mostra o diretor Wong Kar Wai, foi feito para parar de durar. É o cultivo da intensidade contra a coisa eterna. Começo, meio e fim acelerados e menos memoráveis. Depois sobra muito pouco. Um encontro inesperado, silêncios carregados de hesitação. Se o presente é incômodo, embarcamos rumo ao lugar onde nada muda nunca, embarcamos rumo a 2046.

O único amor que vale a pena é o amor impossível. O resto é passageiro. É coisa que dá - o trocadilho é por sua conta - e passa. E depois começa de novo. Sofrer, ser infeliz por amor é dar valor demais a algo que deixou de ter sentido. Sinais desses tempos fragmentários – na tela não se vê uma pessoa enquadrada inteira – eco dessa impossibilidade de plenitude. Então na inviabilidade do amor, nos viciamos em paixão. Como a trilha sonora que quer se repetir, repetir. A música que volta ao princípio – tentativa de ficar sempre com o gosto de começo de relação. A narrativa descontinuada como a de Godard, as idas e vindas, como no amor. Onde é que a gente estava mesmo? Onde é que vamos parar?

A película chinesa constata o amor lírico e dolorido, podendo ser eterno enquanto dura sim, o que não significa que não haja dor no fim. Que o diga o personagem principal, o escritor Sr. Chow, que aprende logo no início que amar não nos obriga a sermos amados. Ele, que não consegue levar o seu amor com ele, entende isso e segue mudado para sempre para que Kar Wai nos lembre Vinícius, cantando que é melhor viver do que ser feliz. Pois o amor dói. É o que ele faz. É de sua natureza doer quando acabam-se os risos e ficam as pequenas frases, curtas e doloridas, os silêncios onde os dois já não olham na mesma direção.

Segredos do amor nos esfrega na cara que não existe esperança em saber nosso amor no outro. Que jamais saberemos como ou até mesmo se somos amados. Que a única certeza do amor é que sim, ele acaba, como bem disse Paulo Mendes Campos, a toda hora, de todo jeito e às vezes sem nem mesmo precisar de motivo. Acaba principalmente quando queremos que nada mude nunca mais.

E seja na China, seja no subúrbio carioca, as histórias de amor são sempre as mesmas. As dores, os desencontros como em Drummond onde fulana amava siclano, que amava beltrana que era apaixonada por fulano que não gostava de ninguém – que vai ver já tinha entendido que o amor foi feito pra acabar. As pequenas traições doendo sempre regando o novo cinismo do coração. Afinal, ver que um amor acabou não requer inteligência nem sensibilidade. Requer coragem. Coragem pra não extender o que não tem mais vida. Porque se um não quer salvar, o amor já morreu.

É difícil conseguir mudar nossa própria história, é triste reagir letargicamente, é complicado escrever um novo final. Coisa de andróides, escritores baratos, gente que ama, essas bobagens. Então, salvando o dia quase como um remédio da modernidade, saber que o amor acaba faz com que tudo doa menos, nos afasta da necessidade hollywoodiana do happyend. A verdade é que todo dia alguém volta sozinho pra casa, sonhando com um passado menos seco. Nascemos sozinhos. Morremos sozinhos. Chato é a mania de querer ter um outro só para nós. Alguém pra rir, coçar e reclamar quando se atrasa...

Em enquadramentos modernos, Wong Kar Wai nos lembra, que não se ama duas vezes a mesma mulher (porque nunca se deixou de amá-la?), que não se atravessa duas vezes o mesmo rio, e principalmente que no amor não existem substitutos. O passado que tenha sempre razão. Filho da puta. Pretérito esquecido, tempo onde se amava, beijava, abraçava, ria.

No fim das contas, descobrir que o amor eterno é como Papai Noel faz bem. Juro que eu não sabia. Mas não fiquei triste não. Sei que agora estou mais pra Sr. Chow, cético e esvaziado de ilusões – esperando menos do amor. Então embarco para 2046, onde reza a lenda, a memória de quem se amou não doerá mais. Coisa do tempo, de um dia depois do outro, dizem. Eu não saberia. Ainda estou longe de chegar lá.

É isso...

Por André Debevc

Lamento, mas não posso. Não, menina, não vou ser um desses que inventa mil desculpas ou some sem pistas de uma hora para outra. Não tenho mais
a saudável maldade adolescente de mentir que vou ficar para sempre só porque tenho tesão. Passei dessa fase da vida – pelo menos no meu tempo
de moleque era assim – onde eu precisava omitir umas verdades para poder ter companhia, uns beijos, um peito na boca e uma coxa nas mãos. Cheguei nesse ponto sincero onde prefiro não iludir, ganhar pontos com o Velho lá de cima e dormir com a consciência limpa.

É verdade, eu lamento. Quando te disse que não tenho medo de quase nada, eu tava falando sério. Nunca me vi como um desses homens com medo de compromisso. Vai ver fiquei tempo demais sozinho. Vai ver fiquei comendo muito tempo só pelas beiradas. Vai ver no fundo acho que não vou conseguir ser o melhor que posso ser pra você. Que você merece mais, essas bobagens.

Acho que travei quando vi meu mundo ameaçado. Eu sei, é bobagem, você nunca fez nada, você nunca teve essa intenção, mas essas cada vez mais novas velhas manias acabam tomando conta da gente. Talvez seja o peso dos anos. Talvez esteja ficando velho, não sei. Vai ver que na falta de alguém de verdade acabei me apegando à coisas pequenas como a liberdade de ir e vir sem ter que consultar alguém.

Às vezes suspeito que virei um dos meus piores pesadelos: um coyote solitário. Eu, o asfalto e o vento na cara no caminho de casa. Quase um filme em preto-e-branco. Poeira e trilha seca como a boca do dia seguinte. Aquele odor intruso de sexo. Uma música, um sorriso canalha de quem saiu na hora certa...o sol na cara de uma manhã sem ressaca e camisa amassada.

Sério mesmo, desculpa. Durante muito tempo achei que a culpa era de um dos meus fantasmas: a ex que eu nunca esquecia. Ela, que sem nem lembrar que eu existia, nunca deixava que eu amasse mais ninguém. Mas hoje sei que não é isso. Não agora. Não com você. Sério mesmo, menina. É que tô cheio dos velhos vícios dessa vida desregrada: horários loucos, amigos mal intencionados por todos os lados. Sei que a frase é péssima, mas não é você, sou eu. Sei que disse que queria alguém com quem dormir abraçado e ver dvd no domingo. Sei que te disse que queria dar uma acalmada, sair dessa vida, ser de alguém, cultivar apelidos e fazer meia dúzia de planos. Sei disso tudo, mas também sei que não menti em nada. Sou isso, transparente, que você tá vendo. Poço de sinceridade amarga. Desculpa, você prefere as coisas mais doces...

É só que pra gente dar certo, eu não tinha que estar aqui só porque não achei uma boa desculpa, ou a cara de pau de dizer que preferia não ter que fazer força, colocar uma calça e uma camisa e sair da minha velha rotina. Não, não olhe pra mim assim. Você devia saber que pra gente dar certo eu tinha que não pensar nessa relação até a hora que tivesse totalmente dentro dela. Eu fazendo parte da sua rotina e não conseguindo tirar você da minha, vindo que nem cachorro pro seu colinho.

Relaxa, menina. Eu sou muito arredio, linda, lembra disso. Pensa que sou sozinho. Lembra que só me deixo fazer carinho quando me distraio. E olha, é verdade: não tem mais ninguém na parada. Nunca teve jogo, você sabe disso, só acabou. A culpa não é sua nem minha. É só que preciso me apaixonar logo e isso ninguém precisa te dizer que não aconteceu

Sem Escafandros

por André Debevc

Mergulho fundo nas suas coxas
com a voracidade e sutileza de um meticuloso tigre faminto.
Não tenho pressa, tomo meu tempo sorvendo seus cheiros
vivendo seus gostos.
Desfio seus sabores…
Talvez nem perceba o quanto a rotina pode me ameaçar lá fora,
muito certo que deixe os ponteiros invejosos se arrastarem pelas horas
enquanto insisto que minha língua te explore por inteiro.

Aprendo seus espasmos,
revisito sua respiração às vezes louca,
às vezes apreensiva pelo meu próximo gesto.
Você conjuga gemidos abreviados,
você me puxa me aperta e beija.
Sua boca deixa escapar a mordida, abandona a palavra pelo suspiro,
tenta dizer algo para depois se calar, desiste
insiste em me deixar te saborear.

Só volto à tona encharcado,
banhado pela sua insanidade, pela sua alegria. Soluço de tempo…
Nada me é mais precioso do que a busca pelo seu prazer.
Amo suas coxas brancas, suas penugens,
amo o abraço-algema que suas pernas me dão em contrações e trancos.
Vivo para que você se curve para me resgatar do meu mergulho,
com um sorriso nos lábios, com sede da minha boca.
Doce invasão de cheiros,
você é a estrada para minha língua,
pista de pouso para minhas mãos,
minha visita breve ao paraíso.

Melancólico e Puído

Puído. Toda vez que chegávamos na areia era a mesma coisa. O ritual, metódico, aparentemente distraído. Ela, jogava as sandálias onde queria sentar. A mão direita, ajeitava os cabelos, quase sempre já presos. A mão esquerda puxava os óculos até a pontinha do nariz, só o suficiente para que seus olhos ainda sensíveis ameaçassem se fechar estranhando a claridade. A praia nem sabia como era um cenário feliz para mim…

Sem estardalhaço algum, a velha camiseta cortada, a canga de bali, tudo lentamente encontrava seu temporário exílio no chão, na sacola de palha lotada de traquitanas e quinquilharias. Pouco antes que o sol conseguisse beijar seu corpo mais do que eu tinha conseguido naquela manhã, ela cuidadosamente ajeitava o alcance do biquíni. Puídas negras cortinas de malha enquadravam o colo mais fantástico que Deus já tinha pensado em criar. Um pouco mais do mesmo pano insistia em cobrir as curvas que encontrariam suas pernas, doces, brancas, já pensando em ser douradas ao fim do dia de sol. Ela sempre perguntava: “olha, não tá vendo que já estou negona!!” num tom mais do que sarcástico. Ela era ótima.

Aquele corpo me domava. Não foram poucas as vezes em que eu, voltando do mar, a via olhar pra mim e, de olhos ainda semi-cerrados, mandar um beijo. O biquíni já surrado envolvendo seu corpo, as sardas deliciosas entre os seios flertando com a minha passividade…Suas mãos delicadas, minhas, me acenando, me pedindo pra voltar. Mal podia tirar os olhos daquelas deliciosas coxas que por muito foram meu domínio. Era difícil não pensar e, amá-la para sempre, especialmente porque eu inúmeras vezes me via assistindo a tudo dela em uma espécie de camera lenta. Um tempo só meu: transitoriamente um presente perfeito.

Deliciosas tardes se arrastavam depois de fritantes dias na praia ou na piscina. Nossos beijos, sempre longos e carinhosos pareciam pontuar a nossa relação. Saborosos pontos de exclamação do quanto éramos, então, insubstituíveis um para o outro. Quantas vezes terá aquele biquíni, inexpressiva centimetragem já velha, ido ao mar em meus braços? Quantas vezes teremos o colocado de lado, ou o jogado ainda úmido para algum canto? Já achei muito aquele lindo surrado biquíni preto: no chão, atrás de algum móvel…velhas lembranças apenas.

Minha boca fitava cada milímetro daquela malha. Não era lycra, era algodão, era o céu já perdendo a cor original. Meus olhos adoravam patrulhar suas fronteiras, as vaciladas que ele poderia dar por vezes saindo da água, virando na canga, saindo desavisado da camiseta furada. Aquele biquíni certamente selou nosso namoro. Éramos os três, inseparáveis na praia, na sauna, uma união de desejo, malícia e, hoje entendo, até de uma certa inocência. Não há como pensar neste amor, no amor, sem lembrar deste quase detalhe.

Assim, como todos os biquínis e todos os amores, seu tempo também passou. Talvez o elástico tenha cedido, talvez não desse mais para continuar com aquele estilo, não sei direito. Sei que bem no fim do namoro, as duas peças de paraíso sumiram. Desapareceram como a vontade daquele corpo em se enroscar em mim, em me chamar de seu, em dizer que cada milímetro de sua pele e carne me pertenciam. As marcas de sol que aquele acessório deixavam eram incomparáveis. Simétricas, perfeitas em seu corpo bem mantido pelos deuses e falta de academia. Penso em ter saudade, mas desisto ante a inutilidade do gesto…

Somos, eu e o biquíni, uma parte do passado. Sem volta, sem memória. Talvez sejamos, se tivermos sorte, citados assim, ao acaso, como um dos preferidos entre tantos que existiram. Melancólicas areias da zona sul insistem em nos separar. Areia das ampulhetas, areia desértica da aridez do que ficou depois.

Jamais existirá um todo o mundo um biquíni como aquele. Os corpos jamais serão os mesmos, as almas também não. Eu amava aquele biquíni e seu eterno único recheio. Cada gesto, cada cheiro. O senso de humor, o escacho, o beijo, o jeito como sempre cavava do lado direito da bunda…Na minha mente sempre de alguma forma molhada, aquela peça de praia é uma peça da minha vida. Agora, só existimos em foto, velha prova, constatação. Detalhe de um tempo nem tão distante que nunca mais acena existir.

Para Escrever um Epico

Ai ai, lá vem ela com aquele sorriso de cristal que me espanta qualquer nuvem. Com a cabeça bem longe, arregala os olhos brilhantes num mini susto quando me vê pedindo pra mim mesmo para que ela me veja. Mesmo longe sinto seu cheiro como em todas as vezes que fecho os olhos e suspiro fundo. Quase sinto o calor de suas costas nas palmas das mãos. Mãos que bobas, silenciosamente fogem e acariciam o lugar de algumas de suas últimas mordidas. Ela adora me agarrar.

Andando leve, quase desfila de tanta leveza. Ela pisa, saltita e pula, sempre sem meias, me trazendo um sorriso que diz ser tão difícil tirar de mim. Outra manhã, me olhava nos olhos estudando meu rosto, impossibilitado de estar infeliz, graças à sua presença. Ela lembra das várias besteiras que eu digo e até já percebeu e decorou meu sorriso cínico – que já foi um segredo – que só vem antes de brincar ou mentir. Lá vem ela que nunca abre os olho antes de mim quando beija. Ela é minha fruta favorita. Desbancando a manga, me lambe de volta e vem me mordiscando pelos cantos deixando suspiros fugirem para dentro da minha orelha. Essa moça me olha fundo antes de me beijar e mergulha na minha boca mesmo quando dança logo ali.

Vez por outra, ela pula nas minhas costas e me agarra sem se importar muito com os estranhos. Nessa hora, o beijo é nosso, anônimo na multidão, e ela é minha. Pele, química, tesão, pólvora. Ando louco para vê-la dormindo, aninhada no meu corpo, com a coxa atravessada nas minhas pernas. Eu, com a mão perdida em seus cabelos negros, o meu coração batendo na sua mão e os lábios felizes de poderem estalar carinhosos ali na sua testa.

Se me distraio percebo que sou vigiado pela pinta que habita a parte superior de sua boca. A única com nome próprio. Uma das várias que atraem meu corpo ao dela feito ímã. Quente, deliciosa, esconde muito mais do que alguém pode imaginar por de trás de sua aparente docilidade. Ela adora se eu a mimo e quando relaxa, dirige com a mão pousada na minha coxa. Mas ando mesmo é viciado em seu cheiro, mais presente na nuca e muito vivo perto do umbigo. Tem o poder de me levar a qualquer lugar, nem que seja só pra elogiar minhas pernas ou falar bobagens. Sem falar que ela adora quando eu a mordo como fruta. Ah, essa moça...

Menina-mulher que me trouxe de volta a ansiedade boa de pensar coisas para alguém. Pode ser vista em outdoors pela cidade ou nos meus pensamentos mais simples, comprando com seu riso o espaço exclusivo da minha mente, varrendo para longe qualquer cansaço ou crise de humor. É uma mulher que me inspira, acalma e perturba. Sarcástica e alegre, sabe exatamente o que falar pra me tirar do silêncio. A moça que anda na minha cabeça pega fogo comigo redefinindo o que é um verdadeiro beijo. Perdida, a única coisa que sabe virar com certeza é o meu juízo.

E ela me agarra de um jeito que eu já tinha até esquecido por ter passado tempo demais por aí errando e me deixando lamber por qualquer cachorra. Linda, ela diz que tem ciúmes e ri com os dentes perfeitos. Essa mulher me puxa com força, me beija fundo enquanto minhas mãos dançam colando cada centímetro dela mais e mais ao meu corpo. Aí eu fico tonto, jurando poesia. Pra ela que me leva pro céu dizendo que é inferno. Pra ela que nos faz perder a roupa num raio gigantesco. Ela que me pega, me empurra, me sobe, me morde e pede mais. Logo ela que merece flores, jantares, versos e horas de beijos milimétricos em sua alma. Mulher que cata tomates secos na salada e me pede para manobrar o carro quando tá com preguiça.

Dia desses, numa quentinha, ela me deu o presente mais surpreendente que já ganhei de uma mulher. Fez história, a mocinha. Diz que vai me inspirar a escrever um épico, e mesmo nunca me chamando pelo meu primeiro nome, jura que nunca mais vai me negar uma carona. Da próxima vez que ela me pedir pra não parar quando eu estiver entre as suas coxas, vou fingir hesitar. Vou fazer meu doce e me esfregar nela pra ela ficar ainda mais fora de controle. Ainda mais minha. Então, quem sabe virão mais expressões em inglês, apelidos curtinhos e aqueles gritos que amo vê-la dar.

Ai, deus, lá vem a mais linda de todas as bruxinhas. Pena que não estamos sós. Pena que não estamos nós sob a luz de velas. Que bom que estou sob seu feitiço. Quando ela chega, nosso círculo mágico se forma. Nada me mal nos acontece e eu fico assim, pensando em conquistá-la mais e mais. E aí ela me chama de namorado, me beija e faz um agrado e me pede um sorriso.

Hoje, vou com uma camisa que ela gosta. Vai que ela fraqueja, me assume e me agarra. Com uma mulher assim eu vou até o inferno. Te vejo lá.

So pra quem me sabe

Saio do banheiro ainda tomado pelo vapor do banho para encontrá-la ainda estirada na cama grande. Dengosa, ela me olha enrolado naquela toalha de hotel e sorri enquanto se espreguiça murmurando doces impropérios para o dia que vem para nos jogar de volta na realidade. Enrolada nos lençóis, seu rosto quase adormecido é um convite para que eu rasgue a rotina e mergulhe de volta naquele corpo quente que conheço como ninguém.

Quando me aproximo para roubar um beijo, ela provoca. Mostrando que está nua, me exibe as coxas antes de virar de bruços e se esticar toda lasciva. Como que num só salto, ela está de pé na cama - olhos ainda cerrados estranhando o dia – nua em pêlo, ainda lindamente descabelada, se joga em cima de mim, descaindo pelas minhas costas feito uma das gotas do banho que não consegui secar. Depois de mais um beijo longo onde quem tenta voltar pra cama sou eu, ela se vira, feito menina, faz um sei que lá com as mãos para prender o cabelo e vai para o banho dizendo em voz alta que o trabalho a espera.

Sentado na cama, a vejo ainda voltar e zanzar pelada pelo quarto recolhendo suas roupas antes de voltar de vez para o banheiro e me mandar um beijo parada no batente depois de fingir já ter fechado a porta. Este jeito tranquilo dela mais uma vez me conquistou. Meu refúgio da bagunça do universo, minha portinha para uma dimensão despreocupada, sem cobranças…

Quando ela sai, já estou sentado à mesa devorando as notícias daquele dia de semana resfolegante. Pronta para o mundo, ela termina de ajeitar o cabelo e senta no meu colo roubando minha torrada. Ainda mastigando, me cola os lábios doces de geléia light e estala um beijo antes de levantar falando alguma coisa que não entendo mesmo. Às vezes me pego pensando em quando ela seria mais linda: se de manhã toda mulher, pronta para sair, ou se de noite, menina enroscada no meu braço direito sussurrando coisas desconexas enquanto dorme junto ao meu peito. Ela me encanta. Sei hoje, que só de vê-la andando, mexendo, falando, existindo, sou feliz. A presença dela altera qualquer ambiente, para melhor, tenho certeza.

Andando pelo quarto, ela procura os sapatos ontem atirados sem a menor intenção de serem encontrados. Sorridente, aparece agachada do outro lado da cama. Concentrada puxando a meia, nem percebe que olho para seus gestos ainda com a cabeça na noite que passamos juntos. A olho, quase sem ver – estou num pretérito, que fizemos perfeito. A cumplicidade de corpos, onde nada precisa ser dito. A sede de um pelo outro, a sincronia, o gosto dela na minha boca, o cheiro de sua nuca já espalhada pelos lençóis. Os beijos inundados, os gemidos já totalmente explicados, dissecados com o tempo, filhos quase da nossa intimidade.

Desconfio que não exista no mundo um outro corpo tão sabedor do meu. Me atrevo a proclamar silenciosamente que sei cada pinta, cada curva dela. Sei decifrar seu humor num bom dia espocado na tela de um computador. Sei mais dessa mulher do que muita gente junta. Mas ela também me sabe, sabe ler meus pensamentos tomando um gole do que bebo, sabe quando não fazer piada do meu mundinho banal. Seres simbióticos, que me perdoem os biólogos mais ferrenhos se eu estiver abusando do termo. Existimos melhores juntos.

O engraçado é que já me pego roubando suas gírias, rindo de mim mesmo quando sei que ela iria estar rindo. Procuro prestar atenção nas coisas que ela sempre diz, procuro conseguir ser um homem cada vez melhor. Temos muito mais que muitos casais. Somos nossos, de frente e do avesso. Quantas vezes já não entrei numa loja e levei para casa algo que era a cara dela?

Com um beijo na testa, cheirosa como sempre, ela me traz de volta à realidade lembrando que eu sempre poderia não ir à reunião das 10, abotoando maliciosamente o último botão da camisa, escondendo seu colo delicioso. Ela sabe que com mais um sussurro seu, eu mando mesmo a rotina pro espaço…mas levantamos dali. Na descida do elevador até o lobby ainda dá tempo pro último amasso. Outra noite maravilhosa vivida. Dia maravilhoso é o que começa com ela do meu lado, em cima de mim. Este era um.

Foi assim durante muito tempo, quando estávamos convencionalmente juntos. Ela já tinha sido uma namorada fora-de-série. E agora se mostrava uma mulher ainda mais supreendente, uma amante que eu não trocaria jamais.

Na porta do hotel é adeus. Cada um no seu caminho, na sua vida. Sabe-se lá porque não voltamos só para nós mesmos. Logo eu que sei onde tocá-la, que sei como beijá-la, exatamente como deixá-la perfeitamente louca. Descobri que não posso viver sem ela, escolhi não viver sem. Não consegui deixá-la para trás. Não deu. Também não sei se poderíamos, se conseguiríamos, voltar à convivência customizada que soterra tantos casais. Tem coisas que ficam melhores assim: depois do fim.

O bom é que nosso fim decretou outro começo. Já nos perdemos, já enterramos os nossos mortos e mágoas uma vez. Só sobrou cumplicidade, e essa vontade interminável de querer se ver outra vez. Cada um de um lado, sabe-se lá porque, ou até quando. A única certeza é que noites intermináveis virão. E nelas, onde o mundo fica de fora mesmo, estamos mais juntos que nunca.