sábado, agosto 21, 2010

Deus é brasileiro, mas a competitividade é paulista

Por André Debevc

Marcelo Rubens Paiva é um dos meus escritores favoritos. Na minha humilde opinião, este paulista (tá vendo como não sou bairrista?), é um dos maiores talentos que o Brasil já produziu. Um escritor para a cabeceira e para a vida. Mas não foi pra falar dele que comecei este texto. Foi para falar de listas, um assunto sobre o qual paulistas são craques. Ou melhor, estão no topo, disparado. Lista de melhores então nem se fala. Deve sair pelo menos uma por semana nesta cidade ranqueando o melhor isso, o imbatível aquilo. E se me perguntarem qual a maior diferença entre Rio e Sampa, posso dizer que é isso: a competitividade.

Se no Rio qualquer carioca pode te falar de um chope maravilhoso, em São Paulo o paulista vai fazer questão de te falar DO melhor chope da cidade. No Rio tem um lugar que tem um delicioso bolinho de camarão. Em São Paulo tem AQUELE lugar que é A melhor coxinha, o outro bar que tem O melhor barman (aliás, parabéns mais uma vez, Souza!). Eita cidadezinha que gosta de medir pau, né? Será, aliás, que é por isso que Toquinho (o amigo paulista de Tom e Vinícius) tem esse nome? Bom, deixa pra lá...

Na balada (calma, só tô usando o vocabulário local para ser entendido melhor) a graça de parar seu carro com o valet, que fica na frente da fila da boate, parece que é só para sair do carro mais importado que o do motorista anterior, na tentativa de impressionar o maior número de moças que estão na fila esperando para entrar. Como se seu carro dissesse quem você é... coisa muito estranha para um carioca.
Vou dizer por que. Não é que no Rio não exista competição. Existe sim, é claro. Mas os cariocas são mais desencanados (olha eu usando expressões locais de novo). Na praia, habitat natural de grande parte dos cariocas, é difícil saber quem é quem pela roupa, concorda? Sunga é sunga, e biquíni é biquíni. A faixa de areia, espremida entre o mar e o asfalto da ciclovia, abriga gente de todas as classes e origens. Tem de boy a CEO. De modelo famosa a professora aspirante. De zilhardário workaholic a vagabundo profissional. E ali todos se misturando naquele mar de gente, que vai se conhecendo de vista.

E quando você menos espera, tá trocando idéia com o grupinho sentado ao seu lado, conhecendo gente interessante, só pelo apelido. Sem saber se eles chegaram de Touareg, Focus ou Chevette. E essa, justamente, é que é uma das grandes graças do Rio: a falta de cartões de visita, de cargos, nome e sobrenome ou chave de carro aparente.

O mais rico talvez tenha vindo de bicicleta, ou quem sabe só desceu mesmo da cobertura e atravessou a rua, sem um tostão no bolso porque compra fiado com o Elias, que aluga cadeira e barraca nos dias de sol. Aquele ali, engraçado, acho que é primo daquele ator que namora aquela gostosa, ou filho daquele deputado que foi ministro. A gatinha saindo da água pode ser vendedora daquela loja de que você nunca ouviu nem falar, ou ex-colega de turma da sua irmã, do primário. Não importa e nem faz a menor diferença.

Por isso – essa eterna falta de roupa e programas culturais - o Rio é menos competitivo, e conseqüentemente mais democrático. Uma cidade de quem vive dando apelidos, mas não lembra de sobrenomes. De velhos amigos que nunca se preocuparam em perguntar exatamente onde o outro trabalha - até porque isso não vai fazer da pessoa mais ou menos sua amiga. Uma cidade que pode até ter engarrafamento, mas que não é nem o maior nem o melhor do país. Um lugar onde todo mundo gosta de se encontrar pra tomar um chope - que não precisa ser o melhor do mundo. Até porque isso, a cidade já é.

domingo, agosto 15, 2010

A lenda reza

Por André Debevc

Reza a lenda,
que seus beijos são doces como a brisa do mar.
Nunca existiu um que me contasse dos seus encantos
mas posso construir os mitos que quiser
na ausência de uma realidade cúmplice e descritiva.
Vivo às margens do seu paralelo particular,
te vendo nas coincidências de rotina
onde o mar lambe seus pés e o sol divide atenções.
Reza a lenda,
que seus carinhos são condecorações aos bravos
que desvendaram os enigmas que levam aos seus lábios.

Doce lenda sobrevive em minha retina,
vacila em ocupar meu peito
e se constrói na distância inerte
que sua figura sorridente insiste em ocupar.

Poemas letárgicos

Por André Debevc

Dopemos os poemas
acalmemos os ânimos,
o caminho ainda se ensaia à frente.
Agir impulsivamente pode satisfazer o peito
mas a razão entrará questionando
se nada funcionar muito direito.
Só um bocado, vamos nos segurando
pois a ansiedade não anda desavisada na minha cidade
e o beijo quer ir às ruas desfilar em carro aberto.

(...)

Por André Debevc

Dessas três ou quatro palavras que eu não disse,
o que você entendeu?
Suas respostas vêm assim,
sem pressa à tona,
feito estas bolhas inocentes no copo de cerveja.
Procuro saber suas reticências
para encontrar um ou dois pontos,
sempre abrindo vírgulas
para o aposto eu,
sujeito ativo,
até passivo ante seu desejo lascivo,
calmo, quase sussurrante
nessa confissão
de quem precisa me provar um beijo viciante
que cansei de imaginar.

Se entre um assento e outro eu calei,
é porque precisava me achar,
talvez entre sua boca e olhos,
talvez só entre nós mesmos
nesse cúmplice ar.

Eu calo, porque você consente
já que nosso beijo quer gritar.

O único jeito

Por André Debevc

Só sei ler lábios em braile.
Minha respiração desacelera ao ritmo da sua
enquanto a pulsação descontrola
e a perfeição rima nossas salivas.
Os cheiros intuem mais
e as palavras poucas, balbuciam um pedido de ininterrupção.
Seu gosto precisa estar aqui agora.

eu defenderia você com uma espada

Por André Debevc

Eu defenderia você com uma espada.

Nem que fosse preciso enfrentar dragões
ou os ladrões do centro
com apenas uma tacada.

Mesmo que tivesse que expulsar raptores ou só lutar horrores.
Eu defenderia você com uma espada.

Se pusessem em jogo sua integridade,
se sua honra ameaçassem,
se você precisasse,
te faria minha amada

e morreria feliz,
te defendendo com uma espada.

É assim que funciono
antes de mais nada,
no suspiro até reticente dos seus olhos
fitando minha alma apaixonada.

Pois se tivesse de morrer mil vezes
por um beijo,
o faria de alma lavada.

Eu defenderia você com uma espada.

Apenas lazer

Por André Debevc

Meu trabalho aqui está feito.

O umbigo dela,
ainda cambaleia,
subindo e descendo zonzo
enquanto ela engole seco
e tenta encontrar o ar
que dança letárgico
pelo quarto
sem abrir os olhos.

Meu trabalho aqui está feito.
Mas eu nunca estive aqui a trabalho. Só por prazer.

quinta-feira, agosto 12, 2010

#bregafeelings

Por André Debevc

Só uma força te cerca com mais constância e há mais tempo que o meu amor: a gravidade.

terça-feira, agosto 10, 2010

cegueira imposta

Por André Debevc

monto um quebra-cabeça no escuro. de olhos vendados, hermeticamente preso num ambiente sem som ou calor, tateio palavras. hipotetizo tons. mentalmente desenho gestos e hesitações de dedos. cada momento é um capítulo. um livro que não sei capa, crítica, orelha nem autor. suspense ou mistério. com pitadas de sarcásmo. obviedade, nenhuma. me lembra uma expressão que adoro: a esgrima das palavras. vivemos nisso. duelo sem derrtotado. leio um livro no escuro, que só me dá palavras e histórias quando quer.

domingo, agosto 01, 2010

Sentimentos Inquebráveis (outro poema antigo)

Por André Debevc


vê se compra uns sentimentos na próxima liquidação
o leite de caixinha vence no dia do seu aniversário
até lá meu nome já pode ter sido esquecido...
a carta demora mais de um mês para nascer
já nem sei mais se te vejo de novo
choveu mais de uma semana sem parar
vamos traçar um novo ponto de fuga
vamos juntos para um paralelo
onde você não me magoe não me machuque
fujamos pra'quele seu pra sempre dos versos da fotos onde éramos felizes
mas vê se compra uns sentimentos inquebráveis
e um coração com aquecimento que deixe meu amor fazer um ninho
(é redundante dizer que mulher não tem sentimentos)
Quebrar o coração dos outros
nunca deu cadeia nem levou à fogueira;
deixa pra próxima porque minha guilhotina
tá numa pesada lembrança de uma vida que quero esquecer

(poema de 1998)

Por André Debevc

Até que não posso reclamar demais,
tenho um Mustang ‘65 conversível que vai a cem enquanto você pisca.
Posso sair do meu bairro nova iorquino de ruas sem nomes
e acabar em Ipanema num fim de noite qualquer,
nem preciso passar pelo eixo monumental
perto de onde fica o cativeiro do meu último coração;
dirijo intranqüilo na chuva escura de estradas adormecidas.
Toca qualquer música no meu rádio importado,
ouço o que era um dia o ritmo do meu peito
no embalo arrastado do limpador de pára-brisas.
Abro a janela,
deixo a chuva me beijar desesperada e metódica,
pisco vazio e distante de mim mesmo,
encontro meu olhar
num desvio cinza do espelho quase embaçado,
estou seco na normalidade de sempre
lembrando de cheiros que o vento levou molhados,
e suspiro fundo,
concentro na chuva,
no dia cinza da rotina preto-e-branco
que aparece em meu retrato grudado na identidade.
Nova York parece tão perto.

Sola no peito

Por André Debevc


Às vezes eu acho que ela tem razão. Temos mesmo de acabar. Jogar tudo fora. Fechar o que sobrou desse sonho, encerrar esta conta amorosa e ver o que sobrou de nós pra continuar. O resto – que sempre é mais do que éramos quando começamos, então me pergunto por que chamar de resto e não somatório? – será visto, cedo ou tarde, pelas noites cariocas, só se esbarrando mesmo por desgraça ou para a diversão do destino. Somos de cenários e públicos diferentes. Tão diferentes que chego a me perguntar por que idiotice achamos que somos iguais, que funcionamos bem juntos. A ironia assim como o diabo tem dessas coisas.

Acabaremos para lá na frente voltarmos e casar, diz ela do alto de sua ingenuidade. Desconhece os truques da vida, penso tentando encobrir um sorriso nati-morto no rosto. Eu já ouvi essa conversa antes, menina. Falaram que eu teria que acabar, e depois vagar por aí. Me prometeram muitas amantes, cicatrizes e histórias. Mentira. Depois que o destino vira a esquina ele não olha mais para trás. É cada um pro seu lado. Um “adeus, te odeio filhadaputa” no rosto e um “volta, te amo” no peito. As bocas, mudas engolem seco.

Depois, só a triste análise do que foi e do que poderia ter sido. Do filho que se deixou morrer por egoísmo ou apenas tristeza. Uma lista infindáveis de “se”. Amigos carregando o caixão com o corpo apagado de quem um dia amou e jurou ficar junto. Um luto amoroso nem sempre aparente. Vai aquela vida, o status, os planos.

E lá atrás, uma música triste que você começou a gostar quando ainda tavam juntos. Lembrança cretina do quanto você se deu. Tragédia que começa sem ainda nenhuma decisão tomada. Os dias seguem como uma procissão de tanques. Seu amor é que foi ficando para trás embaixo do mais reles coturno de sentinela.

Músicas de amor são um lixo…

André Debevc

Toda grande musica de amor é uma porcaria. Não, amigo, não estou sendo radical nem sarcástico. Não importa se você é durão ou finge que isso não te afeta, se já amou mesmo uma mulher, sabe que as grandes músicas de amor são mesmo uma grande tragédia pro peito.

Sou um desses sujeitos que ama ouvir música e dirigir – principalmente na chuva. Se me distraio, canto no chuveiro, e se bobear, fico como minha mãe, que cantarola até mesmo enquanto lê jornal. É justamente por me considerar vidrado em música, que sei que assim como toda história termina mal, toda grande música de amor faz o coração silenciosamente engolir seco vidro moído com vodca.

As grandes canções de amor têm sempre algo em comum: trazem uma lembrança muito particular. Seja lembrando de como ela ria jogando a cabeça pra trás ou no modo como cantam como a idéia dela por perto faz falta.

Você não precisa ser Charles Bukowski e ter o fígado derretido por álcool e lembranças para ser um homem com uma história e bilhões de fantasmas que um dia foram doces mulheres. Toda mulher que vale alguma coisa vem com uma música. Toda história que vale a pena esconder ou contar (depende de como você for) tem uma trilha. Mas só as mulheres e amores que nunca morrem por completo é que sempre vão te encarar nos versos de uma grande música de amor, por mais distante no tempo que as duas (a mulher e a música) tenham acontecido entre si.

Boas músicas (como True Love Waits, do Radiohead) são mulheres que conseguiram viver para sempre. Um jeito distorcido de Deus brincar. O rádio do carro, que só tocava porque os cds jogados lá já cansaram, traz sem nenhuma piedade a porcaria que mais mexe com você (no meu caso, Wish You Were Here – que mesmo tendo sido feita para um macho, é perfeita), só para te fazer engolir aquele vidro moído de uns parágrafos acima.

Já me acostumei a dizer que tive coração, que não entro mais nessa de amar, e por isso insisto com isso de que toda grande música de amor é uma violência com nossas pretensas feridas curadas, com todas nossas histórias pensadas enterradas, e resolvidas.

Tem muita gente que finge não ligar, que brada aos quatro ventos que não é atingido pelos estilhaços dessas músicas, e sempre diz que é coisa de mulherzinha. Qualquer homem de verdade sabe viver seus lutos, sabe o que prefere negligenciar. Afinal, viver é escolher o que esquecer, diz o poeta Claufe Rodrigues. Por mais que sorria nos bares, invente histórias, diga que tenha enterrado ilusões e cante mulheres dizendo que tenho cicatrizes que me endureceram, sei que uma boa música de amor – e nunca disse que precisava ter dor de corno ou coisa parecida – sempre bate fundo até nos poços mais vazios.

Vez por outra esbarro em versos novos que muitas vezes nem chegam a tocar nas rádios como Hang, do Matchbox 20. Sou meio que um pára-raio desse tipo de canção que, por mais velha que seja (como O Meu Amor, de Chico Buarque), ainda consegue me trazer um gole cortante, assim quando sou pego – sozinho, distraído – desprevenido em casa no escuro com um uísque ou numa estrada da vida de madrugada. Eu, pelo menos, sou assim, culpa de um pai, que me punha para dormir ouvindo Charles Aznavour quando eu era moleque, sei lá.

Toda grande música de amor é uma porcaria. Não pela letra, ou pelos detalhes sórdidos que ela quase sempre traz. Toda grande canção de amor é uma porcaria, porque nos lembra que fomos muito melhores do que nos tornamos e isso não é nem sombra do que queríamos então ser.