quarta-feira, dezembro 05, 2007

Limite, sim

Por André Debevc

Certo dia finalmente entendi, que pra nascer de novo, era preciso que eu morresse antes. E aí pois é, morri. E de morte matada mesmo, com dor e tudo. Só nunca agradeci quem me matou. Até porque acho que gratidão é uma dessas poucas coisas em que a gente tem que colocar limite mesmo.

Eu sou aquele ali

Por André Debevc

eu sou o cara que abre a porta do carro pra moça,
aquele sobre o peito de quem ela cruza o braço no meio da noite,
o sujeito que faz ela rir dançando engraçado na cama
antes mesmo do dia oficialmente começar.
eu sou a alma que se despiu de todas as armaduras pra ela
e agora canta em engarrafamento,
achando graça de tudo no caminho do castelo
onde ela inventa receitas e me conta mil casos de tios alucinados.
eu sou o doido que faz passinhos na sala antes de ir pro trabalho
sou o homem que descobriu um lado ainda melhor
sem que isso fosse só pra fazê-la mais feliz.
ela que colocou vitória no meu caminho,
ou foi vice-versa, não importa.
eu sou aquele ali do lado da moça
de unhas pintadas de vermelho escuro,
aquele ali feliz da vida com o coração batendo
de um jeito que nunca tinha sabido bater na vida.

Amor lembrado

Por André Debevc

Com você eu só quis ser assim…o melhor dos seus namorados. Na verdade teve até um tempo em que quis ser eterno, mas acho que não tinha como ser desse jeito, um sujeito tão seriamente condenado. Então decidi eu que queria mesmo depois de milênios ser lembrado, como o melhor e mais feliz dos seus amados. O melhor beijo, a melhor língua, sempre o mais deliciosamente dedicado. E até quando, longe dali, fazendo as vezes de pedaço estilhaçado e ímpar do passado, no que tivesse atravessando a rua distraído ou correndo o mundo alucinado, eu só queria ser seu mais valioso e apreciado amor. Aquele que fizesse você sorrir (e quem sabe ter até um pouquinho de saudade paralítica, dessas que não movem nem um dedinho), um amor que merecesse e soubesse de algum jeito bobo, nosso e lindo, que é sim um amor muito bem guardado.

sexta-feira, novembro 09, 2007

Sina Danada

Por André Debevc

A sina de alguns homens é aprender a viver com uma dor. Uns fazem dela segredo, outros bandeira. E assim há os que andam como se nunca tivessem a tido, e os que mancam deixando claro que ainda não a tem guardada como algo esquecido. Membro amputado em batalha, às vezes faz que formiga onde já não há nada, a tal da dor. Coça o vazio pinicando lembrança de outro tempo e até de outra vida. Dor afiada, traidora essa bandida, de vez em quando cutuca, só pra ter certeza que não foi esquecida, pois que é sina da qual o sujeito não pode escapar. Pobres dos que tem que aprender a viver com uma dor assim desse tipo, feito a de fratura eternamente mal reparada. Dorzinha dessa renitente, que vez por outra chia se o tempo vira de repente ou se um nome velho cruza nosso caminho sem olhar pros dois lados. A sina de alguns homens é aprender a viver com uma dor. E com a danada de uma pergunta não respondida: será que foram mesmo amados?

quarta-feira, outubro 17, 2007

Correria

Por André Debevc

Ela pegou minhas palavras e saiu correndo. Menininha impertinente, amiga de Morfeu, mocinha de sorriso largo, vento nos cabelos e um milhão de amigas. Chegou de mansinho, e foi me desenhando novos sorrisos, e foi reativando covinhas, me deixou até com vontade de fazer planos, a danada. Quando vi já tinha até capturado minha asa esquerda pra se aninhar quando a preguiça chega desavisada. Hoje ela atravessa o braço no meu peito no meio da noite, toma conta do meu velho apelido, me conta como foi seu dia. Eu na falta de palavras, brinco com interjeições, fico sorvendo seus beijos e cheirando o vôo que ela esconde na nuca, quem diria. Ela pegou minhas palavras e saiu correndo. Só não fui atrás porque ando ocupado decidindo o que fazer com tantos sorrisos.

Quase Férias (justificando a ausência)

Por André Debevc

Quando você fica feliz tudo fica mais fácil. Menos escrever. Com um sorriso na alma e mil planos na cabeça, quem tira férias é a palavra escrita.

quarta-feira, setembro 19, 2007

Herança Simplória

Por André Debevc

De você eu só herdei açaí, aspargos e havaianas.

Perdidos em seu closet desorganizado
se decompõe lentos na maresia
seu cinismo, frieza e capacidade rápida de esquecer.
Enterradas com você vão
a indiferença, o peito pequeno de memória curta,
a cumplicidade falsamente eterna
e os gestos de cuidado inexistentes
que não me cabem mais.
Jogadas ao vento como meu carinho
vão aqueles nossos planos, os desejos de sucesso
e a vontade de te ver feliz.
E caso encontre lembrança de mim que te faça sorrir
em meio à bagunça dos seus papéis errados,
pode cremar sem dor na alma,
como quando você passou a me conjugar no passado.

De você eu só herdei açaí, aspargos e havaianas.
O resto já foi devidamente incinerado.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Ciuminho Retroativo

Por André Debevc

Dela só tenho ciúme do que veio antes. Ciúme assim do tipo mais bobo, tolamente infundado. Ciuminho retroativo, variação mais inofensiva dessa praga, nunca realmente parido ou provocado. Ciúme de coisa que não se pode desafiar, de alguém que habitou um passado. Ciúme até bonitinho que passa fácil com um belo beijo estalado. Dela só tenho ciúme do que veio antes. Antes de viver acordando com ela do meu lado.

terça-feira, setembro 11, 2007

A Primeira Noite de Um Homem

Por André Debevc

O sol começava a dar o ar de sua graça no horizonte atrás do Pão de Açúcar pintando o céu daquele janeiro de lilás e laranja. Ajoelhado no sofá olhando os poucos carros que rasgavam a Jardim Botânico meu coração acelerado batia na boca e não me deixava dormir. O dia que ensaiava acordar me reservava uma resposta importante. Diria até que naquele verão de 1991 era a resposta (no exagero típico de adolescente) mais importante da minha vida. A menina mais linda de todo o universo – e que agora já era responsável pela minha primeira noite em claro – se pronunciaria sobre a sua escolha entre mim e outro moleque (penso agora em como é engraçado como aos 16 anos, você se coloca em situações como essa, disputando a atenção e o amor da menina mais linda que você já viu com um sujeito que atende pelo apelido de Rato).

Naquele dia nem eu nem Rato ficamos com ela. Era difícil demais escolher um, ela me diria mais tarde. E se ele pintou alguma bobagem no chão da rua, na frente da janela do segundo andar onde ela ficava, eu contra-ataquei com palavras sinceras e um coração acelerado tentando fazer ela mudar de opinião. Não adiantou. Ali o empate estava selado. Mas naquele dia, mesmo sem ninguém ganhar o beijo tão desejado, eu senti que perdi. Talvez a primeira e mais profunda de muitas outras derrotas que viriam no meu caminho amoroso. Rato nunca realmente a quis com coração. Estava na briga apenas porque ela era linda, e ele queria aquele troféu. O amor, por mais sincero que fosse – como depois eu comprovaria ao longo da vida – não me fortalecia em nada.

Semanas depois, ela voltaria para o interior – pois é, acho que todo homem na adolescência tem uma paixão que vem do interior – e eu e Rato ficaríamos no Rio, comparando quem afinal tinha chegado mais perto do beijo da menina mais linda do universo. Se minha memória não está me enganando, acho que foi ele, paciência. Vida que segue.

E a vida seguiu mesmo. Notícias da menina mais linda do universo, só espaçadas de uma tia dela que eu encontrava por ali na vizinhança. Até hoje quando passo em frente àquela janela de segundo andar penso em como eu ficava quando estava perto dela (da menina, não da tia). Meus olhos indecisos dançando entre a boca de milhares de sorrisos perfeitos e os olhos caramelo mais brilhantes e vivos que já vi. Como era linda. Seus cabelos longos, lisos e escuros que cismavam em se agarrar nos lábios que eu tanto queria beijar. Eu realmente amava aquela menina...

Mas o tempo passou. E de repente nunca mais se soube nada da linda menina. Eu já era homem feito. De barba na cara, já tinha me apaixonado, amado e sofrido. E viajava com meus amigos querendo colecionar conquistas e histórias pra contar em cidades distantes e pequenas. Feiras agropecuárias, feriados, férias de faculdade, carnavais. E lá pelos vinte e poucos anos de idade a diversão era passar o carnaval em Minas. Mais precisamente na cidade da família de um amigo de infância que ficava ainda mais divertida quando a gente chegava com tantos outros amigos.

A folia corria nos conformes com cerveja, idas à cachoeira, bagunça na casa alugada numa ruazinha transversal da cidadezinha e amassos aleatórios com conquistas fugazes de carnaval. No entra e sai da casa nunca trancada, a noite de domingo ficava pra trás com o desfile da única escola de samba da cidade. E depois de um dia de sol e cerveja nos tombos da cachoeira, eu já vagava pela rua indo pra casa de uma vez por todas. Rumava ainda indeciso até que depois de tantos anos querendo ver a menina mais linda do universo, meus olhos atenderam minhas velhas preces e, abertos, realmente a viram.

Era ela, distraída, em pé sozinha no meio da rua de paralelepípedos e sonhos. E antes que meu coração saísse pela boca, consegui passar pela garganta o apelido dela e gritei. NUNCA na vida alguém se virou para mim numa câmera tão lenta. E em plena rua principal de uma cidade pequenininha perdida no cantinho esquerdo de Minas Gerais, o meu mundo parou.

A surpresa de encontrá-la ali naquele fim de mundo não era só minha. Quase seis anos tinham se passado e ela só tinha ficado ainda mais linda, a menina mais linda do universo. Agora uma mulher. Agora ali sorrindo o seu sorriso perfeito a poucos passos de mim. Conversamos nos olhando nos olhos mais do que nunca. Nos abraçamos, nos demos as mãos. Não acreditamos juntos.

E no meio da folia, tudo pareceu sumir. E nossos silêncios impontuais eram quebrados por comentários sobre aquela coisa do destino, nos colocando ali, frente à frente depois de tanto tempo. Relembramos nossa saga. Meus poemas e a rua pintada. Nunca tínhamos esquecido um do outro. E aí sem saber exatamente como, eu a beijei numa madrugada de carnaval. E foi bom. E foi muito melhor do que eu tinha sonhado tantas vezes quando adolescente. E ali, num dos lugares mais perdidos do planeta, eu me senti o dono do mundo. Eu e a menina mais linda do universo. Saímos dali de mãos dadas e sorrisos estampados. O que tinha que ser, finalmente era – lembro que pensei.

Depois disso namoramos um namoro à distancia, que não me deixou viver com ela nem um milésimo do que queria ter vivido. Mas a história já estava escrita. Um amor com um fim. Anos depois de passar a primeira noite inteira acordado por alguém tive muito mais do que pensava. E fui namorado da menina mais linda do universo. Uma menina que eu não soube ver mulher, e que há pouco um site desses de relacionamento me trouxe de volta. Casada, bem sucedida e feliz como ela merece ser. Linda com os olhos brilhantes e doces como pra mim ela sempre será.

quarta-feira, setembro 05, 2007

Gritos de Passagem

Por André Debevc

Deus sabe como te xinguei. Deus, entre uma distração e outra, e meus amigos sabem como eu te xinguei. Tinha até um ritual, diziam eles (os amigos, porque Deus nunca se manifestou). No início estranhavam calados, mas o tempo foi escorrendo e eles passaram a fazer parte de tudo – penso que amigos de verdade são mesmo essa espécie de cúmplice calado, mesmo na mais profunda reprovação - mas ninguém protestava. Ninguém estranhava a minha dor e nem o meu ressentimento. E aí tudo passou a ser meio como que uma rotina oficial quando eu passava pelos seus pedaços da cidade. A conversa no carro cessava, baixava-se até o som de algo que tivesse tocando. Com frio ou com chuva, noite ou dia. O vidro descia, e lá do canto mais magoado de minha alma vinha o grito mais primal e ofensivo que alguém no universo podia lançar contra você. O que era dito na verdade era o que menos importava. Valia sim a força dos meus pulmões. Contava (como se tivesse um júri sempre comigo) expurgar a raiva e a dor que você me causou. Um protesto esperado. Durante meses foi assim. Sempre. E o giro das rodas continuava, meus comparsas subiam os vidros, o volume do som e retomavam o assunto como se nada tivesse acontecido, apos os segundos de silêncio em que solidarizavam comigo. Entre homens, respeita-se o soldado caído. Protocolo triste de um apocalipse sinalizado.
Tudo seguia sua seca normalidade, até que numa noite no caminho de ida para uma das partes mais idiotas da cidade, nos aproximávamos de um dos seus redutos. Baixou-se o som. Fez-se silêncio. Desceram solenemente os vidros que davam pro seu mundo. E não se ouviu um suspiro meu. Minhas palavras de ofensa para você tinham acabado. E se não tinham acabado tinham cansado daquele exercício inútil. Dias depois, até comentaram o meu silêncio: – Ele nem gritou quando a gente foi pra parte mais idiota da cidade. Alguns nem acreditaram. Eu só sorri. Em silêncio como passei a viver meus lutos. Calado como é melhor ser quando não se tem nada de bom a dizer sobre alguém.

Tem Dia

Por André Debevc
Todo dia passo por uma moça que me lembra muito seu jeito, seu gosto e sua cor. Ela tem seu ar, sua pele e até seu jeito de desviar o olhar quase tímida quando se pega sendo admirada sem maior aviso. Tem dias que penso em colocá-la na boca, pra lembrar seu calor e relembrar seu sexo, mas aí lembro em como você me envenenou e mudo de idéia rapidinho.

segunda-feira, agosto 27, 2007

Prato Pronto

Por André Debevc

Dentro de todo pássaro voa uma libélula. Inseto devorado, prato pronto para fazer cócegas na barriga do pássaro e fazê-lo voar ainda mais alto.

sábado, agosto 18, 2007

Mais de Mil Segredos

Por André Debevc

Em um castelo no térreo, sem calabouços ou escadas, mora uma moça sem tranças com mais de mil segredos que atende secretamente por vossa palhaceza. Dela sempre quis se saber mais de mil coisas sem precisar fazer uma só pergunta. Até hoje só se sabe que dela não se pede beijo e nem coice se leva. E que privilegiado existe que conheça o cheiro de sua nuca. Mas só porque noite dessas de frio ela se distraiu entre uma piscada e outra de história que ela já sabia até de trás pra frente. É uma menina impertinente, dizem. Espoleta inqueita, admite que sofre o ônus da eterna indecisão, e aperta os olhos castanhos antes de seguir quase saltitante pra qualquer outro lado. A única certeza de que se tem notícia por aqui, grande reino cinza onde a moça habita, é que dela ainda há muito por saber. Desconfiam se ela teria sido uma menina que roubava livros, se perguntam se viveu cem anos de solidão ou se namorou James Lins. Morrem de vergonha em perguntar se teria ela achado seu mindinho, mas são doidos pra descobrir se passou por ritos na infância ou se é misteriosa assim porque guarda secretamente notícias de um seqüestro. A moça dos mais de mil segredos tem um quase muro de sorrisos e doce sotaque envolvendo seu reino secreto. Lá ela passeia livre, em família, dançando feito criança em boliches, com um coração imenso e quente que só quem vem láaaaa de um outro reino, província distante, pode ter. Mas grandes enigmas envolvem vossa palhaceza...Como se faz para que ela não represe seu beijo, ou me jogue a sua âncora de companhia em abraços? Qual será o segredo pro seu carinho? Existirá uma passagem invisível para doces amassos? Será que, mesmo quando dorme, tem as mãos frias? Será que ela faz bico quando sonha, ou fica de manha quando acorda sem hora pra se atrasar? A moça dos mais de mil segredos, vossa palhaceza: não gosta de pizza e gosta de verde. Mas será que um dia ela se distrai e se deixa gostar de mim?

quarta-feira, agosto 08, 2007

Enigma

Por André Debevc

Ela é um enigma. Mas se eu não a decifrar, ela também não me devora.

quinta-feira, agosto 02, 2007

Nem todo final consegue ser feliz

Por André Debevc
“Melhor uma dor com fim do que uma agonia sem fim.” Não, não esta frase não é de Sêneca e nem de nenhum outro filósofo ou pensador zen pregando o desapego. É uma frase de minha bisavó. Ou pelo menos é a ela que minha mãe costuma atribuir o dito. A velha dona Mariquinha, casada com um dos homens mais metódicos da Araguari do século passado (diz a lenda que as pessoas acertavam o relógio pela hora em que meu bisavô saía do trabalho para almoçar em casa), tinha razão. Finais – ardentes, insossos, trágicos, felizes, previsíveis – quaisquer sejam eles, são sempre necessários.

Histórias abertas são feridas que nunca cicatrizam. Produzem gente que vaga por aí com bolsos cheios de pontos finais nunca colocados, pessoas que tentam andar para frente olhando para trás. Gente que manca da alma e sente sempre um gosto estranho quando engole seco. E pensando nessa gente, lembro de um livro, que li ainda adolescente, com um nome muito sugestivo, desses que deixa claro o quanto finais são importantes: “Todas as histórias de amor terminam mal”. Já concordei e discordei do titulo mil vezes. Hoje só sei que toda história PRECISA terminar. Seja ela de amor, seja de ódio – indiferença não, porque indiferença não presta pra nada, e é analfabeta de pai e mão pra falar bem a verdade.

E não sei se é a época do ano, cheia de finais de temporada na tv a cabo, ou se foi a minha amiga Marina (www.lebalmasque.blogspot.com) charlando com o assunto, mas sei que nestes dias, finais, começos e arquivos mortos emocionais pairam sobre a minha cabeça. Penso, peno, penso e lembro de finais que vivi e uns que vagam sem fecho por aí – cheios de coisa pra dizer que nunca serão ditas e cheios de silêncios por fazer que nunca serão feitos. Como eu gostaria de tê-los vivido...estaria menos fragmentário, eu acho.

Somos personagens eternamente em construção. Frutos de cada história, levemente alterados a cada final. A canalhice cometida com alguém que você amava, o amor que não soubemos corresponder, a paixão errada, a dor de ter sido trocado, a mágoa de ter sido deixado, a alegria vingativa (e sem nenhum porque) de deixar, o reencontro que não significou nada, enfim tudo modifica imperceptivelmente e para sempre quem somos de um jeito ou de outro.

Fins, afins, sem fins, ser-a-fim. Me ocorre agora como não querer que algo tenha acabado é completamente diferente de não querer que tenha tido um fim. Eu já quis que as poucas coisas que amei de verdade nessa vida nunca acabassem, mas acho que sempre soube – inundado de melancolia e borboletas nucleares no estômago - que todas precisavam, alguma hora, ter um fim. Mas nem todas tiveram esta sorte.

segunda-feira, julho 30, 2007

O Fim das Lacunas Vazias

Por André Debevc

Vamos preencher as lacunas, colocar o passado pra dormir. É hora de esquecer tudo que vivemos até agora, suspender lembranças e lambanças emocionais e começar do zero. Pode levantar da cama hoje resolvida, limpa, zerada. Pronta para escrever novas páginas de uma história que escolha só a minha melhor presença. Vamos celebrar a ausência de fantasmas. As mágoas estão todas suspensas, os velhos vícios de saudade estão todos curados. Já é hora de deixar o passado dormir. Deixar tudo que veio antes fazer sua sesta, sonhar pra sempre as mil maravilhas de ser pretérito, de delirar ter sido perfeito. O momento, você bem sabe, é de ocupar com alegria o que andava, por escolha nossa sim, até tranquilamente desocupado. É hora de entreter espaços antes vazios com os primeiros raios de promessas que já vêm formigando no horizonte. A história que chega tem final feliz, e logo no primeiro parágrafo, onde artesãos e estetas confeccionam protagonistas, tem duas lacunas perfeitas esperando o recheio muito mais do que merecido: os nossos nomes.

terça-feira, julho 17, 2007

Envelope Errado

Por André Debevc

O tempo trai e distrai. Tira de foco a dor que a gente acha que não vai passar nunca. E quando a gente acha que o corte virou cicatriz, organiza a casa e acaba abrindo um envelope pardo errado. E vendo fotos e lendo coisas que escrevi há milhões de anos, descobri que te amava muito mais do que eu podia lembrar.

segunda-feira, julho 16, 2007

Repetição (em apenas 150 toques)

Por André Debevc

Velhos nomes acenam novas promessas. Safra fresca de sorrisos na volta pra casa, onde o dia raia o horizonte e a esperança sobrevoa a cabeça.

O Prisioneiro

Por André Debevc

Agora você já tem um nome, bem eterno que só mulheres e estrelas carregam. E eu já tenho o que balbuciar em sonho. Já tenho o que sonhar balbuciar acordado. Já posso dizer aos quatro ventos que te quero, se te quero, como quero - juro que ainda não decidi. Você agora carrega um nome que te protege, capa que te faz irreconhecível, escudo invisível contra a insensibilidade e a rotina que deixaram de brilhar quando ouviam a sua voz. Mas relaxe moça, você e eu estamos salvos. Começamos a conjugar esse tempo onde você já pode me mandar beijos na boca, pode até de um jeito quase silencioso brincar um pouquinho de louca e me confessar mais que uma fantasia. Quando quiser, você já tem a sua alforria para me contar sonhos, desejos e todas as mais secretas vontades. Você está livre para narrar e viver todo um paralelo, assim até tangível, e unicamente nosso. Sem proibições de beijos ou impedimentos para uma tarde toda dedicada a cheirar somente a sua nuca. Agora que você fez sua senha, venha doce Lisbela. Brinque um pouco de eu te deixar sem palavras, te encontrar com beijos na boca, te encher de suspiros e sorrisos. Você está segura nesse quase anonimato. Nada aqui no meu peito, único lugar onde você atende por este nome, nada pode te machucar. Para proteger seu nome me fiz prisioneiro. Refém de um cheiro e gosto que ando louco para saber até de olhos fechados.

sexta-feira, junho 29, 2007

Segundos idiotas

Por André Debevc

nina simone canta
o carro preto acelera
um dia cinza
de asfalto molhado
e o coração seco
rachando os lábios
de cem tipos de silêncio.

o limpador vai e vem.
eu não vou,
você não vem.

mas uma saudade nem sei bem do que,
idiota, me fez pensar na gente.

Eu só sei

Por André Debevc

Eu não sei como eu sei. Só olho pra você e sei. E se continuar me olhando com essa cara de interrogação, vou ter que te responder com um beijo.

Jogado às leoas

Por André Debevc

Tonto e sangrando ainda pude ver
meu coração arrancado, pulsando na sua mão direita
quando aquela porta se fechou pra sempre.
Nos seus olhos,
a indiferença pensou em se esconder
mas percebeu que não ia dar tempo.
Foi a última vez que te vi.
tínhamos acabado de ser separados...
Mal tínhamos deixado o sábado
e agora era só uma questão de tempo
pra virem devorar o que sobrou de mim.

Eu estava de novo jogado às leoas.

Logo eu que criei uma religião,
com uma deusa falível, eu sei.
Logo eu que fiz do nosso amor uma nação,
com bandeira, hino e tudo,
logo eu acabei ali, deixado pra morrer sozinho.

Agora você se embriaga com sua trupe e sua liberdade
e eu engasgo na saudade um estranho desejo de nunca mais saber de você.
Tomara que as leoas me devorem,
quem sabe elas conseguem acabar o trabalho que você começou,
tomara que não sobre um pedaço de mim pra contar história.
Acabem logo com isso, me destrocem,
porque os dias têm sido cruéis demais
e não suporto mais esse coquetel de agonia e indiferença.
Você nem ficou pra ver seu estrago, menina.
Já tinha até esquecido que você só fica mesmo com o que precisa...

Jogado de um lado pro outro, entre mordidas e arranhões,
lembro que vou acordar intranqüilo e pensando em você. Dane-se.
O que dói mesmo nem é acordar com o mesmo buraco,
o que dói é lembrar que acreditei que fossemos um time,
que fossemos filhos da lua,
que achei que éramos mesmo um só
antes de até Zeus ficar com medo do nosso amor.

Codinome

Por André Debevc

te peço um codinome
pra te beijar em outro universo,
pra confessar o meu carinho
e ficar um pouquinho mais perto de você.

só te peço
um nome secreto
pra te libertar de tudo que nos impossibilita.
um segredo só nosso,
inofensivo e paralelo
que me deixe te pegar pela mão
e te mostrar uns versos e universos
onde você sorri mais perto
e me beija bem devagarinho

te peço um codinome
porque não posso te agarrar nem um pouquinho.

Seu futuro ex

Por André Debevc

Com o ar mais despreocupado do mundo ele vaga pelo universo. Três ou quatro respostas prontas no bolso costurado pela mãe, ele domina seis sorrisos diferentes fingindo não estar nem aí. Ele sabe que tem mais que merece, ele está ciente que é coisa de outra encarnação, mil karmas a seu favor, sei lá...mas ele também sabe que o relógio anda pra trás, subtrai momentos, reduz segundos, decepando lembranças de quando você sentia o vento da praia na cara, filtro solar 60 e seja o que deus quiser. Ele finge que não, mas sabe sem saber exatamente como que você e ele um dia vão ter um fim.

E aí sem saber bem porque, em alguns dias lindos ele amanhece ciumento e intranqüilo, como quem despenca do centésimo andar, como quem pisa apressado cercado de minas e incertezas. É um homem povoado de sombras futuras, do que ele viveu um dia, do que aconteceu e foi embora. O dia que raiou, inevitável e silencioso como a promessa de que tudo é passageiro. E ele coça a cueca no caminho do banheiro, e ele boceja no caminho da cozinha. Alguma hora tudo passa, ele pensa. Alguma hora a festa acaba. Aqueles olhos, aqueles traços finos e convidativos nos lábios inferiores, aquela cintura fina e os horizontes eternos em seus olhos...aquilo tudo tinha mesmo que se pôr, como o sol que morre fugindo do leblon e do pontal, como tudo que é prometido só com um quarto de vontade.

É um sujeito que já pensa muito menos nos seus olhos castanhos, seus dentes ordenados. Acabar é inevitável, ele sabe. Mas ele finge que não sabe. Ele tem oitocentas desculpas, e ele pede a ajuda do tempo, da família, de qualquer coisa que arraste a ilusão de vencer. Ele sabe que os dias estão desabando em cima dele feito uma onda de três mil metros, ele sabe que vai ser vencido. Às vezes ele se pega pensando nos seus olhos fitando outra boca, nas suas costelas se aninhando em outras mãos, sem promessas, sem viagens. Só com muito mais vontade de descobrir seu gosto, de decorar sua cor favorita, seu jeito de dizer que não, seu meio sorriso de olhar fugindo dizendo que sim. Ele anda falsamente despreocupado por aí.

Ele vaga acelerando pelas avenidas sem lembrar que seu sorriso merece mais, que seu peito acelerado não tem preço em moedas, e custa letras gestos e reticências. Ele quase não olha pros lados antes de furar o sinal e não lembrar que o suspense do que é novo fita sarcástico o primeiro beijo quente e mil vezes pensado. Olhos que se driblam enquanto as bocas ansiosas se mordem em câmera lenta. Peito descompassado, minha mão abraça sua cintura, traz sua coluna e arqueia suas costelas. Te quero inteira numa só rendição em suspiros mordendo minha orelha. Dizendo que há milênios eu tinha – mesmo calado – razão.

O beijo era esse. O cheiro era esse. O calor que te tira do sério era esse. Você dançando comigo entre mil pessoas, e esquecendo do mundo, me concedendo seu universo quente, se explodindo em milhares pra sempre. Seu sorriso na manhã seguinte como você nunca teve antes, seus olhos raiando pérolas e diamantes de acordar com, finalmente, o homem certo. Ah...nossa cumplicidade, nosso beijo. O beijo diz tudo. O fim sorrindo safado, prometendo futuros e planos. Ele nem desconfia. Ele nunca me viu. Eu te encosto meio sem querer e sorrio.

Eu te abraço e gargalho. Respiro fundo pra prender o que posso de você. O relance dos olhos. A sala repleta de desatenções e a gente se encontra. Sei sua mão nas minhas costas, te encho de olhos no descaminho do café. Nunca tomei tanto café...nunca fingi tanto não ver alguém.

Ah se ele soubesse. Vidas paralelas de quem há tempos não te quer como eu te quero. Universo estranho de quem, diferente de mim encontra seu cheiro em qualquer virada do lençol. Ele anda por aí com um ar mais reticente do mundo. E eu só queria ter certeza do que você não gosta de comer, de quando você nunca bebe e do quanto antes de dormir existe uma chance de você pensar em mim. Ele vaga por aí com o ar mais despreocupado do mundo. Seu futuro ex. Um cargo que já ocupei. Com outras mulheres, em outras histórias. E que agora quero viver com você.

quinta-feira, junho 21, 2007

Saídas Sumidas

Por André Debevc

quero afastá-la de mim mas me falta força,
quero agarrá-la para um beijo mas me falta coragem.
tenho sorrisos, palavras, tenho abraços curtos e algumas piadas,
tenho, talvez, até um bolso cheio de boas intenções...
só não tenho uma saída,
só me falta uma mísera saída heróica e real
para cada vez que a gente fica perto o suficiente para arriscar alguma coisa.

Lembrança Latente

Por André Debevc

penso em você mais do que devia
penso em você mais que podia
penso em você muito mais do que gostaria

se esqueço e penso pouco
só acontece umas vezes todo dia

somos pretérito imperfeito
e meu peito ainda conjuga você no presente,
mesmo quando não há mais “a gente”.

sei que penso em você...
já não deveria.

Cometa Paralelo

Por André Debevc

com meia dúzia de palavras te deixo completamente nua.
e não importa a avenida,
e não faz diferença a multidão letárgica...
te dispo de tudo sem nenhum receio,
e você morde o lábio inferior devagarzinho,
você desvia os olhos catando no chão alguma coisa pra cobrir sua alma.
é uma mulher sem palavras de efeito ou planos de fuga
o rosto ficando rosa, pupilas dilatadas
um riso nervoso
e o coração batendo na garganta
a falta de uma boa desculpa para correr dali sem olhar para trás.
somos um momento exclusivo onde o resto do mundo não palpita,
e tudo que você quer é que um carro buzine
que um celular toque
que alguma coisa no sistema solar te desvie
antes que você beije a minha boca
antes que você entre sem volta no meu campo de gravidade
e jogue toda essa sua normalidade pro espaço.
mas o ponteiro dos segundos acorda e pula,
a lucidez veste covardia
e balbucia alguma coisa ininteligível no seu ouvido.
o universo lembra o próprio destino e volta a se expandir
agora com um beijo suspenso
ricocheteando em galáxias distantes
passando feito cometa no céu de um lugar paralelo
onde te deixo nua e louca por mim
sem precisar de uma só sílaba.

sexta-feira, junho 15, 2007

Festa Junina

Por André Debevc

Quis rasgar todas as fotos deles juntos para fazer uma fogueira. Mudou de idéia. Qual a graça de ver um cartão de memória arder no fogo?

Louco Pelo Seu Beijo

Por André Debevc

Acordei com uma vontade louca de beijar você. Te encher de beijos curtos, depois perder um tempo quase absurdo com beijos longos, mas antes quem sabe, te ver dormir um pouco no quarto ainda com preguiça da luz da manhã que se arrasta blasé por entre as persianas. Você em paz ali, só de calcinha e camiseta velha, descansando assim de ladinho com a boca meio aberta e um sonho feliz na cabeça. Acordei com vontade de viver um dia pra te ver se espreguiçando ainda dengosa e me mandando um beijo e um com sorriso antes de me dar bom dia. Um daqueles dias perfeitos pra te ver andando descalça pela casa com os cabelos soltos e um copo com nescau demais na mão. Te ver folheando qualquer revista, pulando em cima de mim quando eu me distrair e me enchendo de ordens e beijos com seu bom humor sarcástico. Um dia pra gente ficar junto sem precisar resolver nada. Um dia pra ficar de bobeira, com um tempinho no sol talvez. Você com a mão na minha perna – que você tanto ama – e eu atento como um felino, revistando com os olhos e a alma o seu corpo pra me apaixonar de vez por qualquer detalhe que te defina, como uma pinta, uma cicatriz ou quem sabe até uma celulite. Acordei morrendo de vontade de olhar dentro dos seus olhos, de sentir o seu calor, de visitar cada traço dos seus lábios e beber do cheiro que só você tem no colo e nuca. Ah, que vontade de te puxar mais perto, te segurar daquele jeito que você adora porque te deixa louca e te faz ter certeza de que você é minha. Levantei da cama hoje pra sentir a parte mais quentinha da suas coxas e ser surpreendido pelo seu lado mais safado. Quero andar de mãos dadas até que o mundo todo feche e sorrir em silêncio no caminho de casa quando você cair no sono no carro. Acordei com uma vontade imensa de ter você pulando em cima de mim, me dizendo o quanto você me ama, me perguntando se sei o quanto eu sou sortudo e prometendo que a gente vai ficar junto pra sempre. Saudade de você, moça. Saudade de viver eu e você. O problema é que eu ainda não sei seu nome, não conheço seu rosto e nem quem você. Mas sei que a gente vai se encontrar em breve. Está escrito há três mil anos como dizia Nélson Rodrigues. Aí não se assuste se eu te perguntar: - será que eu já falei que acordei louco pra te dar um beijo?

Sem Velhas Traições

Por André Debevc

Ando cansado. Das mulheres erradas, das noites vazias, das madrugadas caras e crepúsculos ébrios. Cansado de abordagens planejadas, da caça sem recompensa ou sorriso no dia seguinte, do telefone sem rosto anotado no celular. Da intenção escancarada antes mesmo de sair de casa. Ando cansado de falar da boca pra fora, de não querer fazer força ou ter alguém pra pedir pra ficar. Ando esvaziado, de motivos pra passar a noite e acordar acompanhado, de sorriso no espelho e de histórias que não tenham deixado algum tipo de decepção ou mágoa. E quando debruço os olhos abatidos sobre a metrópole, encontro um reflexo cinza e triste. Sou eu voltando pra casa no meu corcel negro, imerso em insulfilme e músicas do Dashboard Confessionals. Silêncio na alma, buraco assombrado no peito e luzes azuis do painel refletida nos olhos. Vida que segue com esse maldito cheiro de cigarro na roupa. E no lugar que ficava o coração, uma vontade imensa de amar e nunca me trair de novo.

terça-feira, maio 29, 2007

Palavras reféns e beijos também

Por André Debevc

do outro lado da sala ela só precisa de um sorriso
para sequestrar todas as minhas palavras

aí desvio os olhos
engulo seco
finjo entregar minha atenção a qualquer outra coisa
na tentativa de resgatar um pouco da razão
que caiu no chão junto com o coração
segundos antes

e conto até dez
quando consigo lembrar dos números,
e respiro fundo retribuindo o sorriso
escondendo toda minha sinceridade
por trás da minha simpatia inofensiva

e aí do outro lado da sala ela ajeita o cabelo
e me olha assim de lado
e dá de novo, quase em camera lenta, um só sorriso
e eu que já nem tinha achado as minhas palavras
passo a não pensar em mais nada,
só em beijos que acho que nunca vou poder dar

terça-feira, maio 22, 2007

Estranho Isso

Por André Debevc

Estranho isso de sentir saudade da noite ainda não dormida. Da viagem que nunca foi feita. Do jogo nunca visto. Do milésimo beijo que nunca foi dado. Das mãos se achando no escuro do filme não assistido. Da discussão nunca tida. Do presente jamais recebido. Estranho isso de sentir falta da declaração de amor que nunca foi feita. De um dia perceber o coração batendo mais rápido. Do olhar de cumplicidade ainda sem data pra nascer. Da ligação nunca discada. Da entrega total e feliz de corpo e alma. Estranho isso de estranhar o silêncio online. Os dedos hesitantes no teclado e a bocas que se procuraram tão menos no último encontro. Chato mesmo é isso: de sentir saudade de você e da idéia de tudo que poderíamos ter sido.

terça-feira, maio 15, 2007

Uma vida sem troféus (em 150 toques)

Por André Debevc
Desejava-a intensamente como tudo. Menos troféu. Tivesse uma noite – e não a eternidade - usaria a casa toda com ela. Tirando a estante, claro.

quarta-feira, maio 09, 2007

Meias sílabas perdidas

Por André Debevc

Meias sílabas ricocheteiam pelo quarto ainda zonzas procurando suas respectivas metades sem saber que horas do dia já são. Ensaios de fachos de uma luz difusa, onde a poeira dança sem pagar ingresso pelo show, invadem o ambiente pela persiana esquecida pelos anos. Talvez seja o sol, pode ser que seja apenas o neon de alguma espelunca qualquer aí em frente, mas quem se importa. Almas vestidas de suor e tesão convocam todos os sentidos pra melhor das batalhas: a que se dorme, acorda e se enrosca no inimigo. Uma dança carnal onde só descansamos recuperando o ar quando quem vence, às vezes, é o cansaço. Maratona de pernas, saliva, horas e dois vencedores. Você me engole sorrindo, me entrega todos os lábios arquejos e penugens que já pensou ter. Testa a resistência das suas pernas, nossa elasticidade, a minha força. E continuamos sem desperdício ou reticência. Um ritmo desritmado, alterando tudo pra que não percamos nada. O calor dos seus beijos, a alegria mais do que morna que escorre pelas suas pernas. Nossos cheiros e sucos inundando o colchão surrado sobre a cama que range e bate todos os pés, morrendo de inveja das paredes, móveis e dos nossos improvisos. Estamos em todos os lugares, de todos os jeitos. Seus dentes no meu ombro, minha língua passeando milhões de vezes pelos seus peitos. Olhos que se cruzam, sorrisos quase sem ar que se reconhecem e se revelam em milímetros de segundo de distância. Mais beijos, mais línguas. Ah, quantas línguas. Fico louco quando você me mordisca a orelha e te agarro pelos cabelos ali pouco acima da nuca. Quero mais é beber desse seu suor ofegante. E entre espásmos e ordens você até tenta me render umas duas ou três sílabas, mas tudo que espoca da sua boca são letras soltas, agarradas umas nas outras, fundidas num só som ininteligível. O ar que você expulsa, sua meia tentativa de pausa olhos fechados e o seu ventre vibrando em quase contrações. Me aperta forte, vai. Me aperta. Fecho os olhos pra poder ir mais fundo, agora já não tem volta. Pede mais, pede. Me dá a mesma ordem mil vezes sem uma palavra. Vamos juntos. Me aperta mão, me arranha as costas, me trava dentro de você até o fim. Agora explode, arqueja, perde a noção de tudo por bem mais que o espaço de milhões de hífens. Morde os lábios. Respira. Sorri. Respira um pouco mais. Fecha os olhos. Me abraça e, ao invés de outra meia sílaba órfã de metade, me diz que ainda é só o começo.

Quarto Amarelo

Por André Debevc

no teu quarto amarelo
tuas coxas perfeitas
querem me deixar vermelho,
mas roxo de desejo
nada vejo quando te puxo
te trago te beijo desviando fácil
o último pano que te cobre

e é quando você se abre
me aperta me sobe,
recebe e consome

e no teu quarto amarelo,
você arfante eu mais que quente,
nos cravamos os dentes entre espásmos
e você de repente aperta o laço
que me dá com as coxas
jogando meus sentidos pra longe,
pra onde sua calcinha branca
deita molhada e torta
desde o seu primeiro sorriso
quando entrei mal intencionado e duro
por aquela porta que nem nos incomodamos em fechar.

quinta-feira, maio 03, 2007

Inocência zero

Por André Debevc

Finjo bem na minha cordialidade mansa, de cumprimentos sem maiores contatos, mas com você eu não tenho um pensamento puro. Nem um pra contar história e fingir que sou esse cara bonzinho que algumas línguas nem tão más assim queriam espalhar por aí, só pra acabar de vez com minha reputação. Zero. Nada. É só você atravessar meu caminho sorrindo com a boca, ou com os olhos, que partimos para uma dimensão onde todo mundo some e só sobramos nós. Nós e cada vez menos roupa - que só não some por completo pra podermos ter o que puxar e agarrar frenéticos entre amassos e segundos educados com alguma pretensão de hesitação, logo esquecida, quando a temperatura sobe pra valer. Nesta nossa dimensão não existe nada nem ninguém que nos impeça de qualquer coisa. Te beijo, você me morde. Te derreto na boca e você só pede mais. Rasgamos a noite e atravessamos o dia feito dois animais. Frações de segundo na tarde que cai. Carne e química. Cheiro e pólvora. Inconsequência e impossibilidade. Curvas pêlos cheiros e fluídos proibidos aqui na terra de agora que se encontram e reagem incandescentes quando a gente se encontra quando te vejo passar. Imagino seu outro lado que nesse mundo ninguém conhece. Desvendo a força das suas coxas, o calor de seus contornos e a embriaguez de seus lábios. Rendo minhas orelhas pros seus sussurros, ordens e mordidas.
Com você eu não tenho nenhum pensamento puro. E de algum jeito quando nossos olhos se cruzam, sei que você sabe disso há muito tempo.

quarta-feira, maio 02, 2007

O que vem depois

Por André Debevc

Ele gosta de banheiros grandes e lugares de pé direito alto. Sujeito tranquilo, costuma dizer que luas cheias e noites sem nuvens dão vontade de uivar e lamber uns pescoços e peitos por aí. O jeito que ela o beija quando bebe e o time do Fluminense o tiram do sério, só de que maneiras completamente diferentes. E tem dias, em que gosta de pensar nele mesmo como o espaço que respira entre parênteses – cheio de coisas que se pensam mas não se dizem em voz alta. Beijos, queijos, vinhos e amassos. Bom mesmo é fugir quando a tarde cai, entre gargalhadas e dados, amigos distraídos. Aumentar o calor no quarto, suar no frio. Voltar com a alma lavada, o corpo suado e a cara deslavada de quem ficou nu e sapeca, pelado enchendo a cara do cheiro e das interjeições dela. E morreu pra nascer de novo, alegre na goteira aberta no telhado que cobre penugens claras, beijos curtos de quase adeus e sorrisos longos. Mas ele gosta mesmo é de beijos longos, tirar um ronco na rede depois do almoço, fotos pra lembrar que foi feliz; e de um dia pra guardar pra sempre. Até porque, no seu otimismo quase restaurado, o pra sempre - assim como o futuro – ainda vem por aí.

Erro do Passado (em apenas 150 toques)

Por André Debevc

O amor por ela era tão grande que a primeira coisa a que renunciou foi ele mesmo. Cúmplice, ela não fez menos: assim que viu, abriu mão dele também.

segunda-feira, abril 23, 2007

Hoje não

Por André Debevc

hoje não te vejo não te beijo nem te acordo
hoje não te olho não cheiro nem te encosto
hoje é dia de mãos órfãs braços vazios e boca seca
hoje é noite de rolar quilômetros acordar mil vezes
tatear o vazio onde você dorme toda vez que fecho os olhos

hoje o único sinal de você
é essa dor aguda embaixo de alguma das minhas costelas canhotas.

sexta-feira, abril 20, 2007

corre

Por André Debevc

corre menina. corre como se você tivesse atrasada corre como se fosse fugir da chuva corre como se tivesse que atender o telefone corre como se não tivesse amanhã corre pra dar o ultimo beijo corre sorrindo sabendo que tão olhando corre sabendo que você não vai chegar corre porque já não dá mais tempo corre pra entrar de vez na minha mente corre porque já não vai dar mais pra segurar o mundo em slow motion pra eu nunca poder te alcançar. menina, corre.

quinta-feira, abril 12, 2007

Perto Dela

Por André Debevc

perto dela
acho até
que
meu peito
bate mais
devagar

como esperando sempre
um olhar ou um gesto,
uns pontos de reticências no ar
pra eu me agarrar e poder
acordar o grande resto que imagino
a cada vez que eu a olho
como se não tivesse olhando

perto dela
às vezes
acho
que meu peito
vai
parar

ansioso
por um momento de distração
e uma resposta
assim como um meio sorriso rendido
para a pergunta que nunca fiz

perto dela
meu peito
às vezes acha
que já é dela

será?

terça-feira, abril 03, 2007

Aos Poucos

Por André Debevc

meço palavras
analiso gestos
ensaio carinhos
cedo sorrisos

peço beijos
só quando não resisto

confesso saudade
só quando não aguento

é tudo novo
é tudo diferente
nessa distância
nessa coisa da gente

pra você tenho
milhões de esperanças e gestos
que liberto aos poucos
quando te vejo

pra nós finjo
que não tenho planos nem beijos
a cada noite que o buraco da sua ausência
me lembra que ainda não te tenho
por inteiro

segunda-feira, abril 02, 2007

na terra da vontade

Por André Debevc

fica aí na impossibilidade,
na terra da vontade tudo fica mais perfeito

planta seu sorriso
seu peito
sua sinceridade
onde a vida cresce mais bonita
e quase sem maldade

se esfrega em mim de mansinho
pega em mim um pouco mais
fala baixinho pra ter que chegar mais perto,
e me laça com seu cheiro só um pouquinho
porque a vida que a gente não vai ter
acenou indo embora e já se desfaz…

sexta-feira, março 30, 2007

dorme

Por André Debevc

dorme
na luz laranja
que invade o quarto
assim de lado,
seus sonhos se esparramando
na cama entre os lençóis e
cabelos em ondas
enquanto você
descansa mansa
e quase sorri

dorme
nessa manhã
sem roupa sem medo
o corpo dourado
ancorado ao meu
no melhor sono acompanhado
de todas
as minhas estórias

acorda
lenta e linda
suspira fundo
e me beija o peito
antes que o mundo volte a girar
antes que a vida dê um jeito
de voltar a bater
enquanto as nossas bocas ainda
se encontram de olhos fechados
e coração aberto.

Acrílicos

Por André Debevc

Na primeira vez que me viu, ainda recém-nascido, meu tio Farnese me olhou em silêncio por uns instantes. Homem de poucas palavras, e ainda menos sorrisos, ele disse à minha mãe, me vendo dormir no berço: - tem que colocar no acrílico. Minha mãe olhou pra ele meio que sem entender e antes que ela perguntasse, ele explicou: - uma coisa perfeita assim tem que ser posta em acrílico para ficar preservada. Era o jeito dele dizer que certas coisas precisam ser eternizadas, da sua forma mais crua. Sem que a humanidade e o tempo possam vir a corromper pra sempre e de uma forma irreversível algo que comprovava, muito a contragosto dele, a existência de deus.

Eu que passei a vida achando que meu soturno tio artista não gostava de nada, a não ser de gatos de rua, pão-de-queijo e ficar sozinho, sorri quando soube que eu, seu sobrinho-neto, tinha merecido tal comentário. Ele não gostava muito de criança, mas gostava de você, disse minha mãe. Mesmo anos depois, ao me ver correndo pela casa de minha avó com meu então inseparável sorriso no rosto, meu velho tio teria sorrido – mais com os olhos do que com a boca, como eram os poucos sorrisos dele – e teria lembrado: - alguém tem que colocar esse menino no acrílico.

Hoje vejo a vida meio assim. Certos momentos, palavras e até olhares deveriam ser eternizados em acrílico. Congelados no tempo e preservados pra sempre aos nossos olhos como nossa memória guardou o que vivemos. O instante onde tudo valia a pena. O milésimo de segundo onde a única coisa que temos é a certeza da felicidade. Da perfeição. O quadro congelado, um frame somente que resume toda uma história, que guarda o que alguém é pra nós. Eu te amo. Eu estou feliz. Eu poderia ser assim pra sempre. Você bem que podia ser assim pra mim pra sempre...

Todos nós temos nossa coleção de peças com acrílico envolvendo para sempre lembranças, pessoas e até sentimentos. Acrílicos guarados no peito. Acrílicos com o que valeu a pena e com olhares que nunca vamos deixar a vida levar da gente. Olhares como os do meu tio Farnese. Um mestre na arte de capturar para sempre um momento dramático.

quinta-feira, março 15, 2007

Notícias de longe

Por André Debevc

meu coração ligou não sei daonde
e avisou que está voltando.
não disse como vem
e nem se é de vez,
mas falou que está chegando.

não contou se vem sozinho
vazio ou transbordando.
que surpresa esse sujeito estará me aprontando?

na verdade não importa,
não é pra isso que tô ligando.
sei que meu peito pensou em voltar a bater
e o que menos importa é quando.

Simples de ler

Por André Debevc

Nunca achei que fosse um cara difícil de ler.

Meu sim normalmente é sim. Meu não, categórico ou precedido de uma certa hesitação, é não. E meu distanciamento é uma tentativa bem intencionada de não entrar em rota de colisão.

Quando eu quero, vou atrás ou chego na frente. Em dúvida – e todos nós temos o direito de tê-las - aguardo. Não sou homem de reticências. Prefiro pontos finais. Pra acabar, pra começar a frase ou a fase seguinte. Sei que é complicado isso de sincronizar relógios. Mas cada um tem seu tempo.

Não sou um engima. Ando sincero e simples como não andava há séculos. Preto no branco, essas coisas. Ando respeitando meu coração. Principalmente quando ele não faz questão de se meter na conversa.

quarta-feira, março 14, 2007

Amar errado

Por André Debevc

Atire a primeira pedra quem já não amou errado. Largou a pedra, né? Pois é, todos nós já o fizemos. Todos nós já amamos bem errado. Amar errado não é exceção, é a regra. Só assim a gente aprende, só assim a gente sofre. E cresce. Aquela menina linda que você amava tanto e com quem queria passar o resto da vida, aquela mulher cheia de vida e planos que você achava que iria te fazer um homem melhor, e até mesmo a paixão adolescente que fez você passar sua primeira noite em claro. Amores errados. Todos eles. Se você olhar bem, vai entender porque.
É difícil é entender as regras do amor. Só com uma coleção de cicatrizes e um punhado de mágoas e amores mal resolvidos que entendemos algumas verdades. Aquela coisa de que os opostos se atraem é uma enorme besteira, por exemplo.
Opostos se distraem e os dispostos se atraem, isso sim. Não se ama duas vezes a mesma mulher. Não se entregue demais a quem acredita ou adora coisas muito diferentes de você. Dê mais valor a quem te faça rir, essas coisas. Moças fingem que amam. Mulheres fingem orgásmos. Importante mesmo é saber reconhecer essas criaturas. E fugir das duas.
Amar em si não é o problema, é coisa que dá e passa. É coisa saudável, que às vezes nos destruir pra começar do zero, mas faz parte. O problema é amar errado. É olhar pra trás e reconhecer que vocês nunca olharam na mesma direção. E amar errado dói. Dói depois. Dói perceber que você investiu em uma relação fadada ao fracasso.
Então, meu camarada, se você desconfiar que não está amando certo, saia fora. Pratique a quase impossível arte de acabar bem, de acabar na hora certa. É um favor que você estará fazendo para sua vida inteira – e não só um gesto louvável de cavalheirismo. Porque talvez ainda dê tempo de se salvar. Talvez ainda dê tempo de conseguir não trair a você mesmo. Pode ser que seja o último lampejo de lucidez antes que seja tarde demais pra alimentar algum tipo de ressentimento, seu ou dela. Se faça esse favor. Não fuzile a esperança ou semeie fantasmas. Deixe espaço para o que vem depois.
Até porque quando a gente reencontra a esperança, aquela guardada numa gaveta que tínhamos perdido junto com um relacionamento que se foi, entendemos que ela ainda é um dos grandes combustíveis do amor. Nos transforma novamente numa folha em branco. Por isso a nossa teimosia, pela chance de um novo começo. Uma folha em branco pode ser qualquer coisa. Até mesmo feliz. E numa hora dessas não é que o medo de amar errado suma. Ele, frustrações, sucessos e amores que quase deram certo sempre vão existir. Mas desta vez vai. Desta vez, vai.

terça-feira, março 13, 2007

Encontro de fim de tarde

Por André Debevc

Essa tarde de sol que morre lilás quase com trilha sonora no horizonte à direita de ipanema me faz querer fugir com você pra outro lugar. Um lugar com o mar calmo de noronha no inverno e uma cabana de madeira só pra nós dois. Uma choupana com uma rede na sombra onde nem lembraríamos que um dia pensaram em trancar o tempo em dias. Um canto nosso, de brisa e tranquilidade onde eu levaria todos os milênios do mundo te lambendo lento como você fosse uma manga, carnuda como suas curvas exatas e suculenta como seus beijos de duração perfeita. E já te vejo, de cabelos ainda secando ao vento, sorrindo quase letárgica, olhos semi-cerrados pela claridade. A alça do vestido te escapando o ombro esquerdo revelando um princípio de marca de biquini. Os dentes perfeitos alinhados na boca inquieta e um olhar de quem acabou de deletar todo o resto do universo pra sempre. Sua mão direita se fechando em torno do meu braço, me pedindo um beijo, enquanto sua outra ajeita os cabelos que cismam em beijar seus lábios antes de mim. Ah, tarde de sol lilás à direita de ipanema. Se não prestar atenção por onde ando acabo atropelado na ciclovia. Bem que podia ser por você.

Brincos e lembranças órfãs

Por André Debevc
Reduzo a velocidade e com uma mão tateio aquela parte da porta do carro, que um ou dois amigos me deixariam chamar de console, em busca de troco pro pedágio. No mp3, a gaita da versão de Catherine Wheel para Wish You Were Here ilumina o asfalto com chuva na volta à metrópole. Papel, caneta, fragmento de folheto imobiliário, moedas de um centavo (odeio moedas de um centavo), um brinco. Pago o pedágio com a nota que tinha no bolso, agradeço à atendente de nome composto pelo sorriso frio pelo troco, fecho o vidro e tchau. Primeira. Segunda. Três músicas depois, o primeiro flash, ainda meio embaçado de que raios aquele brinco está fazendo ali. Volto a tatear com a mão esquerda e acho a argola. Mais pra grande, mais pra dourada. Como é que foi parar ali?

Triste isso de um brinco só. Órfão. Incompleto. Tipo de coisa que nasceu pra vir em pares, como juras de amor, peitos e atenção de mulher que te ignorava até que você finalmente sossega e começa a namorar. Onde andará a outra metade do par? E mais importante: - de que orelha terá saído? Agora perdido, não tem ao menos uma tarracha, que dirá uma resposta.

Mais uns quilômetros de silêncio e chuva e me vem um dos meus últimos beijos, ou melhor, o primeiro de muitos que levariam a meus últimos beijos com aquela mulher. Aquela que eu só ousei chamar por um apelido diminutivo e doce, mas tão impessoal que nem me surpreenderia se ela não respondesse. Um caso de amor fugaz, destes tão impossíveis e rápidos, que dá até pra dizer que terminou na hora certa. Antes do amor deixar de ser razoável, antes de brotarem as neuroses e enquanto ainda existe generosidade e não ódio ou palavrões balbuciados a cada vez que um virasse as costas.

Acho que era com esse brinco mesmo que ela estava naquela noite em que começamos a dizer adeus. Por um motivo qualquer da vida, parece que eu sempre acabo (ou começo, depende de como se vê) com mulheres com brincos desse tipo, sei lá. Tantos beijos e amassos encostados contra a escada, dançando mergulhados um nos olhos e boca um do outro que não podia mesmo acabar de um jeito diferente. Lembro agora de uma vez, tomando sorvete no fim de um domingo despreocupado, dela dizendo que vivia perdendo brincos. Ela me disse isso mais de uma vez, mas essa foi a última em que ela me disse isso e sorriu também dizendo que tinha decidido começar a achar que aquilo ali era sinal de sorte. E vai ver nossa sorte foi essa: a de acabar na hora certa o que nem oficialmente tinha começado mas que já tomava nossas vidas e viagens curtas de final-de-semana.

Tivemos bons momentos, aquela moça e eu. Uma intimidade rápida e tão cúmplice que duvido que ela consiga passar na frente de uma certa pousada sem lembrar de mim e sorrir em silêncio. Nosso último beijo foi nesse carro, exatamente um mês depois de não conseguir nem trancar as portas na saída de uma festinha que tinha começado inocente como um chope no Baixo Gávea. Ainda com a calcinha embrulhada na mão esquerda, ela sorriu, me pediu que ligasse quando chegasse em casa e me deu um beijo bem aqui neste banco. Agora quem sorri sozinho sou eu.

Uma paixão que vale lembrar. Um amor que me traz saudade e não mágoa. Raro eu sei. Ela também é. Ela sabe disso. Quanto a mim, bom, eu não sei se a vejo de novo. Não sei se ela já deu por falta dos brincos ou se depois de uma noite mais fria ela acorda com saudade do meu peito e abraço quente. Não é tão difícil assim que eu não saiba a resposta certa. As certezas que carrego na vida são poucas. Sei que quando chove não tem blitz e que quem vive no passado está morto. O resto não importa. Nem mesmo de quem realmente são estes brincos.

Outros dentes

por andré debevc

hoje vou dormir com saudade dos seus peitos,
minha boca rastreando pintas curvas auréolas
minha língua te varrendo macia
as mãos puxando segurando esquentando,
seus cabelos entre meus dentes
aquele cantinho atrás da orelha
onde você esconde seu cheiro
as coxas grossas me apertando
a cicatriz do seu joelho,
eu voltando pra casa
em cada um dos seus espásmos.
O caso de amor
da sua virilha e minha barba mal feita,
você em cima de mim
me rendendo o mamilo
rindo achando que tava no controle.
vou dormir hoje com saudade dos seus peitos
vou acordar no meio da noite lembrando do seu calor
e de cada uma de suas interjeições e meias síliabas,
vou rolar na cama sem seus beijos
ou sua mão abrindo a minha calça.
hoje vou dormir com saudade dos seus peitos
que você me esfregava assim,
que diziam me amar tanto
e que hoje não mandam nem lembrança.

amanhã vou acordar com saudade dos seus peitos
que já devem ter se perdido em tantas outras bocas,
que nem reconheceriam a marca doce dos meus dentes.

Esqueçam as portas

Por André Debevc

Hoje não quero nem saber. Vou sentar de costas pra porta. Sem vigiar se você vem ou se passa. Vou esquecer que um dia te esperei demais e vou beijar na boca com sinceridade e alívio entre um sorriso e mil outros. Hoje eu vou ser feliz como já devia ter voltado a ser a mais tempo. Hoje a porta e meus guarda-costas que se danem. Que meus cães farejadores se distraiam com qualquer outra bobagem facilmente mais entorpecente do que sua presença esvaziada, esse espectro distante de alegria de alguém que um dia já precisou de bem menos platéia. Hoje não quero nem saber. Esqueçam as malditas portas, todas elas. As que bati, as que fecharam na minha cara, as que escancaro só com um suspiro mais fundo e um sorriso mais cínico. Nem se todos os meus fantasmas entrassem neste momento com todo o arsenal do mundo, conseguiriam me derrubar. Hoje eu sou o dono desse lugar. E agora vou celebrar com saliva e uma nova deliciosa nuca na boca todo o movimento de entra-e-sai debaixo daqueles batentes dessa minha nova verdade - Aí sorrio sozinho e lembro que um dia achei que fosse morrer como Pushkin, de coração rachado. Mas aí lembro que não sou o poeta russo, e quem passou jamais seria poderia ter o papel de Natasha. Que bom. - Vou celebrar sem chope, distração rasa ou promessa contundente esse coração no peito, esse calor úmido e ritmado na boca. Beijos que me fecham os olhos mas não me suspendem o sorriso. Beijos que me colocam de costas para sempre para a porta por onde quem amei não vai entrar nunca mais. Já não era sem tempo.