segunda-feira, dezembro 20, 2010

...melhor...

Por André Debevc

Ele não sabia, mas sim, aquele abraço era uma despedida. Soubesse, teria a beijado naquele carro parado na rua como quem vacila ainda sem a certeza de querer mesmo ir embora. Ele teria reunido num só beijo a vontade do primeiro e o desespero de quem sabe só ter um ultimo beijo para dar. Teria apertado a mão dela e olhado fundo naqueles olhos como nunca pode fazer antes. Mesmo na rua porcamente iluminada ele miraria dentro daqueles faróis e abriria sua caixinha de sinceridades, guardadas a sete chaves, pra que ela visse que a falta de racionalidade e consequência dele não eram apenas reais. Eram profundas. Cicatrizes de uma outra vida onde ele tinha pensado muito menos e vivido muito mais. Antes. Muito antes de terem que costurar seu coração remendado de volta ao peito. Antes deles – cada um do seu jeito e no seu tempo - terem virado tijolos, iguais e desapercebidos como tantos outros, numa parede qualquer. Talvez o coração e a palpitação fiquem de novo em segundo plano. Vai ver a razão tenha porque ter razão em algum momento. Melhor não pensar no que não pode ser. Melhor não pensar. E nem sentir.

terça-feira, dezembro 14, 2010

sem olhar direto pro sol

Por André Debevc

No breve detalhe que escapa do seu decote, eu me perco e mergulho sem medo, olhando para os lados pra não ser pego, mapeando suas curvas, dentes, penugens e cheiros sem que você nem tenha a alegria do calor do meu nariz visitando a sua pele desavisada de mim. Sem falar da minha língua, morna e faceira, decorando suas interjeições e suas partes animadas de sílabas inteiras, apertando suas coxas, tensionando suas gargalhadas contidas com dedos sem esmalte e repletas de sorrisos vazios de sons para não serem pegos pelo mundo. Ah tudo tudo que há entre os centímetros que sempre dançam entre você e eu. Um universo infinito e em expansão que não nos coloca nunca nus e simples, apenas um com o outro, preso num quarto, livre de qualquer culpa ou obrigação regada a um desejo existente num mundo real.

segunda-feira, dezembro 13, 2010

acordar sem hora

Por André Debevc

Quando a luz entra pela janela, não dá pra dizer direito se faz sol ou cinza. Nos dias de chuva só mesmo o chiado consegue chegar na frente e denunciar a letargia do dia. Não importa. Tem dia que é mesmo assim, que todo o processo de acordar é lento, sem burocracias nem velhos vícios da semana, como o de olhar pro relógio mil vezes antes de entender que horas são. Ao lado, ela dorme de boca aberta, ressonando docemente como uma gata preguiçosa dessas fotos de calendário de um ano que já passou. É verão graças a deus, e ela dorme só com uma camiseta e calcinha que tem muito mais história com ela do que eu. Sem pressa de trazê-la pro dia, que já deve ter chegado há sei lá quanto tempo lá fora, aproveito para começar minha doce rotina de beijá-la ainda quase imóvel entre o que sobrou dos lençóis que cismam em lamber suas pernas desavisadas. Sei que ainda não é hora de acordá-la, ela que sempre precisa de uns minutos à sós com o dia antes de sorrir pro mundo. O problema é que a sua pele quentinha de uma noite bem dormida tem poderes inimagináveis sobre a minha boca, e não demora muito estou colocando a moça na boca sem pressa nenhuma. É quando beijo a parte de trás de seus joelhos que ela esboça algum contato com este mundo, e diz alguma coisa ainda ininteligível para quem habita essa nossa dimensão. Tudo isso é minha senha para fazer com ela se vire de frente e me ofereça silenciosamente as suas coxas quase indefesas ante beijos e medições em braile, feitas com a minha língua – que como eu, acorda de ótimo humor. Agora ela ajeita a cabeça mais fundo no travesseiro e dá um suspiro acompanhado de um gole seco. Ela ainda está nos braços de Morfeu, mas aos poucos reconhece o meu toque e minhas bochechas rondando a sua virilha. De olhos fechados, ela lambe os lábios e ensaia um sorriso. Já não há impedimento para que minha boca mergulhe fundo, invocando nela meias sílabas, disfarçadas de esporádicas interjeições. Quando ela faz que vai me apertar com as coxas é que verdadeiramente chega para o dia. Paro e corro a mão pela penugem da sua coxa esquerda que, semi-flexionada, se entrega mais. É quando vejo o peito dela subindo e descendo a manhã como numa montanha-russa. Volto à minha adorável labuta de despertador silencioso depois de fazer shhhhhhhh para que ela não acorde ainda. Ela obedece. E mãos, línguas e beijos ricocheteiam ali onde havia uma calcinha. Pois é...havia. Finalmente ela arqueia as costas, se enfiando ainda mais na cama. Agora sim, digo bom dia. E ela me responde em silêncio, me sorrindo com o olhar mais tarado do mundo.