segunda-feira, outubro 31, 2011

Confiar Sim

Por André Debevc

A gente nunca sabe. Se a hora é certa. Quando o encontro é errado. Se tudo é só uma simples hora em que é sim puro acaso. A gente não entende a razão de querer estar junto. E que pode também ser melhor ser separado. A diferença que pode fazer desencontrar para sempre por segundos ou ter a sorte de ficar junto por anos. Nunca vemos que pode até existir uma certa razão no que não queremos ou planejamos. Que no que insistimos por pura teimosia pode não ter sentido nenhum. A gente nunca vai certamente saber. O que vem depois. O que precisava ter vindo antes. O agora. Ou aquilo sem o que poderíamos realmente existir melhor e diferente. A gente pensa que sabe, porque só quer saber se for pra ser assim. Tudo isso faz parte de aprender a existir aqui. Confiar sem saber é que é o complicado. Mas se alguma coisa me cabe, acho que prefiro decidir que vou confiar sim. Virá sempre, na hora certa, o que for melhor pra mim.

terça-feira, setembro 27, 2011

Só um filminho noir

Por André Debevc

A luz gris que escapa da TV de tubo desregulada se mistura à luz âmbar do abajur dando um certo granulado quase noir ao quarto, aquecendo o encontro que é, em algum outro universo, apenas clandestino. Só seus pés estão escondidos sob a aba da coberta enquanto sua coxa esquerda atravessa a cama para pousar entre as minhas pernas. Falamos amenidades dessas nossas almas espelhadas em papéis tão distantes. Você quase sem querer descansa o seu peito perfeito sobre mim. Neste momento, o nosso universo, todos os universos, cabem nessas quatro paredes (uma que na verdade é só um blackout e cortina) e lençóis que ladeiam e esquentam sem precisar nos cobrir. Você sempre diz que nada te esquenta mais que um outro corpo nu colado ao seu, não é mesmo? E você tem razão – sempre tem razão de um jeito ou de outro – ainda mais nessa sua mansidão sua depois de gozar. Acho que de todas as vezes, essa é a vez em que te vi mais calma de todas. Falando mansa, a virilha ainda morna sobre minha perna. O sotaque indefectível, o tom ameno e um cheiro incrível que parece emanar do seu colo só para tomar conta de todo o mundo. Temos cortes secos e closes, muitos closes de detalhes, boca, anca, peito, coxa, olhos. Tudo muito bem editado e montado. O beijo funcionou bem, é claro, ou não estaríamos aqui, lambuzados, repousando sem pressa de mais. Desse filme noir nosso, sem câmeras ou coadjuvantes, dividimos a direção. A trilha sonora é outra coisa que inevitavelmente teríamos que fazer juntos. Olhos nos olhos. Com você em cima, de preferência.

terça-feira, agosto 30, 2011

Veranico

Por André Debevc

Finalzinho de invero e faz um dia tão lindo que até as roupas no varal acordaram com cheiro de sol. Veranico nem tão nanico assim.

terça-feira, junho 14, 2011

Admito que erro

Por André Debevc

Admito que erro. Ponto. Entrego os pontos, limpo o suor na manga arregaçada, baixo a guarda. Deixo a vida, cretina, me bater até cansa (se é que cansa). Noites incautas, sopa de decepção com legumes congelados. Quem sabe os juízes param a luta? Quem sabe q vida não me leva à nocaute? Vai que dá pra que eu vença por pontos? Só admito a hipótese de continuar no ringue, aberto, tomado. Vou seguindo com abaldos de lado mas ninguém começa a contagem, todo mundo leva na sacanagem essa rotina onde meu nome é onvocado num anúncio de telefonia celular.

Passado o tempo do não

Por André Debevc

Vamos repetir esse beijo até chegar à perfeição.
Posso sentir que não estamos longe...
e não é coisa de sexto sentido de homem
(que nunca pára para pedir informação)
Só sei que estamos na direção certa.

Mantenha sua noite aberta
pois quero trazer mais uns beijos para colocarmos em ação.
Vamos tentar mais uma e outra vez,
até que você tenha decorado o bom hálito da minha tez.
Será que você não percebeu
que sua língua derrapa gostosa na minha?
Que nossas respirações até que não se contradizem?
Sei que temos de colocar em prática esse impulso sem esboço de rejeição.
Há tempos que temos dissimulado,
e agora não é mais tempo de dizer não.

sexta-feira, maio 27, 2011

Irrecusável

Por André Debevc

O presente que trago para lhe dar é pessoal e intransferível. Nada de cheques nominais nem títulos da bolsa dos meus valores, apenas uma ilustração em cores de um desejo cultivado. Peço que seja guardado num lugar seguro totalmente livre de atentados. Preciso de sua cumplicidade, uns segundos de eternidade, o caminho inquieto da verdade. Talvez minha boca só sossegue ao sabor da sua, pode ser que as superfícies de nossas línguas se reconheçam de outras histórias. Que importa? O beijo que guardo para você foi amadurecido em barris centenários durante guerras e outros carnavais. Um segredo tão simples que seu consentimento sela silencioso para que que passe ao terreno da realidade um gesto pensado há milênios. Trago entre minhas palavras um presente que você não devia recusar.

Meu jeito de gostar do Rio

Por André Debevc

Gosto dos tons cinzas da chuva no Arpoador, as gatas vira-latas pingadas no parque, um domingo insistente de pés descalços nas pedras pichadas. Entre o asfalto e o morro às vezes o Rio é calmo, às vezes o Rio é morno (feito o mar em dia de chuva), mesmo quando não se vê o fim do Leblon. Aprendizes de flanelinhas ganham um trocado por fingirem deixar a chuva de lado. Eu acelero e nego o parentesco inexistente de quem corre em direção ao meu espelho retovisor. Apesar de tudo, ainda gosto do Rio. Balas perdidas que não me encontram, violência que vacila e desiste (ainda bem) em me vitimar. Consigo gostar do Rio sempre, um eterno caminho entre a favela e o mar.

segunda-feira, maio 16, 2011

Preciso escrever (e o blogger tá fora do ar)

Por André Debevc

Ando precisando escrever. Pra não explodir, pra relaxar e até mesmo pra matar a saudade de me deixar me ler sem ser por encomenda. Preciso de mais de 140 caracteres, preciso de histórias, que podem ser simples, podem ser só de um sorriso mais safado, podem ser um olhar que saiu assim queito e de lado. O enredo nem precisa ter lá suas glórias, saídas espetaculares ou heróis sem capa. Preciso é de linhas e letras, não de um mapa, pra poder voltar a ser um pouco mais do eu que mais gosto. Preciso escrever. Mesmo que o dia dispare e não deixe. Mesmo que a memória feche as pernas de tudo que vi ouvi, vivi e menti. Mesmo que eu negue todo lugar que fui, tudo que presenciei, todas as frases que já disse ou pensei e ninguém nunca se lembrou de anotar. Eu preciso escrever, que é pra voltar a respirar. E dormir e ser em paz.

segunda-feira, abril 11, 2011

Ansiedades

Por André Debevc

Dopemos os poemas,
acalmemos os ânimos,
o caminho ainda se ensaia à frente.
Agir impulsivamente pode satisfazer o peito
mas a razão entrará questionando
se nada funcionar direito.
Só um bocado, vamos nos segurando
pois a ansiedade não anda desavisada na minha cidade
e o beijo quer ir às ruas desfilar em carro aberto.

segunda-feira, março 28, 2011

Mandava, do verbo não mando mais (1996)

Por André Debevc

Eu mandava e desmandava naquele corpo.
mandava abrir,
mandava fechar.
Era senhor absoluto daquilo tudo
ou quase nada.
Um corpo aparentemente comum,
mas perfeito em sua imperfeição adaptada.

Bastava um olhar
e vinha mansa em brasa,
me abraçando e quase devorando.
Bastava um desvio de suspiros
e aquilo tudo se acalmava, ou fingia que sim.

Eu conhecia cada canto, cada pedra,
cada mato, cada pinta daquele corpo,
uma orquestra regida,
domada na minha rotina
(e como era gostosa aquela menina!).

O calor de toda curva,
a profundidade de cada dobra,
...ah, era arrepio de sobra...
e eu era locatário de tudo aquilo.
Meu reino, meu conjugado,
trilhas de suor,
terremotos de humor e desejo
(isso sem lembrar do seu beijo, um poema à parte).

Uma alma quase vermelha como o coração,
uma rosa, ou marte,
e tudo no controle nada remoto da minha vontade e disposição.

Eu mandava e desmandava naquele corpo...
até o dia em que o contrato acabou.

Hoje o corpo passa a centímetros de mim
sem piscar nem lembrar quem o fazia gotejar e até escorrer.

Eu já mandei naquele corpo.
Agora não faço a menor diferença.

(poema antigo)

Por André Debevc

Você fugiu feito o vento que ameaçava
aquela chuva que nunca veio.
Assim como o próximo beijo,
o carinho morreu no medo do que vinha depois dos comerciais da novela.
A distância assina sua apólice de seguros
quando você esquece fácil o universo que sabíamos criar.
O big bang do beijo perfeito
e tudo mais indefinível e sem muito jeito,
instalando a alegria em nós tão igual, tão diferente...
Você fugiu feito o vento que prometia chuva
e mareou meus olhos cansados de ter saudade
do que nunca me largou,
mas sempre foi embora.
O suspiro é fundo
só que não chega até onde você quebrou meu coração.

quarta-feira, janeiro 05, 2011

Compasso de Espera

Por André Debevc

A mão passeia sem pressa pela coxa quente que escapa o vestidinho que ele adora. Polegar vasculha penugens ansiosas, que batem continência ao mais simples toque nunca despretencioso. Parece até que não há pressa até que as bocas se encontrem. Tudo acontece em closes fechados. Cortes secos cada vez menos secos. O suspiro mais longo dela, dilata narinas e pupilas. A respiração mais lenta dele, destoando do peito que acelera. Mãos e corpos que não se desgrudam. A pegada mais firme, o calor do corpo que fica ainda maior. Ele sente o coração na garganta, ela agarra o coração dele na mão. Quente e forte como a marcação de uma bateria alucinada. Ele quer colocá-la na boca. Ela quer guardá-lo pra sempre entre as pernas arqueadas, escorregadio e ofegante como um trem próprio com um só destino. Andam tarados e imaginativos, olhando a todo instante pro relógio, esperando a hora de um encontro não marcado. Mas que não tem mais como ser adiado.