segunda-feira, novembro 03, 2014

SEM UMA SEGUNDA VEZ


Por André Debevc

olhou pra ela como se fosse uma estranha. nenhuma palpitação imprevista ou gota de sour brotando do alto da testa. olhou como se não a visse, certamente não reconhecendo ali alguém que amou, e que por um bom tempo habitou seu imaginário, coração e desejo. sentiu uma leve pontada de tristeza ali perto do fígado, sem entender como aquela imagem, um pouco envelhecida, não colava mais na figura que conhecia de cima a baixo, milimetricamente. aí, com a naturalidade de quem muda de canal sem prestar qualquer atenção, lembrou – ou achou que lembrou - que amou. mais até do que devia. ou pode ter sido so impressão. como aquela pessoa um tanto parecida com aquela mulher que foi pra nunca mais voltar. nunca mais.

quarta-feira, outubro 29, 2014

MANHÃ CATALÃ

por André Debevc

Longe de casa, viu o dia amanhecer enquanto ela dormia profundamente ao seu lado. Viu as luzes e os sons do dia virem aos poucos do horizonte invadindo o quarto de janela escancarada com uma educação européia impecável. Viu a escuridão ceder lugar à formas de Gaudí – ligo ali – que tinha aprendido a reconhecer do parapeito daquele sexto andar catalão, que improvisaram como casa nos últimos dias. Com ela, qualquer lugar se fazia casa em segundos. Nem que fosse um banco de aeroporto, numa conexão esdrúxula na madrugada. Virada meio de lado, com o corpo numa mornice só dela, não fazia ideia do quanto aquela cena, aquele quarto, e aqueles momentos eram pra ele a definição perfeita de felicidade. Ele, cheio de pra sempres que foram ficando pelo caminho, agora finalmente se sabia feliz de verdade. Pensou em tirar uma polaroid mental daquilo tudo para mostrar pra ela – nada a ver com idealizações e cenas fantásticas – mas aí lembrou que a felicidade de verdade não é compartilhável. É só de quem sabe a reconhecer quando a encontra. Olhou a quarta-feira se impondo lá fora, e encostou a mão na coxa mais que morna dela. Em alguma dimensão paralela, eles viverão naquele quarto catalão de janelão grandão para sempre. Na dimensão que ele partilha com o resto do mundo, ele terá certeza de que foi, é, está sendo feliz nesta manhã, e talvez consiga sossegar um pouco dessa vontade de ser feliz o tempo todo que todo mundo tem por aí.

ENCONTRO IMPROVÁVEL

Por André Debevc

Estava num desses dias em que tinha acordado nostálgico, pensando em tudo que tinha ficado pelo caminho nos caminhos que tinham o levado até ali. Brincou de trocar personagens, mudando pessoas, lugares e escolhas nos seus cenários de hoje. Voltou mais de dez anos no tempo e fingiu ter mudado de país – para outro país – quando voltou ao Brasil cheio de esperanças e certezas de que amigos e família fariam toda a diferença do mundo. Hoje sabe que exagerou nessas esperanças. Sabe que esperou demais dos outros, repetindo o mesmíssimo erro que sua mãe cometera 20 anos antes. Paciência. Por frações de segundos, que ele já sabia fazer eternos, ficou em silêncio e se exilou em si mesmo, vendo a vida e as pessoas passarem, entre rodadas despreocupadas de sangria e tapas, e se colocou na pele e rotina daqueles personagens que desconhecia, mas que ali criava como quisesse. Chegou a se reconhecer no olhar de um quarentão de barba grisalha andando com dois filhos por um parque de Madrid. Achou alguma semelhança com um corredor solitário na manhã de uma rambla de Barcelona. E se ele fosse um deles? E se ele não tivesse voltado ao Brasil quase 12 anos atrás? E se ele não tivesse conhecido quem ele conheceu? E se tivesse ido fazer da vida o que ele queria ter feito e ainda não fez até hoje? E se não tivesse escolhido o que ele escolheu? Será que ainda seria ele? Se encontrasse com ele mesmo – uma dessas versões dele que foi pra Espanha depois do fatídico 11 de setembro de 2001 – será que se reconheceria? Talvez tivesse mais feliz, mais magro, mais careca ou até menos cético. Eu não sei. Ele não sabe. Mas – por diversão inocente – gosta de imaginar que tem uma versão dele, andando pela Espanha há mais de uma década. Talvez esse ele ibérico hoje até ligue pra falar com a família no Brasil sem deixar que a irmã saiba que não é o ele que vive em São Paulo. Vai saber… Esse outro ele, cheio de outras vivências, escolhas e lembranças. Se um dia se encontrarem, não vai faltar conversa para colocar em dia. E muito menos histórias pra contar. Quando chegar a hora de irem pra casa, resta saber qual deles volta mais feliz. Eu sinceramente não saberia em quem apostar.

SEM PALAVRAS

por André Debevc

hoje não tem epígrafe. 
não tem palavras.
só silêncios. 

momentos viraram lembranças. 
presença virou ausência;
e mesmo que você não esteja mais aqui, 
não há um só pedaço dessa casa onde não te vejamos 
com aquela sua inesgotável energia e presença 
que saiu de Araguari pra ganhar o mundo.

essa casa,
essa rua,
tudo,
num imenso raio de quilômetros daqui
sempre será você.

pra mais nova de suas netas, ainda criança,
falaram que a vovó virou estrela.
Para o primeiro neto aqui,
que te teve avó por mais de quarenta anos,
você já era estrela desde sempre.
tudo que eu tinha pra dizer,
eu já disse a você.
mas não custa agradecer de novo.
e te lembrar que te amo pra sempre, tá?

até logo, vó.
não esquece de dar meu beijo aí pro vô e pro dudu.
sei que vocês agora tão juntos, olhando por nós.

ESPERANÇA DESERTA

por André Debevc

Tascou-lhe um último beijo antes de sair do carro rumo ao mundo. Longe dele ela podia ser qualquer coisa. Até mesmo uma pessoa totalmente diferente, que ele nem fazia ideia que existia. Na cabeça dele todas as mulheres poderiam sempre ter muitos papéis, vestindo personagens que nem sempre teriam que ser fiéis ao que ele conhecia dela. A verdade é que nunca se pode ter certeza do quanto você realmente conhece alguém. A vida tinha o ensinado isso. Pois ela – a vida, e quase todas as mulheres – podem ser cheias de surpresas. Quem ela seria longe dele, ele jamais saberia. Só torcia pra que essa outra personagem, que só existe quando ele não está, ainda o ame tanto e como quando ele está por perto.

Inícios

por André Debevc

O sonho é a primeira - e mais curta - distância entre dois pontos.

a maior fantasia é a realidade

por André Debevc

E lá estamos nós, num quarto de que nunca precisaríamos sair. Eternos, despidos e completos, certos de que nada da porta pra fora nos fará falta. Ali, nem roupa nos faz falta. Temos o calor dos corpos e bocas para nos alimentar. Passamos dias atando e desatando nossos braços e pernas sem lembrar que cidade pode ser lá fora. Estamos no início do amor, onde minúsculas descobertas e frações de paixão já bastam. O tempo é só uma ilusão, regra que o mundo paralelo obedece. Temos todo o futuro à nossa frente. E inocentes, achamos que vamos durar para sempre - sem ter a ideia de que dia nenhum na nossa vida juntos poderá ser melhor que aquele.

Ecos de um pedido de perdão

Por André Debevc

Nada é mais profundo que um pedido sincero de perdão. Tentativa vã de máquina do tempo, viajando ao passado, para anular palavras ditas ou escritas que feriram alguém, que - verdade seja dita - nunca se quis realmente machucar. Deposição humilde de vaidades, que só pensa em trazer de volta a paz e cumplicidade de olhares, que mesmo que opostos, jamais se fizeram inimigos. Lição de honradez que aprendemos com nossos pais, herança prática de caráteres sólidos - saber pedir perdão é ter a hombridade de assumir o erro. É assumir-se falível, passíveis de erros que somos. Feito o pedido, sincero e reto, nada mais se tem a fazer. Só o tempo - sabe-se lá quanto tempo - pode ajudar a curar a ferida. Que só quem recebeu as palavras como punhal pode arriscar saber quando cura.

DIA SEGUINTE

por André Debevc

Sempre vem o dia seguinte. Sempre. Sensação de soco na boca do estômago. Flashes do que se disse. Gente espocando ao longo do dia te contando - ou tentando contar - o que você teria feito mas não lembra. Impressão de tempos perdidos, uma noite da sua vida vivida mas jogada fora. Pelo menos no que diz respeito à memórias. Estas sim, você constrói como quer. E nem o álcool, e nem a realidade, destrói. Só o tempo corrói. Começando no dia seguinte.

terça-feira, setembro 16, 2014

PERCEPÇÃO IMEDIATA

Por André Debevc


Um dia acordou e percebeu que todas pontes com seu passado tinham sido destruídas. Todos os homens que ele teve de ser para que chegasse até ali já não existiam mais. Estava numa estranha paz. Tinha chegado ao ponto onde não podia mais voltar. Onde não tinha mais pra onde e nem pra quem voltar. Tudo que poderia – e tinha que - ser ainda estava à sua frente. Percebeu sorrindo, que ele passava a existir realmente a partir de agora.

sexta-feira, agosto 15, 2014

depois de todo aquele silêncio

Por André Debevc

...e se alguma coisa tiver quebrado?

...e se for uma daquelas coisas que não tem conserto?

...e se for uma dessas coisas sem volta?

Uma pessoa só é realmente importante na sua vida
quando o que ela pensa, ou deixa de pensar,
faz toda a diferença para você.

Um amor – platônico – de adolescência

Por André Debevc
Todo sujeito já ouviu, em algum momento da adolescência, que amores platônicos existem para nunca serem consumados. Que são desse tipo de amor ou paixão que nasceu para pastarem inofensivos, sempre no terreno das idealizações. Meras fantasias que existem só na nossa cabeça, sem nenhuma chance de acontecerem de verdade.
E foi se escondendo atrás da esfarrapada desculpa de que a expectativa é a mãe de todas as merdas, que aquele menino lá do alto do edifício cresceu. Poderia até se dizer que num momento, foi apaixonado, em silêncio, por sua vizinha de prédio.
Sempre que encontrava com ela, a menina mais bonita do universo, seu coração disparava, e ele se via atrapalhado com as palavras, que mal se organizavam para sair de sua boca.
Nos sempre curtos encontros, esperando o elevador ou nas breves viagens até o andar dela, era como se ele ficasse procurando (sem nunca encontrar) as palavras certas. Hoje talvez chamassem isso se roaming emocional, sei lá. Sei que ele era muito mais do que um garoto tímido. Era o menino que ia crescer sem nunca a tirar pra dançar. Nunca a abraçar devagarinho. Foi o cara que nunca conseguiu – e nem tentou – a beijar com carinho.
Eles tinham acabado de entrar na adolescência, e um belo dia ela entrou no elevador, e mudou toda a vida dele. A partir desse dia, era como se ela tivesse sempre um sol e uma praia só pra ela. De onde quer que viesse, sempre vinha iluminada. Aos olhos dele, eternamente linda, com cabelo preso num rabo de cavalo. Quase sempre séria, sorrindo mais com os olhos do que com os dentes. A filha da família mais bacana do prédio. Perfeita imagem de um verão interminável, passando pelo Jardim Botânico num apaixonante vestido azul de alcinha.
Ele era um cara com milhões de coisas para dizer, mas que ficava cercado de silêncios e hesitações de todos os lados quando a via. Ele foi o cara – já no fim da adolescência – que um dia se encheu de coragem e pediu o telefone dela. Mas que, amarrado pela timidez, nunca ligou. Que nunca a pegou pela mão e nem a olhou no fundos dos olhos castanhos, sem pressa de ir embora. O admirador nada secreto e muito inseguro, que sempre achou que talvez ela gostasse mais de surfistas e dos garotos mais populares do que ele, sem nunca nem tentar saber se isso era mesmo verdade.
Uma paixão adolescente e platônica. E como em todas as paixões, ele também tinha na cabeça uma cena que só ele tinha visto umas mil vezes. Ele parando o elevador, a puxando e roubando um beijo. Mas nunca teve coragem. E nunca teve nem um beijo. Porque, ele por algumas vezes hesitou – o maior pecado na vida de um homem – porque pensou mil vezes o quanto ela diria não, o quanto poderia parecer um tolo moleque apaixonado. E vulnerável, claro. E se tem uma coisa que um garoto no caminho de se transformar em homem não quer mostrar, é vulnerabilidade. Ah, quanta imaturidade…
Passou anos, subindo e descendo aqueles elevadores, e perdeu a chance que talvez tivesse nessa vida, por ser refém de uma paixão platônica maior que ele. Não consegue lembrar uma só vez que tenha a visto em que ela não estivesse sempre linda e morena. Perfeita. A filha favorita do sol e do mar. Linda e inatingível. Não foram poucas as vezes em que entrou naquele elevador pensando nela. Acreditava que se Deus está nas coincidências, como dizia Nelson Rodrigues, O Criador aparecia toda vez que o elevador parava no segundo andar e ela, só ela, entrava.
Hoje, em tempos de amores que passam rápido, e escorrem pelas mãos, ele pode olhar para trás e dizer que teve uma paixão ou amor nunca realizados. Com um telefone para o qual ele nunca ligou. Com a menina linda do segundo andar que ele nunca vai esquecer. E que talvez um dia ele pudesse ter beijado, se não tivesse sido refém da única coisa maior que sua vontade de conseguir tê-la nos braços: o medo de um dia não poder beijá-la nunca mais.

segunda-feira, agosto 04, 2014

DESENCONTRO no 4357 (André Debevc)

e de tanto esperar, se viu de novo 
num lugar desconfortavelmente familiar.

não seria a primeira,
e nem a última vez,
que se decepcionaria.
e mesmo depois de tantas vez,
ainda não tinha se acostumado com aquele gosto
de quem engole seco para não ter que engolir o choro.

pediu para descer do carro antes,
e foi andando na garoa fina e insistente,
esperando (mais uma vez) que a água lavasse
a decepção estampada no seu rosto.

caminhando no frio,
descobriu-se sozinho,
sem ajuda nem para enterrar
o cadáver das suas últimas expectativas.

SEM SACIAR A SEDE (André Debevc)

sempre que olhava pra ela, pensava em silêncio:
- você me dá uma sede que eu não posso ter.

se fosse paixão,
seria platônica.
mas não era.

era vontade.
uma vontade que ele tinha.
mas talvez fosse melhor que não tivesse.

porque era dessas vontades
que só passam
quando são saciadas.

e substituídas por outras.

ele gostava dessa (vontade).
por isso, sempre que olhava pra ela, tinha uma certeza:
ela provocava nele uma sede que ele não sabia como não ter.