sexta-feira, maio 23, 2008

Havana

Por André Debevc

A manhã se convida para dentro do quarto pelas frestas da persiana velha de guerra que o hotel anda precisando trocar. Dançando nos feixes de sol penetra que corre o chão, a poeira do tempo, embalada em sussurros e interjeições, vai ricochetear naquele quarto para sempre. O ventilador de teto gira ainda entorpecido tentando cortar o ar denso que ainda emana a maratona de pernas e bocas e mãos que ela e ele percorreram, e ganharam. Parece Havana de tão quente e úmido. Parece Havana de tão granulado e irreal. Talvez até seja Havana depois de tanta sensualidade e tesão. O jeito que se olharam quando a porta fechou, o jeito que se pegaram quando tudo não parou. Corpos exaustos em lençóis molhados e atravessados pelo quarto. Os celulares desligados pro mundo. O universo todo deletado da porta pra fora. Velhos amantes amando corpos antes tantas vezes percorridos e até decorados. Depois de quase aplaudirem, só mesmo as tatuagens descansam, certas de que não são mais a única coisa que eles terão para sempre. Ele vai acordar com cara de safado e cínico. Ela com um sorriso e as pernas ainda bambas. Os dois pensando em começar tudo de novo. Os dois adorando acordar com aquele cheiro familiar e que nunca realmente esqueceram. A distância entre eles andava escondendo alguma coisa forte. Alguns dizem que é saudade, outros tesão. Das pernas dela em prender o corpo dele. Da boca dele em ler em braile as curvas e penugens dela. Um encontro tão clandestino quanto inevitável, rasgado pelo toque do telefone do quarto no dia embrulhado em preguiça.
Ela atende. E antes que ela possa desligar, ele já mergulha sem piedade ou hesitação em direção à nuca. Ela arqueia as costas e pede mais.

segunda-feira, maio 05, 2008

TODAS

Por André Debevc

as que me disseram sim
e as que me deram pelo menos um não,

as moças que eu sempre quis e nunca tive
e as que eu quis uma vez e tive sempre,

as que me encheram de sorrisos
e as que me secaram de lágrimas,

as mulheres que eu quis ter na boca
e as que quis nunca mais ter nos olhos,

as que me tiveram pra sempre
e as que sempre me prometeram o que nunca podiam dar,

as fêmeas que me beberam
e as que me escorreram pelas mãos,

as que beijei com vontade
e as pra quem mostrei a língua

aquelas que quis levar pra uma ilha
e as de quem eu não consegui fugir,

as que estraguei eternamente
e as que consertei só com um sorriso um pouquinho mais longo

todas as que cruzaram o meu mundo me trouxeram até aqui
pra deixar você ser a única que pode me chamar de seu.

por pura falta do que fazer

Por André Debevc

hoje por pura falta do que fazer
eu tô pensando em te comer

na cama no banho ou até num sofá
confesso que estou aqui perdendo meu tempo
pensando em como pode ter sido e até será

tô há minutos (ou seriam já horas?)
parecendo sério sem precisar sorrir sozinho ou disfarçar…
coisa mesmo de quem tá pensando em outra pessoa
em outra coisa, e certamente em outro lugar

tô no meu velho lugar sem saber de você,
ser ter idéia nem certeza se você já pensou em me dar
enquanto tava sozinha com o chuveirinho
ou dormindo só de calcinha num quarto com ar

hoje por pura falta do que fazer
eu tô pensando em te comer

mas não se envaideça não

minha falta completa
do que fazer já vai passar.