segunda-feira, novembro 24, 2008

finitude

Por André Debevc

às vezes só é preciso um farol de relance na contramão
ou uma palavra escapando de manhã em alto tom e velocidade,
pra lembrar que nós
também podemos
não ter nada de eternos.

segunda-feira, novembro 17, 2008

No box (ele)

Por André Debevc

Sentado no chão do seu box blindex há mais de vinte minutos, ele pensava numa frase de Balzac enquanto a água quente descia quase sem pressão do chuveiro chinfrin comprado na lojinha da vizinhança. A sorte de uma relação amorosa depende da primeira noite, dizia o velho romancista.

Com a água escorrendo as suas costas e nenhuma preocupação com o tempo, ele pensava em toda a verdade da frase enquanto pensava na sua nova aspiração amorosa. Imaginava na verdade, já que a exatidão das curvas, do tom de rosa e raio exato das auréolas dos, provavelmente, empinados peitos de seu objeto de desejo eram até ali apenas suposição de sua mente fantasiosa e um tanto indecisa.

Macaco velho de guerra nas noites, bagagem não lhe faltava para saber que nenhuma primeira noite acontece em flashes sépia ou closes elegantes em câmera lenta. Lances com imagem granulada, só em dias seguintes. E mesmo assim, dependendo do álcool.

Era um desses raros sujeitos realmente atentos ao detalhe. Sem vulgaridades ou babaquices de pornografia desnecessária. Desses caras que lembra de besteiras ditas sem qualquer intenção – todo mundo conhece um, né? Do tipo que mapeia corpos e idolatra fragmentos e temperaturas que fazem de cada mulher uma criatura completamente diferente da outra.

Gosta de mulher de verdade. E é cético em relação à mulheres de capa de revista, todas refeitas com Photoshop, segundo ele. Imperfeições e detalhes são o que realmente o movem. Não pode ver uma mulher com uma leve cicatriz no rosto. Charme pessoal e intransferível, gosta de dizer. Sabe que a gravidade e celulites acontecem - fazer o quê, né? – e só acha mesmo que começa a pensar numa moça quando ela provoca nele aquela indefinível vontade de colocá-la na boca. Só não aprova sutiã com enchimento. Porque isso é propaganda enganosa.

E foi visitando imaginariamente, e sem nenhuma pressa, cada milímetro do corpo, sinal de nascença e cicatrizes do objeto de sua atenção, que ele ficou. De olhos fechados, sentia cada gota morna que viajava do chuveiro até seu corpo. Tudo tem seu tempo, pensava.

O melhor jeito de decorar o cheiro de sua nuca. A descoberta do calor de suas coxas. O último olhar dela antes dele lhe tirar a calcinha. A primeira vez em que a visse nua, ansiosa, com todo pêlo da alma em guarda, arqueado, esperando o bote. Tudo tem seu tempo. Tudo.

Amores, desilusões, sonhos e promessas feitas ao pé do ouvido. Tudo tem seu tempo. Como a água que escorre pro mar, partindo ali dos seus pés junto ao ralo. E pra ele, que não gosta lá muito de esperar, este tempo só pode ser agora.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Plano de Fuga

Por André Debevc

A curva do seu peito que meio sem jeito finge que não quer pular na minha boca, escapa ali pelo seu decote tímido liquidando toda atenção que eu podia ter por qualquer outra coisa. Engulo dissimulação seca desviando os olhos pra você poder passar horas brincando de musa sem nunca precisar publicamente perceber minhas retinas e ajeitar a blusa, tirando minha visão abençoada do seu peito direito. Conto penugens, cumprimento um a um os poros, encontro pintas, investigo o relevo, imagino textura e crio cheiro. Tudo sem que, infelizmente, você tenha a alegria de ver meu sorriso mais safado e faceiro (daqueles que guardo só pra ocasiões especiais e moças mais ainda). Hoje moça, vou lembrar da curva do seu peito quando deitar no travesseiro. Mas aí, vou saborear seus seios por inteiro. E sentirei temperatura, bicos e auréolas sem pressa nem desnecessário sutiã trapaceiro. Mas até la, vou derrapar na reveladora linha curva do seu decote, rezando a cada minuto pro seu peito dar um pinote e vir parar sorrindo na minha boca.

exatamente

Por André Debevc

com o jeito mais despreocupado do mundo
ela leva o umbigo para passear
arrastando olhares silenciosos pelo salão.
sem fazer qualquer esforço
coleciona almas debruçadas, inertes e sem palavras,
rendidas pelo seu ar de menina e sorriso de leite.
doce, traz o resto de sua voz suave para voar pela sala
feito gaivota no fim da tarde de um verão carioca.
a moça que delicadamente anda em estrelas,
não é fã de camelo nem amante de amarante,
acaricia o tempo com dedos de esmalte esquecido
encantando feito as mulheres de Chico,
enquanto o vento em algum canto assovia seu apelido.
ela que brinca de ainda não ter decidido
se quer ser menina apaixonante ou uma cativante mulher,
mas que com certeza já sabe
que quer ser diferente de todas as outras.
e isso é o melhor que alguém pode querer ser.
exatamente o que ela é.

quarta-feira, novembro 05, 2008

Inspiração

Por André Debevc

ando me especializando em decorar seus sorrisos
de tanto de fazer gargalhar
com alguns de meus improvisos indecisos
faço de tudo um pouco querendo causar às vezes até falta de ar.
mas é só você ir lá longe um pouquinho
que toda minha graça dá um sumiço,
desses longos e quietos por não ter pra quem se engraçar.
que seu calor é do que mais preciso para simplesmente me inspirar.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Foi pouco

Por André Debevc

Outro dia eu a vi atravessando a rua, passando na praça da minha infância, com seu ar primaveril de quem anda sempre com uma leve brisa dançando à sua volta: a mulher com quem (ou seria contra quem?) cometi a maior obra de canalhice de toda minha existência.

Pois é, eu não sabia exatamente quanto, mas descobri que eu também sei ser canalha. E dos bons. Com as pessoas erradas principalmente. Como é típico dos bons moços, aliás. Diria até que quanto mais bom moço o moço, maior a sua capacidade de cometer um grande gesto de canalhice. Destes de causar estranheza até na roda de chope de amigos nada santos.

Enfim, vi de longe a mulher que sei que atravessaria a rua para o outro lado se me visse ali naquela calçada (e todo homem que passou dos trinta tem pelo menos uma). A vi e não fiz nada. Nem um pedido de desculpas, nem um esboço de explicação. Nada. Até porque tudo aquilo, naquela noite, naquela festa em que eu estava com outra mulher (com quem saí apenas algumas vezes), foi um acidente. Mas ela não entenderia. Ela não deixaria eu me explicar se tentasse. Sei que existem horas em que ainda não adianta tentar falar com uma mulher. Esta era uma dessas horas.

Confesso que também não sei como iria começar a explicar porque acabamos, eu e ela (a mulher que vi na rua) aos beijos num corredor escuro, enquanto a mulher que entrou na festa comigo dançava a metros dali. Eu JURO que achei que ela tivesse percebido que eu não estava sozinho, e que mesmo assim estava topando toda aquela loucura. Mas não sei o que se passava na minha cabeça e nem mesmo onde eu tinha esquecido a minha noção de perigo. Não sei.

Sei que sempre a desejei e nunca esperava encontrar com ela ali. Nunca. Logo no dia em que resolvi ir acompanhado por pura e simples falta de paciência de flertar. Eu andava cansado daquele jogo todo, de saídas, bebidas e flertes. De verdade. Mas quando a vi, pirei completamente. Perdi a noção de estar momentaneamente acompanhado. Esqueci qualquer polidez e convenção social enquanto minha solteirice, ali não exatamente completa, martelava meu cérebro com ordens imediatas de ataque. E o pior, sem nem pensar em colocar a pobre incauta que sacodia o esqueleto na pista de dança num taxi rumo a qualquer lugar longe dali.

Quando dei por mim estávamos no corredor escuro, eu e a moça que há anos despertava em mim muito mais que interesse. Em beijos espetaculares, de uma sincronicidade e cumplicidade poucos antes vistos. Na hora de voltar à festa, deixei-a ir sozinha na frente. Ao entrar no banheiro, dei de cara com a minha cara de canalha no espelho. Um sorriso largo e cretino no rosto que só a lembrança da outra, esquecida ao som de alguma música insuportável na pista de dança conseguiu quebrar.

Joguei água no rosto, ainda sem acreditar no que tinha acabado de fazer, e fiz a única coisa que me restava fazer: fui resgatar a mulher que tinha chegado na festa comigo para irmos embora e acabarmos de vez com aquilo. Foi quando a pequena Ana (será que eu mencionei que o nome dela era Ana? Será que eu mencionei que ela era pequena?) viu que eu não estava desacompanhado. Seus olhos se injetaram de ódio e eu que pensava que tinha uma cúmplice (juro que pensei que ela sabia que eu não estava só) vi que tinha acabado de ganhar uma fã pelo contrário.

Foi quando ela atravessou a sala como uma bala e disse para que eu nunca ligasse para ela. E nunca mais a vi até este dia, na rua.

Amigas (tô falando de mulheres mesmo, não foi um erro de digitação) que depois ficaram sabendo do acontecido me recriminaram com um estranho tapinha quase cúmplice nas costas. “Você precisava de uma coisa assim na sua vida”, disse uma delas. Outra falou que sabia lá no fundo que eu não era bonzinho, e que eu tinha potencial. Só não precisava ter errado com ela, a doce e pequena Ana. A Ana que agora me odeia. Ana que não quer me ver nem pintado de ouro nem nas próximas encarnações.

Se pedir desculpa adiantasse alguma coisa, eu pediria. Nem que pra isso precisasse levar um bom tapa na cara. Mas cá pra nós, um canalha assim merece muito mais.