segunda-feira, novembro 24, 2008

finitude

Por André Debevc

às vezes só é preciso um farol de relance na contramão
ou uma palavra escapando de manhã em alto tom e velocidade,
pra lembrar que nós
também podemos
não ter nada de eternos.

segunda-feira, novembro 17, 2008

No box (ele)

Por André Debevc

Sentado no chão do seu box blindex há mais de vinte minutos, ele pensava numa frase de Balzac enquanto a água quente descia quase sem pressão do chuveiro chinfrin comprado na lojinha da vizinhança. A sorte de uma relação amorosa depende da primeira noite, dizia o velho romancista.

Com a água escorrendo as suas costas e nenhuma preocupação com o tempo, ele pensava em toda a verdade da frase enquanto pensava na sua nova aspiração amorosa. Imaginava na verdade, já que a exatidão das curvas, do tom de rosa e raio exato das auréolas dos, provavelmente, empinados peitos de seu objeto de desejo eram até ali apenas suposição de sua mente fantasiosa e um tanto indecisa.

Macaco velho de guerra nas noites, bagagem não lhe faltava para saber que nenhuma primeira noite acontece em flashes sépia ou closes elegantes em câmera lenta. Lances com imagem granulada, só em dias seguintes. E mesmo assim, dependendo do álcool.

Era um desses raros sujeitos realmente atentos ao detalhe. Sem vulgaridades ou babaquices de pornografia desnecessária. Desses caras que lembra de besteiras ditas sem qualquer intenção – todo mundo conhece um, né? Do tipo que mapeia corpos e idolatra fragmentos e temperaturas que fazem de cada mulher uma criatura completamente diferente da outra.

Gosta de mulher de verdade. E é cético em relação à mulheres de capa de revista, todas refeitas com Photoshop, segundo ele. Imperfeições e detalhes são o que realmente o movem. Não pode ver uma mulher com uma leve cicatriz no rosto. Charme pessoal e intransferível, gosta de dizer. Sabe que a gravidade e celulites acontecem - fazer o quê, né? – e só acha mesmo que começa a pensar numa moça quando ela provoca nele aquela indefinível vontade de colocá-la na boca. Só não aprova sutiã com enchimento. Porque isso é propaganda enganosa.

E foi visitando imaginariamente, e sem nenhuma pressa, cada milímetro do corpo, sinal de nascença e cicatrizes do objeto de sua atenção, que ele ficou. De olhos fechados, sentia cada gota morna que viajava do chuveiro até seu corpo. Tudo tem seu tempo, pensava.

O melhor jeito de decorar o cheiro de sua nuca. A descoberta do calor de suas coxas. O último olhar dela antes dele lhe tirar a calcinha. A primeira vez em que a visse nua, ansiosa, com todo pêlo da alma em guarda, arqueado, esperando o bote. Tudo tem seu tempo. Tudo.

Amores, desilusões, sonhos e promessas feitas ao pé do ouvido. Tudo tem seu tempo. Como a água que escorre pro mar, partindo ali dos seus pés junto ao ralo. E pra ele, que não gosta lá muito de esperar, este tempo só pode ser agora.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Plano de Fuga

Por André Debevc

A curva do seu peito que meio sem jeito finge que não quer pular na minha boca, escapa ali pelo seu decote tímido liquidando toda atenção que eu podia ter por qualquer outra coisa. Engulo dissimulação seca desviando os olhos pra você poder passar horas brincando de musa sem nunca precisar publicamente perceber minhas retinas e ajeitar a blusa, tirando minha visão abençoada do seu peito direito. Conto penugens, cumprimento um a um os poros, encontro pintas, investigo o relevo, imagino textura e crio cheiro. Tudo sem que, infelizmente, você tenha a alegria de ver meu sorriso mais safado e faceiro (daqueles que guardo só pra ocasiões especiais e moças mais ainda). Hoje moça, vou lembrar da curva do seu peito quando deitar no travesseiro. Mas aí, vou saborear seus seios por inteiro. E sentirei temperatura, bicos e auréolas sem pressa nem desnecessário sutiã trapaceiro. Mas até la, vou derrapar na reveladora linha curva do seu decote, rezando a cada minuto pro seu peito dar um pinote e vir parar sorrindo na minha boca.

exatamente

Por André Debevc

com o jeito mais despreocupado do mundo
ela leva o umbigo para passear
arrastando olhares silenciosos pelo salão.
sem fazer qualquer esforço
coleciona almas debruçadas, inertes e sem palavras,
rendidas pelo seu ar de menina e sorriso de leite.
doce, traz o resto de sua voz suave para voar pela sala
feito gaivota no fim da tarde de um verão carioca.
a moça que delicadamente anda em estrelas,
não é fã de camelo nem amante de amarante,
acaricia o tempo com dedos de esmalte esquecido
encantando feito as mulheres de Chico,
enquanto o vento em algum canto assovia seu apelido.
ela que brinca de ainda não ter decidido
se quer ser menina apaixonante ou uma cativante mulher,
mas que com certeza já sabe
que quer ser diferente de todas as outras.
e isso é o melhor que alguém pode querer ser.
exatamente o que ela é.

quarta-feira, novembro 05, 2008

Inspiração

Por André Debevc

ando me especializando em decorar seus sorrisos
de tanto de fazer gargalhar
com alguns de meus improvisos indecisos
faço de tudo um pouco querendo causar às vezes até falta de ar.
mas é só você ir lá longe um pouquinho
que toda minha graça dá um sumiço,
desses longos e quietos por não ter pra quem se engraçar.
que seu calor é do que mais preciso para simplesmente me inspirar.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Foi pouco

Por André Debevc

Outro dia eu a vi atravessando a rua, passando na praça da minha infância, com seu ar primaveril de quem anda sempre com uma leve brisa dançando à sua volta: a mulher com quem (ou seria contra quem?) cometi a maior obra de canalhice de toda minha existência.

Pois é, eu não sabia exatamente quanto, mas descobri que eu também sei ser canalha. E dos bons. Com as pessoas erradas principalmente. Como é típico dos bons moços, aliás. Diria até que quanto mais bom moço o moço, maior a sua capacidade de cometer um grande gesto de canalhice. Destes de causar estranheza até na roda de chope de amigos nada santos.

Enfim, vi de longe a mulher que sei que atravessaria a rua para o outro lado se me visse ali naquela calçada (e todo homem que passou dos trinta tem pelo menos uma). A vi e não fiz nada. Nem um pedido de desculpas, nem um esboço de explicação. Nada. Até porque tudo aquilo, naquela noite, naquela festa em que eu estava com outra mulher (com quem saí apenas algumas vezes), foi um acidente. Mas ela não entenderia. Ela não deixaria eu me explicar se tentasse. Sei que existem horas em que ainda não adianta tentar falar com uma mulher. Esta era uma dessas horas.

Confesso que também não sei como iria começar a explicar porque acabamos, eu e ela (a mulher que vi na rua) aos beijos num corredor escuro, enquanto a mulher que entrou na festa comigo dançava a metros dali. Eu JURO que achei que ela tivesse percebido que eu não estava sozinho, e que mesmo assim estava topando toda aquela loucura. Mas não sei o que se passava na minha cabeça e nem mesmo onde eu tinha esquecido a minha noção de perigo. Não sei.

Sei que sempre a desejei e nunca esperava encontrar com ela ali. Nunca. Logo no dia em que resolvi ir acompanhado por pura e simples falta de paciência de flertar. Eu andava cansado daquele jogo todo, de saídas, bebidas e flertes. De verdade. Mas quando a vi, pirei completamente. Perdi a noção de estar momentaneamente acompanhado. Esqueci qualquer polidez e convenção social enquanto minha solteirice, ali não exatamente completa, martelava meu cérebro com ordens imediatas de ataque. E o pior, sem nem pensar em colocar a pobre incauta que sacodia o esqueleto na pista de dança num taxi rumo a qualquer lugar longe dali.

Quando dei por mim estávamos no corredor escuro, eu e a moça que há anos despertava em mim muito mais que interesse. Em beijos espetaculares, de uma sincronicidade e cumplicidade poucos antes vistos. Na hora de voltar à festa, deixei-a ir sozinha na frente. Ao entrar no banheiro, dei de cara com a minha cara de canalha no espelho. Um sorriso largo e cretino no rosto que só a lembrança da outra, esquecida ao som de alguma música insuportável na pista de dança conseguiu quebrar.

Joguei água no rosto, ainda sem acreditar no que tinha acabado de fazer, e fiz a única coisa que me restava fazer: fui resgatar a mulher que tinha chegado na festa comigo para irmos embora e acabarmos de vez com aquilo. Foi quando a pequena Ana (será que eu mencionei que o nome dela era Ana? Será que eu mencionei que ela era pequena?) viu que eu não estava desacompanhado. Seus olhos se injetaram de ódio e eu que pensava que tinha uma cúmplice (juro que pensei que ela sabia que eu não estava só) vi que tinha acabado de ganhar uma fã pelo contrário.

Foi quando ela atravessou a sala como uma bala e disse para que eu nunca ligasse para ela. E nunca mais a vi até este dia, na rua.

Amigas (tô falando de mulheres mesmo, não foi um erro de digitação) que depois ficaram sabendo do acontecido me recriminaram com um estranho tapinha quase cúmplice nas costas. “Você precisava de uma coisa assim na sua vida”, disse uma delas. Outra falou que sabia lá no fundo que eu não era bonzinho, e que eu tinha potencial. Só não precisava ter errado com ela, a doce e pequena Ana. A Ana que agora me odeia. Ana que não quer me ver nem pintado de ouro nem nas próximas encarnações.

Se pedir desculpa adiantasse alguma coisa, eu pediria. Nem que pra isso precisasse levar um bom tapa na cara. Mas cá pra nós, um canalha assim merece muito mais.

quinta-feira, outubro 30, 2008

A conta do recado

Por André Debevc

Ela era uma dessas mulheres com marca suave de biquini na alma, dourando ao sol de uma Ipanema da vida, escondendo os olhos castanhos e um ensaio do que seriam sardas atrás de um óculos grande, desses que anda na moda agora. Toda vez que ela deixava o carro, ele – um cara comum, repleto de vícios inofensivos e amigos antigos - como que numa reação automática passava a mão direita carinhosamente pelo banco do carona, querendo ainda sentir ali o calor dela.

Dizer que ele quase cheirava o banco de carro seria exagero, tudo bem, mas quase. A idéia de que todo o calor do objeto de desejo dele tinha estado ali há segundos – e ele não tinha feito nada - o deixava louco. Prestes a se declarar. A dizer que tava apaixonado, que tava amando, entre outras besteiras que todo homem já tentou usar pra levar alguém pra cama. Quanto mais quentinho o banco do carro, mais à beira de se declarar pra ela ficava. Mas declarar o que?

Ele sabia que não tinha nada na manga. Só um pouco de canalhice, uns sorrisos safados e muitas intenções bem objetivas e práticas. Nuas e cruas, diria. Mais pra nuas, claro. Ele só queria umas tardes, noites ou madrugadas sem pressa pra colocar moça na boca feito manga. E ficar ali, com aquela mulher na ponta da língua e alguns outros lugares. Até ela se desfazer mil vezes em suor e gozo, e arrumar um lugar pra ele na galeria de trepadas inesquecíveis dela. Lugar eterno, e de preferência com direito a visitas futuras sem necessidade prévia de agendamento ou joguinhos bestas. Mas como fazer isso? Perguntar diretamente era só garantia de um tapa na cara. Ela era bonita, mas não ordinária...

Como eu vinha dizendo, ele não tinha nada na manga. E ela – bonita e cobiçada – não tava muito aí pra ele não. Até o dia em que ele, distraído, esqueceu de elogiar uma mudança no cabelo dela que todo o resto do universo notou e fez questão de elogiar. Foi o suficiente pra que ela olhasse pra ele com outros olhos. Como se de repente tivesse nascido ali outro homem a ser conquistado. Certamente mais um na sua coleção de presas.

E bastou essa pequena desatenção para que algumas caronas depois, estivessem trocando beijos e amassos em frente à portaria dela. Na primeira vez que colocou as mãos entre as pernas dela, espemidas num jeans importado, ele quase explodiu de alegria e precocidade. Era muito mais quente que o banco do carro. Era muito mais quente do que ele esperava que fosse. Ela era muito mais quente do que ele esperava. A pele, a nuca, os peitos, a virilha, tudo. E como era linda.

Na penumbra então, nem se fala. A falta de luz a fazia ficar ainda mais linda - isso ele descobriu no dia em que subiu na casa dela – o peitinho um pouco menor do que ele queria que fosse (enganando a todos num desses sutiãs propaganda enganosa), a bundinha um pouco mais desafiada pela gravidade do que ele imaginava. Enfim, imperfeições que a faziam ainda mais irresistível. A moça que deixava o banco do carro quente. E ela esta a ali, a segundos de ser consumada por ele.

Taças de vinho e um início de dvd (Vanilla Sky, que ele sempre gostou mas viu mil vezes) depois, transaram, treparam e alguns outros sinônimos para todo esse lance de beijar, passar a mão, ficar pelado, beijar mais, lamber, chupar, quase fazer merda, achar a camisinha, lamber mais, colocar a camisinha e voltar a beijar pra poder gozar (com e sem trocadilho) da liberdade de ir e vir, conforme está previsto na constituição. Ufa....e olha...ela é bonita, viu?

Olhando com um sorriso sem dentes para ele mesmo no espelho do elevador do prédio bacana onde ela morava, foi essa a conclusão a que ele chegou. Moça bonita. Virilha quente. Peitinho lindinho e sem biquinho evidente, mas realmente menor do que o ideal. E aquele corriqueiro defeito que mulheres bonitas demais costumam ter: era esforçada. Tinha uns talentos, é verdade, mas estava longe de ser boa naquilo. Esforçada.

O quão boa ou ruim? Digamos que boa o suficiente para ele não ligar no dia seguinte. Mas nada que o fizesse evitar atender quando ela aparecia numa noite de semana no visor do seu celular. "- Oi lindo!" Lindo não, mas que dá sempre conta do recado.

As batatas

Por André Debevc

Acordou ainda sem saber muito bem onde estava, coisa comum nos últimos anos da sua vida. Um resto de shampoo e fumaça na cabeça recostada no seu ombro dormente não deixava dúvida: mais uma vez tinha acabado nua e bêbaba na casa de uma amiga que se divertia levando desconhecidos – quase sempre sem camisinha na carteira - para casa para brincar à três na madrugada.

A boca macia no seu peito, ainda exalando álcool e cigarro barato já até parecia ser coisa antiga e normal, mas a sensação de que toda aquela noite descolada demais não era verdadeiramente pra ela ainda soava seca e forte em manhãs assim, onde flashes de um estranho – quase sempre um pouco agressivo demais - querendo colocá-la de quatro, com a boca entre as pernas da amiga eram mais reais do que nos seus sonhos, sonhados de boca aberta.

Talvez no fundo fosse mesmo apenas uma menina sozinha, de poucos amigos sinceros, a quem nunca tivesse sido dado ou cobrado muito limite.
Desde adolescente se metia em pequenas enrascadas, como quando contraiu uma doença venérea numa noite onde mentiu para a mãe e até pegou carona na moto de um garoto sem carteira e sem nome. Aventuras doidas, segundo ela, que contava os fatos – um pouco amenizados para não chocar demais, claro - aos pais e namorados como se tivessem sido vividas por uma amiga, daquelas que você, eu e todo mundo, não conhece muito bem não.

Mas algo na manhã tardia daquela terça-feira, na luz que entrava no quarto daquele apartamento sem cortinas em Laranjeiras, onde se acostumou a andar nua para deleite dos vizinhos, incomodava um pouquinho mais. Que desculpa usaria para a mãe desta vez para justificar o roxo na coxa grossa e o andar coxo ao chegar em casa? Que tamanho teria o vazio que a separava tanto de quem um dia foi? Era isso mesmo que ela queria? Ou era isso que ela achava que teria que querer e gostar? Teria o limite dela, onde se violou pela primeira vez, sido deixado para trás de uma maneira sem volta?

De frente ao espelho do banheiro da casa da amiga, apertado e encardido pelo tempo, lavou o rosto tentando acordar e deixar a ressaca moral, já costumeira para trás. Parou sem querer os olhos na marca de nascença que um antigo namorado, já esquecido – talvez o mais carinhoso de todos – tanto gostava. Uma onda de fraçao de segundos fez que ia a invadir com nostalgia. Chegou até a ensaiar um sorriso. As melhores batatas são sempre as do fundo do saco, o velho namorado costumava dizer, nas milhares de vezes que iam matar a fome do motel num fastfood longe dali e de tudo que ela era hoje. Ele tinha razão, pensou. E então seus olhos ali, em frente à torneira fechada, se encheram de água silenciosa. Gole seco e inevitável.“As melhores batatas são sempre as do fundo do saco.”

Aquele saco - com as melhores batatas e anos da sua vida - não volta mais. Nunca mais.

quarta-feira, setembro 03, 2008

da alma

Por André Debevc

vai ver é mesmo da alma
isso de vir se despedaçando pelo caminho,
se reinventando e esfarelando,
esquecendo fragmentos e bilhetes dobrados
onde o amor esqueceu
de lembrar que já foi embora.

antes do pôr-do-sol,
muito antes de tantas auroras
ou dela mesma, a alma,
se olhar fundo nos olhos
e entender sorrindo sozinha
que o importante mesmo na vida
é ter páginas com histórias,
porque são elas
as coisas boas de virar.

quinta-feira, agosto 07, 2008

O biscoito e a chuva

Por André Debevc

na tarde de gotas de chuva que mais parecem pães de queijo,
um pacote de biscoito familiar me planta um sorriso mais longo.
estou em são paulo e a garoa bombada achou o endereço de casa
depois de um mês de férias em algum lugar lá pro sul.

debruçado sobre meu itunes repleto de novas aquisições
escalo a tarde driblando o sono,
enquanto o ponteiro pequeno do relógio não chega no sete,
criando idéias pra vender e pagar o aluguel.

e em meio ao pantone de cinza emoldurado na janela,
um biscoito Globo aparece do nada e me sorri,
me fazendo fechar os olhos e lembrar da praia, do Rio,
e de um cara que sou lá naquele universo paralelo
onde o vento bate depois de saltar as ilhas cagarras
e as palmeiras imperiais me mostram que estou em casa.

nada como um biscoito na chuva para fazer o sol bater forte na alma.
Biscoito Globo doce, claro.
porque de salgado já me basta o peito.
regado e sempre morrendo de saudade
da água do mar.

a casa pra qual não se pode voltar

Por André Debevc

depois de tanto tempo ainda tem dias
que sonho em voltar pra casa...
a velha casa que já não é mais minha
onde eu podia encontrar minha fruta favorita,
e sorvê-la em paz.

uma casa que mudou de dono, e até de endereço,
mas que sempre vai ser um lugar bom de sonhar em voltar.

algumas lembranças renascem - com um cheiro, um gosto,
uma voz saindo que pula de canal na tv - só pra cicatriz que nos fez
ter certeza que existiu.

quarta-feira, agosto 06, 2008

Filosofia Fast-Food

Por André Debevc

As melhores batatas fritas são sempre as que se jogam no fundo do saco
quando pedimos o lanche pra viagem.

quarta-feira, julho 30, 2008

Só ele

Por André Debevc

Velando seu sono enfermo, pensou em acordá-la só pra dizer o quanto a amava. Mas aí lembrou que ainda não inventaram palavra para coisa de tal grandeza. Aí sorriu, lembrando que só ele e o universo sabem o que é uma coisa que não pára de crescer. Nunca pára.

a moça e a mão nada boba

Por André Debevc

era a moça que adorava dormir com pelo menos uma parte do corpo encostada nele. o dedinho do pé que fosse, como gostava de dizer antes de cruzar o tornozelo sobre o dele, mexer no cabelo, roubar um beijo calmo de boa noite e sorrir. aí já balbuciando o fim de alguma história com personagens que ele não conhecia bem, ela apagava a luz e esperava que ele não resistisse ao calor do corpo dela ali pulsando sob pouca roupa, mergulhado na penumbra do quarto de cortinas esvoaçantes. ali onde dormia como sempre, com a mão dentro da calcinha, ali mesmo onde gozou mais do que jamais tinha sabido que podia pela primeira vez, enquanto ele dava aquele beijo diferente e a bebia entre sussurros e interjeições confessadas por todo seu corpo, começando pelas coxas, já quase rendidas naquela distante manhã de domingo. a moça com nada de feia que quase se desfez em alegrias e sonhos na cama estreita do prédio amarelinho no meio da ladeira, dormindo com a mão na calcinha e acordando sem ela. mais que uma lembrança feliz guardada em segredo, uma história mutante que já viveu de tesão e conversas longas, e que agora achou seu lugarzinho especial e intocado para ser eterna, como a sua mão e sua vida. nada bobas.

Reflexões

Por André Debevc

O melhor filme é o que nunca pode ter uma continuação.

quarta-feira, julho 16, 2008

De Luto

Por André Debevc

Hoje em dia, para morrer, basta estar no Rio.

(deus, o que estão fazendo com a minha cidade?)

quarta-feira, julho 02, 2008

Eterno Amor

Por André Debevc

meu coração bate fazendo eco
como nunca nenhuma mulher fez ele bater.
tenho as mãos frias, a boca seca
e um tique que não deixa meu pé parar quieto.
entro e saio de sites,
leio e canto sozinho num dos dias
mais longos da minha existência.
abrigo o prenúncio de uma noite apoteótica no peito
enquanto seguro um grito que anda louco pra ser verdade.
desabafo, comemoração, merecimento…
a glória flerta exigindo uma coragem épica
de almas suando sangue e determinação para se deixar carregar.
visito o relógio a cada segundo
e minha vida toda até anseia desabar
num choro de felicidade.
eterno amor, meu Fluminense,
tudo que quero hoje é celebrar a sua felicidade,
a nossa maior conquista até agora.

quinta-feira, junho 26, 2008

lugar indeterminado

Por André Debevc

de algum lugar indeterminado do mundo ela aparece online e diz que andou sonhando comigo. ah, aquelas coisas… - ela diz - enquanto imagino sua cara de tarada digitando eheheheheh. ela conta que tá com pressa e atrasada, lá em outro fuso, mas que acordou com uma música que fazia lembrar meu cheiro, e aí bateu uma saudade - daquelas que não mata mas não passa – de colocar a mão na minha coxa no trânsito e rir de alguma das minhas palhaçadas no meio da tarde. o mundo não é mais aquele, moça. e nem nós, digo. com certeza, ela responde. mas nunca me esqueci daquele dia naquele quarto amarelo. às vezes, quando tô sozinha, penso nisso…e dá uma vontade de te colocar na boca. sabia que eu sempre lembro daquela sua frase de que mulheres foram feitas para serem colocadas na boca? ehehehehe. fico feliz que você lembre de mim, moça ☺. lembro, lembro sim…só não lembro porque não te amei pra sempre, você lembra? não era hora, talvez, não sei. mas eu também lembro do quarto amarelo. você de shortinho frouxo e sem calcinha. hahahahahah. eu era louquinha, né? é…e eu acho que aproveitei pouco, concorda. ehehhehe… tenho certeza :-P (offline)

quarta-feira, junho 25, 2008

Lágrimas oficiais

Por André Debevc

Vejo o Presidente Fernando Henrique em pé ao lado do caixão da esposa, Dona Ruth, e a mais profunda tristeza me faz de casa. Cinquenta e cinco anos de casamento interrompidos antes do final do Jornal Nacional. Não existirá no universo uma só palavra de conforto. Não existirá em toda a história um abraço de carinho forte o suficiente. O coração ex-presidencial viverá o resto dos seus dias a meio pau. A morte de sua companheira institui à força uma eternidade de goles em seco. De frases incompletas. E mesas não-postas. Agora a democracia não tem voz. Foi-se nossa eterna primeira dama. Foi-se a doce Ruth, do Fernando. Chegou a maior tristeza de um homem. Presidente, por mais que isso nada signifique, você tem meu choro em solidariedade.

segunda-feira, junho 23, 2008

Fon-fon

Por André Debevc

estar ao seu lado
me faz um bem danado

eu lavo a louça e você rega as plantas,
e assim segue a vida, gostosa e divertida,
antes que o despertador nos acorde,
de segunda à quinta, quase às oito da manhã.

levantar todo dia dessa cama
e viver essa rotina sã me recheia os sonhos,
cravejando a volta do trabalho de planos
e vontade de beijar a sua nuca.

amar é meio isso mesmo,
criar uma religião com um deus falível,
desses que me deixa te irritar
só com o comentário que faço
do jeito que você dirige.

Ops...

Por André Debevc

o peixe morre pela boca,
o homem pelo coração - que às vezes se confunde,
e pulsa dentro da calça.

quinta-feira, junho 19, 2008

Olhar Fracionado

Por André Debevc

às vezes, confesso,
te olho aos pedaços…

nuca
olhos
boca

peitos
barriga
flancos
pés

e me convenço
que viveria sem embaraço dias
nesse estudo deste tudo
meticulosamente distraído de você.

ao som da sua voz mansa
falando qualquer coisa
te vasculho ocupada
na tarefa nada pesada
de simplesmente ser você

e sem régua te meço
e sem chegar perto te beijo
e te cheiro.

amo-te em partes,
que somadas
fazem mais que um inteiro.

e se numa hora dessas você me flagrasse
com todo meu ser seguindo seus passos,
não me restaria nada a confessar senão
a mais pura verdade,
que sim, minha pequena,
tem horas que te amo em pedaços.

sexta-feira, maio 23, 2008

Havana

Por André Debevc

A manhã se convida para dentro do quarto pelas frestas da persiana velha de guerra que o hotel anda precisando trocar. Dançando nos feixes de sol penetra que corre o chão, a poeira do tempo, embalada em sussurros e interjeições, vai ricochetear naquele quarto para sempre. O ventilador de teto gira ainda entorpecido tentando cortar o ar denso que ainda emana a maratona de pernas e bocas e mãos que ela e ele percorreram, e ganharam. Parece Havana de tão quente e úmido. Parece Havana de tão granulado e irreal. Talvez até seja Havana depois de tanta sensualidade e tesão. O jeito que se olharam quando a porta fechou, o jeito que se pegaram quando tudo não parou. Corpos exaustos em lençóis molhados e atravessados pelo quarto. Os celulares desligados pro mundo. O universo todo deletado da porta pra fora. Velhos amantes amando corpos antes tantas vezes percorridos e até decorados. Depois de quase aplaudirem, só mesmo as tatuagens descansam, certas de que não são mais a única coisa que eles terão para sempre. Ele vai acordar com cara de safado e cínico. Ela com um sorriso e as pernas ainda bambas. Os dois pensando em começar tudo de novo. Os dois adorando acordar com aquele cheiro familiar e que nunca realmente esqueceram. A distância entre eles andava escondendo alguma coisa forte. Alguns dizem que é saudade, outros tesão. Das pernas dela em prender o corpo dele. Da boca dele em ler em braile as curvas e penugens dela. Um encontro tão clandestino quanto inevitável, rasgado pelo toque do telefone do quarto no dia embrulhado em preguiça.
Ela atende. E antes que ela possa desligar, ele já mergulha sem piedade ou hesitação em direção à nuca. Ela arqueia as costas e pede mais.

segunda-feira, maio 05, 2008

TODAS

Por André Debevc

as que me disseram sim
e as que me deram pelo menos um não,

as moças que eu sempre quis e nunca tive
e as que eu quis uma vez e tive sempre,

as que me encheram de sorrisos
e as que me secaram de lágrimas,

as mulheres que eu quis ter na boca
e as que quis nunca mais ter nos olhos,

as que me tiveram pra sempre
e as que sempre me prometeram o que nunca podiam dar,

as fêmeas que me beberam
e as que me escorreram pelas mãos,

as que beijei com vontade
e as pra quem mostrei a língua

aquelas que quis levar pra uma ilha
e as de quem eu não consegui fugir,

as que estraguei eternamente
e as que consertei só com um sorriso um pouquinho mais longo

todas as que cruzaram o meu mundo me trouxeram até aqui
pra deixar você ser a única que pode me chamar de seu.

por pura falta do que fazer

Por André Debevc

hoje por pura falta do que fazer
eu tô pensando em te comer

na cama no banho ou até num sofá
confesso que estou aqui perdendo meu tempo
pensando em como pode ter sido e até será

tô há minutos (ou seriam já horas?)
parecendo sério sem precisar sorrir sozinho ou disfarçar…
coisa mesmo de quem tá pensando em outra pessoa
em outra coisa, e certamente em outro lugar

tô no meu velho lugar sem saber de você,
ser ter idéia nem certeza se você já pensou em me dar
enquanto tava sozinha com o chuveirinho
ou dormindo só de calcinha num quarto com ar

hoje por pura falta do que fazer
eu tô pensando em te comer

mas não se envaideça não

minha falta completa
do que fazer já vai passar.

terça-feira, abril 22, 2008

A Blueberry Life

Por André Debevc

Cores saturadas, movimentos laterais em camera lenta e muitos silêncios. Lembranças são assim, peças órfãs e granuladas de quebra-cabeças sem trilha sonora ou frases de efeito ricocheteando pela eternidade. Finais que não engolimos e chaves de portas que fecharam, perdidas em um jarro de vidro onde nadam histórias contadas por um só lado. Ninguém ensina a gente na escola a ser deixado. Mas se a gente deixar, o mundo até gosta que a gente se reinvente.

sexta-feira, abril 18, 2008

Melhoras

Por André Debevc

A distensão já melhorou bastante. E a panturrilha já tá bem menos inchada. Sempre achou engraçado este nome. Panturrilha. Melhor que chamar de batata da perna, diz. Nem parece batata. Andar já anda mais fácil, assim como levantar da cama de manhã. Hoje mesmo nem queria sair da cama. A namorada ali, quentinha e cheirosa, pedindo pra ele inventar uma desculpa e ficar ali na cama, sem precisar levantar e descobrir que a panturrilha melhorou. Não deu. Levantou depois que o despertador tocou pela segunda vez. Foi pro banho ainda pensando se casar e morar junto é a mesma coisa. Anda pensando. Em morar junto. Ele e a moça que não acorda cedo às sextas-feiras. Afinal também é o rodízio dela, né? O dele não é hoje. Foi na quarta. Dia da distensão. A batata da perna rasgando. Batata não, panturrilha. Passou dias mancando. Anti-inflamatório e gelo. Andar, só devagar. Como os amigos que vão se perdendo pelo caminho. Anda pensando. Nos amigos. Em fazer um esporte diferente. Já até mudou o visual. Óculos novo e meia dúzia de peças virgens no armário. No trabalho anda até mais falante. Culpa da distensão que o deixou mancando. Ela não é a única coisa que já melhorou bastante.

quarta-feira, abril 16, 2008

outro dia

por André Debevc

Tem dias que, sem motivo ou explicação, uma tristeza gigantesca invade minha alma. Aí fica reverberando nos ossos aquela saudade imensa de não sei bem o quê, que tira o brilho dos meus olhos e deixa meu sorriso opaco. Uma quase dor latente que dá um sono e uma preguiça danada, às vezes até de falar, acreditem. E me faltam respostas ou justificativas. E reviro os bolsos da minha existência, vasculho os cantinhos pouco varridos da vida, e nada. Nada explica essa minha tristeza. Nem a programação pobre da tv, nem avenida engarrafada. É meu dia de reticências. Sem alegrias nem tragédias, sem sorrisos verdadeiros nem elogios falsos. Tem dias que uma tristeza gigantesca invade minha alma, uma tristeza que não é minha. Espero que amanhã não seja um destes dias. Porque hoje já não tem como não ser.

sexta-feira, março 28, 2008

inconstante

Por André Debevc

Sou um homem que vive de vender palavras. Tenho meia dúzia de sonhos e uns dois ou três pesadelos nos bolsos. Me satisfaço com o que vale a pena, e curto cada dia mais ser o melhor de mim mesmo, sem precisar agradar ninguém. Carrego cada vez menos melhores amigos no peito. Conheço algumas verdades, nutro seletas esperanças, e rezo toda noite pra aprender a perdoar pra um dia, quem sabe, esquecer de vez a minha coleçãozinha de mágoas. No caminho de casa, costurando o asfalto no meu carro, olho para o horizonte de concreto na cidade cinza e lembro de tudo que eu já quis ser. E nessa hora, vejo pelo retrovisor, que o sorriso que me vem, não tem nada de amarelo.

terça-feira, março 18, 2008

Pré-destinados (em até 150 toques)

Por André Debevc

Antes mesmo de sonhar aquele beijo, já a tinha nos braços. Os dois ali só de passagem. Mãos dadas na madrugada, embarcando juntos com um só destino.

Outro meio, outro fim

Por André Debevc

Espero que isso nunca me complique, mas sei que sempre que falar de você, vou acabar sorrindo. Complicar por que, ele perguntou. Ah, sei lá…você sempre acaba com umas mulheres ciumentas, que não gostariam de saber o que tivemos. Quer dizer, na verdade acho que é normal ficar incomodada quando você suspeita que o seu namorado teve uma relação super carnal com uma mulher que está ali te dando dois beijinhos com a cara mais deslavada do mundo. Carnal? – Ele indagou. Como mais poderíamos classificar o que tiveram, pensaram. Ele ousou dizer que nunca precisaram dar nome pro que tinham. Verdade, ela disse. E aí sorriu. E assim se despediram deste quase desencontro. Ali no aeroporto onde ela voltava para sua casa em Paris e ele passava por um desvio de ponte aérea em dia de neblina baixa.

Ao vê-la ir embora quem sorriu em silêncio foi ele. Vendo a ir, elegante e discreta como sempre. A mulher com quem, alguns anos antes, tinha vivido um intenso e rápido caso de sexo e amizade. Nada oficialmente clandestino, mas também longe de ser publicamente assumido, mesmo que nenhum dos dois tivesse compromisso pra impedir. Muito pelo contrário, vinham de desastres emocionais e estavam, os dois, com o coração fechado para balanço. Mas nada que impedisse o corpo de funcionar, claro.

Os encontros frequentes por causa de amigos em comum foram o princípio impensado de tudo. E quando se deram conta, estavam na sala, na cama, no box, no mar. Amantes sem compromisso ou paixão para os condenar ao fracasso. Vivendo uma maratona de pernas, línguas, calores e aquele suor que só costuma pingar de corpos muito ofegantes e sempre prontos para mais.

E o que crescia, rentitente como capim colonião, entre os encontros feitos para o sexo, era amizade. Conversas raras, do tipo mais sincero que um homem pode ter com uma mulher. Um papo realmente desprovido de intenções ou armadilhas, tão nu quanto ele e ela numa velha tarde de Natal, antes de cada um seguir para suas famílias sem trocar ao menos um presente. Eles que voltariam ali algumas outras vezes para descobrir os corpos um do outro. Com bocas, mãos, lábios e sexo cúmplices apenas na tarefa de se darem prazer. Sempre.

Estritamente sexo. Sem apego, esperanças ou promessas. Sexo tão compatível que chegava a dar medo. Os corpos nus, ou sempre a caminho de se arrancarem as roupas. Ela que costumava dizer que ele só tinha uma habilidade maior do que a com as palavras: a habilidade que tem com a boca. Ele que sorria cínico em público ao vê-la passar com seus peitos espetaculares e uma atitude de fazer padre engasgar em plena missa.
Ela era mesmo uma mulher sensacional. Em tudo. Bonita, inteligente, interessante e muitíssimo talentosa e fogosa entre lençóis, no chão, na água. Ele era um homem comum, atormentado pelo passado e com uma certeza: a de que uma mulher daquelas não apareceria na sua vida todos os dias. Talvez fosse até bom que fosse assim. Superficial e intenso. Quente e úmido e com cheiro de coito como o ar pesado das tardes que passavam juntos.

Entre amigos, a cordialidade e distância deles escondia a voracidade e vontade com que se despiam quando ficavam sozinhos. Admiravam-se, sem dúvida. Sempre gostaram do sacarcásmo e inteligência um do outro. Sempre gozaram muito um com o outro. O calor lascivo dela, as tentativas de acrobacias dele, a disposição dos dois. Em alguns momentos chegaram a se entender só no olhar. Foi quando começaram a perceber o quanto gostavam do cheiro, jeito de pegar e do calor um do outro. Foi quando ele começou a pensar nela no caminho de volta pra casa. Foi quando ela começou a esperar que ele ligasse.

Um dia o telefone nunca mais tocou. Talvez a regra fosse mesmo essa. A regra não dita para que sempre sorrissem quando ouvissem o nome um do outro. Respeito e carinho por uma amiga que adorava prender o rosto dele entre as coxas. Uma amiga que sorri quando fala dele. Como ele sorri quando pensa nela. Mágoa nenhuma, nunca. Assim como deveria ser sempre. Ainda bem.

segunda-feira, março 17, 2008

Na falta de Greene

Por André Debevc

Você com certeza não leu Greene. Se não foi obrigada ou apresentada a alguma cena antológica dele, você não deve mesmo saber quem é Graham Greene, autor de algumas obras primas da literatura mundial, entre elas o livro “Fim de Caso”. Leitura nunca foi o seu forte mesmo, fazer o que (daqui a pouco sai o filme, não é isso?). Quem sabe agora que você tem que saber um pouco mais sobre os grandes personagens, quem sabe agora você um dia se depare com Maurice Bendrix, um dos maiores personagens de todos os tempos. Um covarde, canalha, quase um anti-herói. Quem sabe…

Mas também, quem sou eu pra dizer quem você leu e quem você não leu? Eu não sou ninguém. Não pra você. Não hoje. Não mais. Você nunca leu Greene. Nunca soube como são as coisas do amor, como são os jeitos da traição. As canalhices e os suspiros, as cegueiras temporárias e o sangue frio conviencente. Você e seus personagens. Até hoje não sei que você realmente era. Seu amor, sua dependência da minha asa, sua necessidade da minha companhia e atenção. Eu não sei de nada. Nada de você. Me dói só saber que você nunca leu Greene.

"Esquecemos as pessoas que amamos, mas não esquececemos as pessoas que traímos." Greene disse isso. Se você lesse, saberia. Não. Você esqueceu quem amou e, principalmente, quem traiu. Nem Bendrix seria tão ingrato. Mas, de novo, você nunca leu Greene. Maldita incauta!

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

em órbita

Por André Debevc

ainda encostada em mim,
ela está incomunicável
em órbita irregular rindo sozinha.
de olhos fechados
esboça tapar o sorriso com as costas da mão.
mas entorpecida de si mesma não consegue.
sensível até o primeiro toque
desacelera espásmos entre lençóis
sem procurar se quer uma só palavra.

para entender tudo que ela gostaria de me dizer
só preciso estar de olhos abertos.

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

dia de sorte

Por André Debevc

a respiração pára e ela arqueia as costas enterrando a cabeça na cama.

até há intenção de uma interjeição mas não há consciência para articular uma.

vejo seu ventre vibrar entre seus goles secos.

ela agora está em órbita, suando ofegante em outra dimensão.

alegria, letargia e uma vontade de retribuir a tomam na volta a este planeta.

não tenho lugar nenhum para ir agora. deve ser meu dia de sorte.

Outro fim de caso

Por André Debevc

tem hora que nada que possa ser dito tem efeito,
a frase sai até medrosa, de tão sem jeito.
um ali gaguejando as palavras que transboradam do peito ferido
e o outro querendo ir embora já existindo ressentido.

fim de caso tem dessas coisas,
a história começando a se apagar do jeito mais doído,
e as lembranças atravessando de vez pro pretérito imperfeito
querendo convencer que a morte daquilo tudo que se pensou eterno
algum dia vai fazer sentido.

(como dói o peito)

quinta-feira, janeiro 31, 2008

vice-versa

Por André Debevc

quase 3 da manhã num meio de semana cinza de um verão frio. lá fora até a garoa e congonhas descansam. aqui depois do vigésimo andar, caixas de pizzas vazias e fatias órfãs se esparramam pelo ambiente com um cheiro engordativo e querendo não ser tão recente. no avançar do ponteiro e re-envio de emails, só se ouvem teclas batendo e a impressora incansável cuspindo insossa layouts repetidos. palavras poucas entremeiam suspiros longos. tem um copo de guaraná esquecido a caminho da escada. há olhares cansados e perguntas repetidas. meu amor foi dormir com raiva de mim pela minha ausência. será que ela sabe lá no fundo do peito, que nem deve sentir minha falta agora, que era trabalho? e que com trabalho eu não brinco. menos de 15 minutos pra 3 da manhã...e eu só penso em beijar a minha branca e dar o fora daqui. Ou melhor: vice-versa, que é pra poder não ter que parar os beijos tão cedo.

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Bem Juntado

Por André Debevc

A gente não sabe mais dormir separado. E quando cai a madrugada de segunda-feira, depois de rolar mais de mil metros indo de lado a lado, lembramos com um quase sorriso de saudade no rosto que desaprendemos a dormir com um pedaço da cama desocupado. Chegamos naquele momento, raramente celebrado, onde os corpos só sossegam e descansam pra depois se cansar se um pedaço do seu pé pode me encontrar no meio da noite sem horário previamente acertado. Então vamos ver se vivemos, daqui por diante, sem faltas o nosso delicioso combinado: te dou casa na minha asa, e você me traz esse seu cheirinho gostoso de banho tomado. Não sei mais dormir separado, sem acordar à noite correndo o risco de ter o ante-braço mais lindo do mundo pelo meu peito docemente atravessado.

terça-feira, janeiro 15, 2008

Imperma o quê?

Por André Debevc

A paz de vê-la dormindo o fazia suspirar mais fundo na companhia singela de um sorriso, destes do tipo doce, mas sem qualquer sinal de dentes. Covinhas leves na bochecha talvez. Brilho de felicidade nos olhos talvez. O calor da mão dela largada quase inconsciente sobre seu peito, subindo e descendo em longos movimentos quase letárgicos, trazia uma sensação de paz e complitude que sua alma nunca tinha experimentado. Em tardes assim, com a luz sumindo pela janela de sábado, a impermanência – tanto lembrada pelos budistas - parecia brincar de mágica de desaparecer para sempre. Dentre os mil mais de mil segredos que ela guardava, esta era apenas mais uma de suas espetaculares habilidades. Destas do tipo que o faziam achar que ele podia ser muita coisa. Até mesmo o homem mais feliz do mundo.

Felicidade (em até 150 toques)

Por André Debevc

Quando percebeu, viu que era mais feliz do que pensou que pudesse ser. Teve até medo, mas mesmo assim decidiu não guardar pra si todo aquele sorriso.