sexta-feira, maio 05, 2006

Rotinas Rotinas

Tomo café da manhã num boteco movimentado
faço meu jantar numa loja de conveniência onde esbarro em velhos amigos.
Tenho uma barba insistente e cerrada
e um punhado de moedas do troco
que ainda não encontraram o furo dos meus jeans.
Ando sem muita pressa de chegar
dirijo como se fosse me atrasar
e encontro cúmplices de porres nas migalhas de rotinas desatentas.
O meu amor me deixou porque eu amava demais
meu carro adora deslizar nessa chuva
dou as costas pro que não me satisfaz
e não estou nem aí pra vocês.
Tanto faz se meu time perder
ou se uma daquelas meninas não ligar.
Meu motor de arranque tá de férias
a ex-musa liga carente

...eu sou o cara que não se apaixona.

INEVITÁVEL

Sei que vou morrer nos braços de uma mulher,
de peitos assim perfeitos como um drible intomável,
depois do mais incomparável dos meus beijos
ao fim de milênios cansados e incontados.
Mais de sete vidas terão se esgotado
e estarei eu largado na sílaba final de destino
com a boca quase aberta no peito direito perfeito de musa
e sua mão canhota perdida nos meus pêlos,
esquecendo as lágrimas que a escorrem sussurrantes
cheias do gosto enganando doce todo o sal que ela achava que tinha.
Só espero levar o tempero do seu corpo
assim astral e brilhante rasgando minha vida e meu céu
tão picante como mostarda nacho cheese e diamante,
no gozo que rima com todos os meus mais sinceros sorrisos...

Jornal Nacional

Quando eu morrer quero um bloco inteiro no Jornal Nacional,
um espaço obsceno no jornal da nação com meus versos empunhados como lágrimas
pelas viúvas da minha sensibilidade e canalhice.
Quero pisar fundo na imortalidade nas vozes de ninfetas apaixonadas
quero saber dos lenços brancos encharcados
e do luto voluntário estampado nas almas que amam.
Posso até pedir desculpas quando esbarrar no pesado abatimento dos apaixonados.
Quero aviões supersônicos rasgando os céus carregados
derramando pétalas negras antes da chuva radioativa
e um tom grave na confissão de qualquer segredo casual.
Quando eu morrer quero ser inesquecido pelos meus beijos
e incomparado pelos meus poeminhas que sempre só quiseram amar demais.
...talvez eu nunca tenha conseguido...

E as lágrimas do dragão?

...E as lágrimas do dragão, pra onde vão?
Onde é que vão parar os momentos que passam,
os segundos que fogem,
as palavras sussurradas, sufocadas, gritadas?
Onde é que vão os tempos que passam,
os sentimentos que existiam,
as coisas que aconteceram?
Aonde é que são guardados todos os momentos,
quem arquiva o que foi vivido e o que nem aconteceu?
Tudo que já se sentiu,
tudo que já se viveu,
tudo que já pensou acontecer,
pra onde as coisas todas vão?
O riso, o choro, o grito e a esperança, pra onde vão?
O silêncio, o pranto,
onde é que vai parar o que passa?
Será que o vento leva?
Será que a chuva carrega?
Será que a noite esconde?
Será que o dia evidencia?
Onde é o lixo universal?
Onde é o arquivo do que acontece e vai?
Existirá um tapete sobre tudo?
Onde DEUS esconde o que deixa de ser presente?
Mas os momentos que passam, onde se escondem?

...E as lágrimas do dragão, pra onde vão?

Seu pra sempre acabou antes do meu

Seu pra sempre acabou antes do meu,
na passeata de ilusões
a minha ficou perdida no meio de todo aquele passar de horas.
Dias que vão como a nossa vida desapercebida
em rotinas quase compassadas que também escorrem sem volta
como todo esse ar que acaba um dia óbvio e inútil nos cercando.
Depois,
depois ninguém sabe mas aí tudo serão lembranças inertes
congeladas num passado imperfeito
cúmplice da absoluta inexperiência muda que não se rende.
Fiquei com suas promessas nas mãos,
nos cantos invisíveis do coração,
moedas que não valem mais nada brilhando até no escuro.
Nem você pode fazer promessas
na sua falsa mínima imperfeição,
os relógios ainda têm que correr e nós nem nos sabemos ainda.

A rotina compassada tem espaço para melancolia sem folgas.
Seu pra sempre acabou antes do meu.

Viver é escolher o que esquecer

Viver é escolher o que esquecer,
viver é escolher o que não perder,
cada dia nasce um dia
todo dia traz conquistas, perdas escolhas, desilusão.
Escolher um controle, ilusão.
Controle é ilusão, amanhã é ilusão.
Não há muito que fazer, só viver e continuar,
viver e escolher.
Mas continuar,
continuar, só depois...

Fui a melhor coisa que aconteceu na vida de alguém

Fui a melhor coisa que aconteceu na vida de alguém.
Podem sorrir com o canto da boca,
nem ela tem certeza disso de verdade, se é que sabe.
A humanidade é inconsciente
as mulheres inconseqüentes
e alguns sentimentos às vezes são só inconvenientes.
Me chamem de presunçoso,
atesto minha prepotência porque conheço o amor,
atirem suas facas contra mim, abram fogo !
A morte pode ser melhor que sexo bem feito
mas ninguém tem certeza, nem ela me ilude mais; é mulher eu sei.
Carrego o amor como areia nos bolsos, estou vazio vazado
mas ainda sujo os dedos sempre
naquele cantinho que não dá pra revirar. Esquece!
Continuo sorrindo canalha, conheci a paixão seus idiotas!
Posso seguir indiferente a toda essa gente ignorante,
os momentos podem ter fugido apavorados na coleira Victor Hugo daquela musa
mas os sentimentos e lembranças estão mais que cravados na minha alma em crepúsculo.

Cada dia é uma promessa menos pedante que eu arrasado.
As noites às vezes só vêm para atestar a mentira nova,
e eu,...bem eu olho indiferente,
sem mexer o canto da boca.

-

você calada me pede um beijo
eu calado digo que desejo

você muda mergulha nos meus olhos
eu mudo pareço usar antolhos

você quieta diz me querer
eu quieto procuro esconder

você imóvel se joga em mim
eu imóvel te cerco assim

Programa de Milhagem

Você devia lançar um programa de milhagem para minha boca.
Cada vez que meus lábios te encontrassem
um bônus seria jogado na minha conta,
assim, acumulando pontos,
eu ganharia vantagens e descontos
nas vezes que precisasse tanto de você.
Toda vez que minha língua te provasse
ou minha boca te percorresse,
ganharíamos viagens incríveis aos nossos paraísos,
teríamos descontos no tempo entre um beijo e outro,
e freqüentaríamos rotinas de primeira classe.
Como membro único deste programa,
te daria em troca muito mais do que exclusividade
ou fama,
te daria um amor de verdade.

Sorrindo Sem os Dentes

Por André Debevc

Para início de conversa, virei o rosto, continuei andando sem dizer uma só palavra. Comecei assim pelo fim mas já conto a história, calma. Fiquei com a impressão de que o mais importate naquela noite tenha sido isso, de eu ter sorrido e virado a cara. Sorri sem mostrar um só dente, e segui com minha vida porque a consumação no bar não tinha chegado nem na metade ainda.

Voltando para casa, vasculho meu arquivo de canalhices e não consigo saber porque ela não queria mais ter contato comigo. Geralmente o fim de uma relação pega a estrada de afastameto, e cumprimentos esritamente necessários, depois que alguém pisa na bola. Eu não tinha pisado e estranhava tudo isso. Nunca achei que diálogos monossilábicos fossem ideais para nós, que num dia distante e galáxia muito distantes, trocamos carinhos e fluidos corporais.

Tudo bem que quando ela me comunicou o fim do relacionamento, e sua mudança para longe, eu acabei achando conforto e carinho nos lábios de algumas de suas conhecidas, mas ela já tinha deixado óbvio que não me queria. Se amigas queriam alegrar a vida e açucarar a minha rua da amargura, não seria eu que iria pará-las. Eu a quis de volta como um homem só quer uma mulher de volta em sua vida inteira – mas se não podia, só me restava colar meus cacos com cuspe...

Se eu tivesse colocado as fotos “sensuais” que tenho dela na Internet, ou coisa que o valha, tudo bem, mas nem isso eu fiz. Posso ter errado, como todo homem vivo, falível e imperfeito, mas nunca fiz nada que justificasse essa repulsa que ela tem de mim hoje. Sei que posso ser um canalha – já mereci até troféu por ter sido insensível, egoísta e algum outro defeito grave do qual não me lembro agora, com algumas mulheres sensacionais - mas não com ela. Fui bonzinho. Vai ver aí está a falha. Tem mulher que odeia isso.

Bom…sem trocadilhos, voltemos à vaca fria. Eu estava lá, bebendo com amigos, quando dou de cara com ela. Ela, que há poucos dias tinha me dito que preferia não ter contato, sentadinha de frente para mim. Juro que na hora, ouvi a gargalhada do destino, se mijando de rir. Minhas pernas pensaram em ficar bambas mas logo vi que aquele costume de deixar o peito disparar na presença dela, tinha caducado. Minha dignidade me pedia que eu sorrisse e virasse sem esboçar uma palavra. Simples.

Antes tivesse pulado o muro todas as vezes que tive chance quando estava com ela. Antes tivesse sido um canalha de dar inveja aos personagens de Nélson Rodrigues. Todo aquel bom-mocismo, para dar nisso. Oi e olhe lá. Dois estranhos sem passado. Se eu tivesse sido mau como fui com mulheres que nunca senti dentro do peito, teria sido melhor. Pelo menos saberia porque tudo que ela deseja de mim é distância. Mudei depois dela. Errei com mulheres a torto e à direito. Não deixei ninguém ter tanto acesso a mim como ela teve. Fiquei mais cínico, cortante.

Tem coisas que a gente não entende nunca. Vai ver, para mim, essa é uma dessas coisas mal resolvidas que incomodam sempre, feito o osso que um dia quebrei jogando bola. A gente tem que saber escolher o que deixar para trás. E às vezes só se dá conta que começou a aprender quando vê que não precisou engolir silêncio nenhum, e pode simplesmente sorrir. Sorrir sem mostrar um só dente. Sorrir – como diz o Veríssimo – só com a boca. Até porque se entendo alguma coisa de mulher isso quiz dizer que…motel nem pensar, né? E eu que pensei que tivesse deixado aquela porta aberta, pronta para um encontro assim, casual e descompromissado. Quanta ingenuidade.

Dia Internacional do Vício

Ai mulheres…eita viciozinho mais gostoso que um homem pode ter. Sempre com uma na cabeça. Melhor e mais caro (muito mais caro) que cigarro, mais embriagante que qualquer coisa que contenha álcool…mulheres! Até Dia Internacional elas têm, como se todos os dias não fossem elas a decidirem os rumos da humanidade. Ou você pensa que a não-convocação do Romário não tem o dedinho da mulher do técnico da seleção?

Morenas, baixas, loiras, fofinhas, gostosinhas, magrelas, com ou sem peito. Nuca de fora, ou cabelão. Tem mulher pra todos os gostos. Por isso vicia. E não importa aonde você vá, sempre tem uma mulherzinha lá pra mexer com sua atenção. Se ela faz ou não seu tipo, bem…isso pouco importa. Não existe uma mulher idêntica à outra, mas no fundo são todas a mesma coisa, a brincar com nossos sonhos, bagunçar nosso futuro e nos deixar completamente confusos.

Tem gente que não gosta de mulher com sotaque por exemplo. Eu, particularmente acho uma maravilha. Devo ter herdado isso do meu avô mineiro ou do meu pai gringo. Adoro mulher com sotaque. A doçura das mineiras, o dengo das baianas, a seriedade das paulistas, o charme das gaúchas…as mulheres brasileiras são mesmo as melhores do mundo, sem dúvida nenhuma. Basta morar fora pra descobrir que falta as brazucas fazem. A graça, o jeito de andar, de mexer, de sorrir e até o jeitinho de ser esnobe (e como brasileira sabe ser marrenta!!) são lindos.

Graças a Deus nasci homem pra ter a noção de como é bom ter (em todos os sentidos mesmo), e ser de uma mulher. Nada no mundo deve ter sido feita de forma tão perfeita para seduzir e cativar usando-se de tão pouco. Duvido aliás, que a fêmea de qualquer outra espécie possa ser tão diversa, tão complexa e cheia de pequenos detalhes como as mulheres.

Deus tava mesmo inspirado quando criou a mulher. Adão, o primeiro macho da História que o diga. Vale lembrar que Lilith não deu mole nenhum pra ele e deu no pé, obrigando o Criador a re-inventar a mulher, e re-escrever a história dando uma nova “primeira mulher” à sua primeira criatura. Pegava mal divulgar que seu ser tinha sido abandonado logo na primeira tentativa, pegava não? Pra vocês verem que TPM já atrapalhava muita coisa naquela época, ou vocês acham que Lilith era somente um pouquinho geniosa? Vai ver era 8 de março, deixa pra lá…

Mulher é bom de pôr na boca. Bom de ver, de sentir derreter, de se ter em volta do pescoço, de fazer emitir sons estranhos e quase ininteligíveis por causa dos nossos beijos, toques, sugestões e cheiros. Mulher quando é boa, é bom demais.

Poucos homens são capazes de descrever com exatidão o que mais amam nas mulheres. Uns dirão que é aquela curva onde o braço encontra o peito mas ainda não é peito. Outros dirão que é a nuca, ou o umbigo. Ainda hão de existir os que vão dizer que o bom mesmo da mulher é o conjunto perfeito de formas e graça. A vozinha rouca quando acorda, a parte de trás do braço ou do joelho… Homens aprendem mulheres em partes. Detalhes físicos ou trejeitos.

Mulher é bom quando é real. Mulher tem calor, umidade, cheiro, textura e gosto. Prato completo para todos os sentidos. Mas quando ela bate lá no fundo do peito, isto tudo aumenta mais ainda, e a sensação de sentir uma mulher se espalha como nunca.

Aprendi que ver uma mulher só pelos atributos físicos dela era feio. Pelo menos foi isso que tentaram me ensinar, que beleza não é tudo. Sei disso. Nunca me apaixonei por uma mulher linda aliás. Mas sempre descobri lindas as mulheres por quem me apaixonei. Muitas não chamariam atenção numa festa ou passariam sem serem incomodadas por aquela roda de chopp de machos recém-chegados do futebol loucos para falarem uma gracinha. Acho que sempre soube ver nas mulheres algo além da aparência, e todas têm algo especial. Personalidade e estilo contam também, sem falar que eu jamais conseguiria me ver com uma mulher burra ou submissa.

Sou da geração que não olha a mulher como pedaço de carne. Qualquer macho inteligente sabe que não existe nada de inferior numa mulher. Tenho amigas mulheres, a acho que acredito na amizade isenta de interesse (sexual) entre homens e mulheres. Posso admirá-las, aprender com elas sem que isso me faça menos macho. Posso até estar errado, mas faz parte.

Enfim, um dia pra comemorar. O oitavo dia de março é dedicado a vocês, a elas, que nos enfeitiçam e estragam. A elas que fazem da Terra um planetinha melhor com suas idéais, seu trabalho e sorrisos. De todos os erros que sempre irei cometer, um admito feliz da vida: sempre amarei as mulheres. Por mais que eu não encontre a minha, por mais que meu grande amor seja só uma lembrança do passado.

Minha mente de macho não esquece como ter uma mulher por inteiro (de corpo, alma e coração) é bom. Chegamos a viver um pro outro (ela e eu), um se alimentando do outro, da alegria, cumplicidade, paixão, tesão e necessidade de estarmos juntos. E ninguém sabe fazer isso melhor, ninguém sabe trazer à tona o que há de melhor num homem do que uma mulher apaixonada. Mulher é o melhor vício que um sujeito pode ter. Acaba com a gente, leva nosso dinheiro, nos deixa no buraco depois de nos levar ao paraíso, mas ainda está pra existir coisa melhor do que encontrar uma calcinha no chuveiro, um bando de cremes no armário do banheiro ou comidinhas dieta que um verdadeiro macho jamais teria na geladeira.

Minhas mulheres vivem todas aqui, na minha mente e peito. Cada uma tendo me ensinado um pouquinho de cada coisa. Umas tendo sido mais ou menos presentes que as outras. Sou grato a todas elas. Sou quase um filho delas todas. Fui amante, irmão, marido e amigo. Sempre serei um admirador. Parabéns pelo dia de vocês. O mundo tinha mesmo que parar para fazer reverência…

…mas será que tinha como dar um jeitinho de convocar o Romário?

Pintas São Armas

Por André Debevc

Acho que tem certas mulheres que nascem com aquelas pintinhas na alma. Sabe aquelas pequenas marquinhas, geralmente redondas como leves pingos de chocolate no sorvete de flocos? No cólo, nas saboneteiras, nas coxas...Pois é, o resto que me desculpe mas ter pintinhas é fundamental.

Não é preciso ser uma floresta de flocos para seduzir o mais sério dos homens. Apenas algumas inocentes pintas dessas podem desarmar o mais inconquistável dos seres. Não há seriedade que resista a encontrar uma pequena pintinha (sem cabelo, por favor!)desavisada no cantinho da boca ou em qualquer outra parte estratégica. Haja força para não se derramar ou ao menos comentar a existência da dita cuja que seduz e se coloca no imaginário de qualquer mortal.

Pelo que me lembre, não há uma só incauta da minha história que não traga no corpo as doces marcas embriagantes. Isso sem falar nas famosas beldades que ostentam tais gotículas como troféus, ou até mesmo ganhem a vida com elas, vejam a Cindy Crawford por exemplo. E a Luana Piovani com aquela fantástica pintinha pouco acima dos seios?

Lembro nitidamente de uma de minhas namoradas, talvez a que tenha mais prendido minha atenção e dedicação, no sentido literal mesmo. Tive o privilégio de contar todas suas pintinhas. Eram seis ao todo(falando em termos significativos). Começava pela pinta que parecia ser uma gotinha selvagem de chocolate, fugida da boca, e que seria o ponto médio certinho entre o lábio (carnudo e delicioso) inferior e o queixo. Ficava do lado esquerdo, meio que Cláudia Abreu, meio que Adriana Esteves, sei lá.

Deliciosa mesmo era a segunda pinta mais abaixo. Medindo no máximo uns três milímetros de diâmetro, postada maliciosamente no peito esquerdo de minha musa. Sempre ficava à vista nos decotes um pouco mais generosos. Que maravilha aquela pinta. Juro que ela, a pinta, sentia saudades minhas. Parecíamos ser conectados espiritualmente, ela e eu. Até hoje sonho com ela, lembro das vezes em que ela desfilava solene na sua beleza entorpecente para meus olhos, boca e dedos privilegiados. Bons tempos que não voltam mais. Acho ter recebido um telegrama de saudades dela noutro dia, mas não estava assinado. Esqueci de dar um nome de mulher para ela.

Assim como as estrelas, essas marcas deveriam ter um nome próprio, um bem único e intransferível como o amor de passado, que sempre tem razão. No caso da minha amada, suas pintas eram quase como pontos cardeais, por onde eu me orientava nas horas de prazer e descompromisso. Éramos só nós doze ali. Isso mesmo, nós doze(eu também tenho quatro pintas próprias), as minhas, as dela, eu e ela. Mas não acho que minhas pintas tenham sido tão relevantes nessas horas. Já as dela sempre foram.

Passam as moças, as pintas ficam. Meu imaginário parece até um sorvete de flocos, com peles nem sempre tão alvas povoadas, diferentemente, por saborosas pintas de chocolate. Eu amo em choc-chip! Ou seriam flocos? Sei que é só se saber que há pintas para desvendar que meus olhos se lançam para uma busca em câmera lenta pelas curvas, dobras e gestos da moça. Mas nem sempre encontro. Tive uma paixão platônica que tinha uma pinta no alto da testa, linda. Dia desses até sonhei com um rosto ainda meio indecifrado mas que trazia, vejam só, uma pintinha micra e linda bem no lábio. Nem acima nem abaixo dele, mas no lábio mesmo...

Sim, acredito que há moças com pintas na alma, só assim explico essa minha obsessão. Talvez aquele velho amor seja o culpado, mas mesmo antes as pintinhas me fascinavam.

Só Deus mesmo para pintar as moças com tamanha parcimônia e perfeição. Mesmo em horas a fio eu não conseguiria fazer trabalho tão sedutor. Cuidado senhores, elas estão cheias de armas para conquistar sua atenção, e uma delas é a colocação aleatória e feliz de pintas que desnorteiam e acabam com qualquer pretensão de domínio nosso. Seria bênção ou feitiço de doces bruxas?

Por isso, quando minha namorada dizia que a pinta estava com saudades de mim, ou então quando ameaçava esconder as pintas numa cruel greve, por isso eu entregava quaisquer pontos. Eu, nunca saberia viver sem as minhas estrelas chocolate, referência em qualquer universo.

A Hora Mais Escura

Por André Debevc

Quando frio chega, até os dias encolhem. O ponteiro do relógio pulou recuou uma hora duas meia-noites atrás. A luz do dia que já se esvaía mais cedo se deixou intimidar de vez. Os dias hibernam na mais longa das horas. O breu, as luzes laranjas, o passo mais apertado na saída do trabalho, tudo assume um ar mais gelado, com as invisíveis barreiras de frio e egoísmo se fechando violentas no mais espesso de todos os silêncios.

Essa hora a menos no dia se prolonga na distância de um outro mundo paralelo onde alguns de meus velhos amigos e sentimentos ainda passeia. Fico ainda mais longe deles, a sincronia se cala e permite um erro, desacerto vacilante até no temperatura das vozes esporádicas do outro lado da linha. Viver opostos não é mais somente uma metáfora de uma alma mais dramática ou sensível, é a mais crua realidade. Nem mais as verdades andam nuas por esta cidade. O frio seco do coração da multidão racha lábios e petrifica planos que só podem mesmo esperar pela época onde os casacos voltarão a habitar cabides e lembranças.

Agora tudo ganha um outro ritmo, tudo meio que se rende às hordas de casacos pretos e gorros que dita o inevitável peso extra da rotina. Como que mais que o corpo tivesse se defendendo da hostilidade e impessoalidade dos caminhos, das obrigações sem um pingo de calor a não ser o do filete de suor que se esboça quando o metrô infernal finge, e mal, ser agradável.

Quando o vento bate cerrando os olhos, quando as mãos se apertam xingando as luvas esquecidas uma parte de mim suspira os engarrafamentos intermináveis no calor da Rua Jardim Botânico, mas sei que continuo odiando as mesmas coisas. O que muda é a nova variedade de gostos e ódios, de pessoas e caminhos. Escolhidos ou renunciados, nunca largados ou incrivelmente deixados para trás…

As pernas de fora, as camisetas são lembrança, soterradas para muito nas camadas mais espessas das horas mais longas. Os minutos arrastados, os dias eternos, a noitinha precoce. Encontro calor nas conversas de bar, com refugiados como eu, temporários ou não, visitando em conversa o meu Suvaco de Cristo, episódios de riso em algum lugar das Minas Gerais, ou até as tardes de lerdeza e calor tentando achar vaga para estacionar o carro no caminho da praia de Ipanema.

Nesses momentos, de descontração e alegria, as horas parecem mais longas em calma e até conforto. A casa não está no lugar, mas sim nas pessoas que abreviam o frio com um sotaque tão carioca quanto o próximo Fla x Flu. Para todos nós o abraço de oi e tchau é um abraço longo de saudade.

quinta-feira, maio 04, 2006

Rotina fácil

Se quisera apenas te comer
Já morreria satisfeito:
Cabeça dilacerada entre suas coxas,
Cumprindo uma sina de macho esquartejado.
Mas não, não me basta saber o seu gosto,
Quero mais quero estabelecer um posto
De alegria e constância no seu prazer.
De gafanhoto nada tenho,
Nem zangão, minha rainha,
Tenho apenas o desejo de te amar demais.
Escrever uma estória começa com dois personagens
E uma escolha. Queria ser a sua.
Prêsa entre as pernas,
Nas inconstâncias da sua boca sussurrante,
Um meio caminho entre a eternidade
E uma rotina aparentemente fácil.

Troco

Ela era uma moça cheia de estórias e saídas
Tatuada pelos cantos de uma vida que ainda demora por acabar…
Eu era um estranho,
Passando meus olhos vagamente pelo rebanho na tentativa de ainda não
Me apaixonar.
Vidas que cruzam por acaso num terral diferente de Ipanema.
Agora a vida até que vale a pena,
Desejando seu beijo num próximo desvio.
As noites é que sempre parecem mais curtas nesse eterno meio-fio de vidas alheias
Co-habitabado um mesmo asfalto.
Quem rodou fui eu,
Mãos ao alto para entregar meu peito,
Minhas ilusões e covardia.
Quisera eu ter prometido mais que devia,
Pelo menos me safava com o troco da volta pra casa.

Herói às avessas

Sou um herói às avessas,
lutando sempre pelos motivos errados.
Morro pelo amor que não merece,
sangro pela pessoa que nunca reconhece,
me ponho em xeque pelas mais absurdas perguntas.
Decididamente, um herói do contra…

Clamo meu amor pela mocinha que não me sabe,
viajo léguas e horas para saborear o abandono,
exponho meu peito à deriva,
entrego minha estima ao primeiro bandido.
Espero quem não vem,
choro por quem não olha para trás.
Me apaixono pela mulher que não me assume,
vago vadio e largado vazio de qualquer alegria.

Nesta noite (nem nunca),
salvarei alguém do perigo,
ajudarei velhinha alguma a atravessar a rua.
Sou um herói às avessas
E minhas intervenções só orgulham a minha ruína.

Amar é covardia.

Nem lhe pergunto se queres e trago
Uma imensidão de ilusões.
Crio,
Espero,
Sofro um universo que você nem sabe.
Decifro todo gesto seu com infinito significado.
Sou barrado às portas do meu castelo de areia
Já que nada que eu trago nas prateleiras da alma
Passa pela sua fiscalização.
Nada encontra sua hora,
Marcada há milênios em minha emoção.

Imponho verdades,
Autorizo ansiedades
Remarco insanidades
Em cada vão minuto criado à sua espera.

Coloco em suas mãos tudo que tenho:
tempo, atenção, amor
Sem nunca perguntar se te cabem esses detalhes.

Te amo com tudo,
Sem vacilos sem hora nem desculpas.
Você nunca pediu tanto,
Você não sabe o que fazer com tão pouco
E decretamos o desespero.

Não dá para voltar atrás,
O passado é uma inquebrável estátua muda
Sem qualquer esboço a não ser o de deboche.
Todos os poemas de amor se tornam um presente incarregável.

Amar alguém é covardia.

2203

Você vasculha sua velha caixas de fotografias
e esbarra em mim, sorrindo dentes afiados de entrega
na película quase desbotada de tão velha.
Um segundo um pouco mais comprido sangra o tempo
com um suspiro seu de resignação. A vida nos rasgou em dois.
Sua vida não foi nem de longe uma coleção de coreografias perfeitas.
Na intenção de começar a juntar suas memórias
você se dá conta do quanto não nos sabemos mais.
Seus filhos, netos e cães já não dançam mais à sua volta
seu marido cansou de te trair
e agora baba no sofá uma estória de amor acabada.
O que você deixou a vida fazer com você?
Eu, errei muito. Vivi de errar,
saí por aí errando com todas as mulheres
por todos os caminhos.
Nunca achei nelas nada de você, meu último amor,
o amor que nunca soube o quanto eu a amava.
Patentiei meu cinismo,
formatei minha molecagem eterna e peguei a primeira reta,
desencontrei atalhos, fingi prometer amor sem ter nenhum pra dar
e fiquei podre de rico vendendo ilusões e riso on-line.
Aonde terão ido todas aquelas noites intensas de amor?
Em que gaveta terá você guardado
todo aquele seu carinho manso apaixonado por mim?
Uma lágrima comprida despenca de seus olhos silenciosamente afogados
Como na vez em que você embarcava pra longe levando meu coração no La Guardia.
Agora,
não adianta nada. O ano é 2203…longe de nós em todas as maneiras.
Você dançou por aí,
ganhou a vida e os palcos até seu joelho soluçar não poder mais.
Eu, morri, secretamente te esperando,
com os olhos debruçados na noite
cercado de mulheres erradas,
com um tigre tatuado no braço e um pingüim cravado no peito.

Parar de querer

Fomos separados muito antes de nascer.
Seu beijo só me veio para mostrar
o quanto posso gostar de querer.
Cumplicidade na verdade veio só me ver,
inocente e entregue ao amor.
Quem sabe eu fosse um experimento de dor,
testado ao extremo para me devolver
o instinto da saudade.
Pois a realidade é que meu peito
está sepultado no seu cimento
cinza e ciumento
por nunca mais saber tua boca,
e mais que isso,
nunca mais saber seus olhos.

Te perdi quando seus olhos pararam de me querer.

O Beijo

O beijo
não é um ato.

Nunca foi.

O beijo
é um lugar.

Revisitado;
mas nunca revisto
ou sentido.

Gravidade

Se até a gravidade,
inimiga feroz da tua silhueta,
age no teu peito,
porque eu também não posso?
Lágrimas e palavras falharam
na tentativa de provar minha verdade.
Sua alma só sorri amarela
para minha presença que se retorce muda
em espasmos de tristeza e impotência.
Sou eu,
fantasma de nossa ausência
conjugando verbo passado,
morto como Latim.
Às vezes uma referência
falsamente inocente alucina a realidade,
mas somos silêncio e incapacidade
quando meus olhos e palavras
cedem lugar a gravidade
na tentativa de agir no seu peito.

O Último Beijo, abre os olhos.

Por André Debevc

Depois de ser a única criatura no mundo que ainda queria mas não tinha visto o filme italiano “O Último Beijo”, eu, cidadão carioca, abri mão da praia e fui – junto com uma enorme população de idosas – assistir a sessão de 13:40 em pleno domingo de sol e relativo calor no Rio.

Adorei o filme, mas me senti acertado em cheio – feito o coiote nos desenhos, acertado pela bigorna. Qualquer homem teria se identificado com cada um daqueles sujeitos quase trintões e inconsequentes. Vi a imaturidade deles, e como as mulheres encaram a idade que têm com muito mais responsabilidade e pés no chão do que nós. Como somos meninos! Sempre tentando fugir, sempre querendo a emoção na veia, sempre chateados com a normalidade, com a rotina inevitável e simples.

Carlo - personagem principal acordou a tempo, mesmo tendo chegado ao ponto de trair a mãe da sua futura filha. Caiu de quarto pela irresistível ninfeta. Homem nenhum conseguiria ficar impassível frente aquela loira eternamente sem sutiã. Carlo, sucumbiu. E depois desistiu. Correu de volta para seu amor, optou por quem conhecia sem maquiagem, de TPM, já com os efeitos do tempo e gravidade. Sua Giulia o deu uma nova chance. A omissão da verdade inteira colaborou…Giulia perguntou o que tinha acontecido antes dele sair de casa, e não perguntou o que aconteceu depois. Todos os homens adorariam ter a briga para usar de alibi, de motivo. Carlo a teve, teve uma noite de “solteiro” para viver, expulso de casa temporariamente para sempre. Se tem uma lição a aprender até estes ponto no filme, é (do distorcido ponto de vista masculino) que se você vai mentir, envolva o menor número de pessoas nisso.

Todos os homens do mundo estão no filme...do casado que não aguenta mais o choro do filho e a esposa que virou só mãe, do sujeito apaixonado pela ex que não quer seguir os passos do pai, do mulherengo que dorme com todas para não estar com nenhuma, e do futuro pai que entra em pânico e cai nos peitos da ninfa loira por medo de estar entrando em algo para sempre, com a mesma mulher, boca, corpo, para sempre...

Talvez eu já tenha sido um pouco de cada um deles em algum momento. Já dormi com uma mulher para esquecer outra. Já entrei em pânico e acabei relações por medo de sofrer, por medo de ficar pior. Já quis me alistar na Legião Estrangeira para esquecer uma namorada que amei muito. E também me revoltei como um menino por não ser mais a única distração e fonte de alegria de um amor. Já fui todos eles, de um jeito ou de outro. Vai ver que é o processo de qualquer homem, vai ver só assim a gente cresce. Perdendo, errando. Não podendo voltar atrás e consertar o erro com quem erramos.

Uma frase ou duas, ditas no filme, ficaram com mais força na minha mente. Não sei exatamente como transcrevê-las, mas era algo meio assim, de que “A normalidade é que era o grande desafio” e que o há de errado com algo simples, comum, rotineiro? Juro que assim, de cabeça, não sei. Acho que nada, mas sei na prática que a rotina é complicada. Se acostumar, saber tudo de uma pessoa é maravilhoso. Saber como ela vai reagir a tal pergunta. Saber que cara ela vai fazer em certa situação…essas pequenas conquistas são maravilhosas. Não sou um homem que tem medo de intimidade e apelidos. Mas, como os personagens do filme, preciso lembrar que não sou mais um adolescente, e que não devo esperar nem emoções nem paixões adolescentes. Mereço pensar com mais maturidade.

O cinema era longe de casa, e eu não consegui voltar pra casa. Precisava pensar. Mastigar o filme, esmiuçar o que ele quis dizer pra mim. Não disse uma só palavra por horas. Pensei em ligar para minha última namorada, que tinha me indicado o filme há séculos, mas hesitei. E você sabe, a pior coisa que um homem pode fazer é hesitar. Fiquei quieto, vendo como me identifico, como existe muito de mim em cada um daqueles personagens. - ou muito deles em mim. Seja lá o que for mais definitivo.

É um momento, uma idade muito difícil. Alguns de nossos amigos casaram, outros estão na gandaia. Uns tiveram filhos, outros se separaram, e alguns nem trabalham ainda. Chegar aos trinta é quase que um meio de algum caminho. Será que eu me tornei o superheroi que pensei que fosse ser? Será que não estou nem perto do que sonhava? Será que eu estou mesmo pronto para a vida?

Todos nós, precisamos nos apropriar dessa consciência de que não somos mais adolescentes, de que precisamos crescer e aprender a lidar com essa normalidade. De que ter um amor sem reações extremas - sem febres, quebradeiras, brigas homéricas, viagens inesperadas, sexo no chão da cozinha e em banheiros de avião, pode ser até bom. Só que ninguém consegue viver bem numa montanha russa. Nem toda calcinha dela vai ser sedutora. Nem todo dia você vai sair do trabalho louco para beijá-la.

Quem sabe lembrando disso, um dia sossegamos, sem a ansiedade de que sempre seja melhor. Todos temos beijos que nunca esquecemos. Principalmente quando você o vê de olhos muito bem abertos.

Exausto (Ninguém)

Por André Debevc

Além das frases habituais que pontuam toda manhã, hoje mais um verão chegou ao fim me trazendo algo muito além do “bom dia” seco e o sorriso sem maiores intenções dado aos vizinhos no elevador. A frase, do contista Caio Fernando Abreu, me abateu antes mesmo que eu decolasse para a vida dessa sexta-feira parcialmente encoberta. Retrato de um espírito cansado, de alguém que certamente quis amar demais, ele disparou: "Estou exausto de construir e demolir fantasias, não quero me encantar com mais ninguém".

Quanta verdade numa frase. Quanta desilusão numa confissão, que imagino tenha sido até despretenciosa. Desabafo. Cansaço, exaustão. Construir ilusões é muito bom. Ruim é quando passamos a fazê-lo repetidamente, colocando nossas fantasias nas mãos de pessoas diferentes porque nada durou e nosso peito foi estilhaçado. Trágica a idéia de que alguém pudesse nos salvar de nós mesmos, como se nosso amor só existisse se fosse para alguém. Demolir fantasias dói, dá a luz à fantasmas e mágoas, deixa um gosto esquisito e metálico no peito. Seco, triste. As rotinas que vêm com a sensação de uma eterna ausência. Logo para você que se acostumou com um beijo, logo para você que sabia poder esperar um sorriso.

Não sei mais quantos de nós querem essas mulheres que dão (em todos os sentidos) e sempre passam. A afobação joga sempre uma nuvem traiçoeira sobre nossas melhores intenções. As mulheres que não entenderam nosso amor demais, as incautas que nunca nos deixaram ficar. Estou cansado. Exaurido de dar nome e rosto para meu desejo, cansado de dizer para o coração que quem sabe dessa vez vai. E não ir.

Também não quero mais me encantar com ninguém. Não quero esperar que entendam a simplicidade que quero. Alguém para não fazer joguinhos, alguém que queira estar comigo e eu com ela. Essa combinação é difícil. Nélson Rodrigues dizia que era um deslavado milagre alguém conseguir viver um amor, pois nada garantia que alguém que amássemos vivesse na mesma cidade e nem mesmo na mesma época que a gente. Ficamos então aqui nos desencontrando. Demolindo fantasias e vendo aquela pessoa que um dia olhamos fundo nos olhos, que um dia adoramos ter visto dormir, ir embora. E às vezes nem ir para tão longe assim, mas parar nos braços ou nas graças de outro bem perto de você.

Na cabeça de quem fica, de quem tem que desconstruir a ilusão, o outro caso (começado mesmo que seja só na paranóia dela mesmo) é sempre um caso perfeito. Noites perdidas. Pesadelo. Fica a sensação de que quem foi guardou o melhor dela pra quem veio depois. Que fomos nada, porque hoje somos nada. Apenas algo a ser arquivado, ou nem isso.

Talvez eu não queira mais me encantar com ninguém. Pode ser que lá no fundo exista uma eterna vontade de se encantar – vício de quem vive - mas que seja se encantar por alguém que valha a pena, que entenda, que esteja no mesmo momento. Por agora, que fique decretado que não quero me encantar com ninguém. Melhor assim. Deixemos a construção de uma fantasia para quando a última não for nem mais uma lembrança. Continuarei demolindo todas as minhas ilusões, resquícios de mulheres com todos os nomes. As que deram e passaram (e algumas mostram que só servem pra isso mesmo), e as que nem precisaram dar e ficaram.

Tristemente, eu não sei me entregar aos poucos. Ou me jogo de cabeça ou apenas administro a vantagem, com carinho e cuidado, tocando a bola pro lado sem estragar corações. Minha sina é amar demais, já dizia Claufe Rodrigues. Não sei amar pouco, não sei ir devagar com minhas ilusões. Me afobo, erro, abro a guarda (quem não joga entenderia, e não se aproveitaria disso nem usaria isso contra mim – mas usam). Era assim pelo menos que eu era quando me encantava. Até ontem. Mas só que dói demais isso de deixar sonhos para trás. Dói demais não ver o que se pensou futuro nunca acontecer. O planeta dos ressentidos nunca foi tão populoso. Caio Fernando estava certo, e meu coração não tem resistência para isso. Eu não suporto mais. Por isso, não quero mais me encantar, pelo menos não com as mulheres erradas, e hoje, todas parecem ser assim.

Play it again, Sam…

Por André Debevc

Você é do tipo de pessoa que consegue ser arrasada por uma música? Pois é eu sou, ou melhor, pensei que tivesse deixado de ser. Sabe como é…vacinado contra essas coisas pelas amarguras do tempo, do amor, quer dizer, da ausência dele. Pelo menos digo, da ausência de sua reciprocidade temporal.

Mas, voltando ao assunto. Fazia anos que uma música não “acabava comigo”. Sério. A mesmíssima canção que abreviou meu sorriso, que estacionou cimento na minha garganta seca, a mesma música instalou nostalgia na minha inocente noite de quinta-feira.

Sei que não vai dar para imaginar, mas quem conhece a musica sabe: “Tu, tu, rurun, tummm…” e a invasão de silêncio se decretou veloz e completa. Meus sentidos calaram, ou ainda, viajaram anos na minha existência. Cada um dos vários pêlos de meu surrado corpo se levantou como que batendo continência ao, uma vez, hino de amor e paixão inseparáveis como a moeda soldada, alguém diria para sempre, no cimento ou asfalto inerte dos caminhos comuns.

E eu me achava vacinado contra isso. Até uma das fitas exiladas em meu carro abriga essa canção, o que não a faz incomum. Mas não, só uma noite assim pode deflagrar melancolia.

Estaria ela, meu ex-amor, pensado furtivamente em mim? A gente gosta mesmo de se enganar inventando desculpas, construindo portas secretas no imaginário já morto e expugnado de inocência. Ai, amores…

Ao invés de calar, e deixar a música me tomar, saltei ante as balas da memória. E como que suprimindo as imagens e cheiros que me cercavam, eu cantei. Não cantei quase calado ressentindo a ausência. Cantei alto mostrando possuir aquela musica. Cumplicidade e complacência.

Quando o “tu, tu, rurun, tummm…” final se entregou, pude olhar pro céu, praguejar e me render ao futuro, tempo incerto, traiçoeiro como os peitos que ainda batem.

Só uma pergunta me encara de vez em quando, querendo saber qual efeito, ocasional como o meu de hoje, qual efeito tenta assaltar o outro coração que um dia também viveu por essa melodia. A resposta úmida e reticente das estrelas da noite ainda ecoa.

Até onde uma música e só uma música? Até onde um puto vai aleatoriamente esboçar um soluço quando o ar se esvai melancólico? Se a palavra e nostalgia, por que essa humilhante e passada cumplicidade?

Tenho saudades, não dela e de outros tempos. Tenho saudade da inocência do meu coração, da angústia mareada quando o telefone demorava a tocar, e não por saber que o amor saiu para comprar cigarros sem ao menos fumar. Sinto falta de outra dimensão onde a musica intimava um beijo, encerrava discussão. E onde a mão, correndo desavisada pela minha coxa num carro engarrafado, só queria dizer “estou aqui, ainda te amo…”.

Talvez, mesmo antes de existir, de meu amor raiar e minguar, essa música fosse e só servisse ao seu título e propósito. Wish You Were Here. Ainda a vejo me puxando para um beijo.

Amor foi feito para dar, não pra levar embora. Play it again, Sam…

A vida que se leva, nos leva muito longe.

Por André Debevc

Fazia anos que não se encontravam, o acaso não sabe favorecer uma coincidência. Apenas as lembranças de uns tempos em que flertavam docemente apareciam nos momentos de paz e nostalgia. Tão poucos momentos juntos, e como aparece num dos prefácios de um dos livros dele: “...apenas um lamento de não ter podido amar um pouco mais”. O ponto de tangência onde suas vidas se encontraram parecia ser único, e isso o afligia silenciosamente.

Que rumos distanciadores suas rotinas cismaram em tomar? Resposta muda, sem nem um franzir de testa. As tiras no jornal da nação traziam sem querer lembranças. Você me ama, Flecha? (Claro que sim, amaria muito, se você deixasse, Shirlei.)

Na cabeça dele, muita coisa seria para sempre dela. Uma propriedade sobre momentos e fatos singularizados numa expectativa que sempre pairava no ar, baixa e densa como a neblina de uma manhã de inverno. Será que aqueles poemas viraram pó? Será que ainda habitam um esconderijo secreto perto da cama? Nada teria mesmo resposta. O passado acaba sempre tendo razão, e o presente só finge não ser mais uma dúvida.

Não ficou uma foto, um guardanapo manchado de batom, só um trecho escrito a mão falando de um beijo. A letra delicada se restringe ao poema, ou sei lá o que seja. Não há uma assinatura, nem uma declaração do quanto o coração dela acelerava quando ele chegava com um papelzinho dobrado na mão. As intenções estão nas entrelinhas, suaves como a pele branca de quem transcreveu.

As imagens, apesar de tudo, estão em câmera lenta e quase sem som na lembrança dele. Cores só em algumas cenas. Um gole seco de saudade em todas. ...O vento alucinado de uma pré-tempestade no Centro... A lua cheia que tanto cobiçavam como cenário nunca coincidiu com a cumplicidade que nascia ali. Os beijos deliciosos não saíam de sua cabeça. Na portaria, na rua, com gosto de saquê, com gosto de ainda ser pouco. Agora nada restava a se fazer a não ser tentar não lembrar. Um suspiro fundo sempre corta resignado qualquer momento de abatimento.

Haveria uma próxima vez? Existiria algum momento em que pudessem flertar de novo com a travessura de adolescentes? Nem o vento de um fim de tarde poderia responder... Os dedos longos dela se perdiam em outros carinhos enquanto os dele teimavam em surrar teclas de um computador quase cúmplice, mas totalmente alheio à tudo aquilo que ele pensara poder existir um dia entre os dois.

Até hoje, quando o nome dela ricocheteia no ambiente, ele esboça um sorriso, e reserva uns segundos para viajar de volta nos velozes dias onde se beijavam com ansiedade. Mas o tempo passou, eles não se esbarram, e o destino nem acena com uma possibilidade de carinho a mais. No mais, a vida segue, mas ele ainda tem o cheiro dela tatuando sua alma. Graças a Deus. Será?

A árdua vida de um macho

Por André Debevc

Na porta do próprio apartamento, ela se despede dizendo que o prazer foi todo dela. Sorrio cínico dizendo que também adorei a noite. Adoro minha capacidade de mentir nessas horas. São quase oito da manhã de uma sexta-feira. Faz sol lá fora. Gosto disso. Nem precisei inventar uma boa desculpa para ir embora logo, depois de acordar com uma loira desconhecida nos braços. Dura tarefa de ser macho...

Quando ganho as ruas ainda vazias, olho para o céu perguntando a Deus porque uma noite boa dessas tinha que ser com alguém que não me dizia absolutamente nada. Não há resposta. Em algum lugar deste planetinha confuso, a mulher que pensei estar amando segue com sua vida sem lembrar de mim. A única coisa saudável a fazer era esquece-la. Eu já tinha até decicido curtir essa fossa, ficar mal por umas horas pensando no que poderia ter sido, mas o telefonema de um comparsa não me deixaria ficar na toca todo nostálgico e meloso.

Um homem de verdade sabe que tem que chorar suas perdas. Essa tinha sido uma grande. De qualquer jeito, a noite de quinta-feira tinha começado e uma amiga de uma amiga estava perdida num bar cheia de más intenções. O dever chamava...e lá se ia o sossego do macho.

Precisei ser persuadido a sair de casa, mas a insistência do comparsa demonstrava um desespero amigo. Mais do que ajuda para atacar o grupo de amigas, ele via ali uma chance para que eu afogasse as mágoas em álcool gratuito e um colo potencialmente lascivo.

Fui recebido com duas taças de vinho branco. Uma para cada mão desocupada, me disseram. Gosto mesmo é de cerveja – como todo bom macho – mas não ia deixar o vinho de lado, por mais de graça que fosse. Logo fui introduzido à loira com sorriso de cristal. Normalmente ela não teria sido minha primeira escolha, mas seus atrativos e sotaque logo trataram de tentar me seduzir. Falei umas besteiras habituais, sem fazer muita força para agradar, afinal de contas, meu peito ainda sangrava uma emoção de verdade pela mulher que não me soube. Copos de uísque, garrafas e taças mais tarde, eu rumava para casa. A dela como mencionei antes.

Preferia assim. Sempre é mais fácil ir embora que do que expulsar alguém numa situação destas. Menos trabalho, mais possibilidades de simplesmente ir embora sem olhar para trás, como as mulheres são mestras em fazer. Enfim, acabamos lá. Ela, eu e o que restava da noite.

Fiz o que tinha que fazer e um pouco mais, com minha habitual classe e dedicação – diferente de como tinha sido com a mulher que eu amava, com quem eu travei, fui quase burocrático. E depois de terminado, eu fiquei. Já era tarde, e arranjar um táxi naquela parte de Manhattan àquela hora seria bem difícil. Não precisava ir, então fiquei. Mais de trinta quarteirões até minha casa. Não sou burro. Já era outono em Nova York.

Acordei com uns beijos matinais dos quais até já tinha esquecido o gosto. Só estou com a pessoa errada, pensei. Sexo pela manhã sempre é bom. Melhor mesmo matar a última camisinha. Pensado e feito. Olhei o relógio e sorri sem mexer a boca. Já poderia sair dali a qualquer momento sem precisar parecer que estava fugindo com uma desculpa esfarrapada.

Tinha que, pelo menos, passar em casa para trocar de roupa antes de ir para o trabalho. Posso demorar o tempo que quiser no meu chuveiro, pensei. Vou pra casa.

Às vezes, você tem que cometer um erro para ter a certeza de que – antes – você estava certo. Naquela noite, eu saí de casa para errar. Pelos motivos mais errados do mundo eu me diverti. Vingança inútil. Diversão vazia. Fui o melhor que pude ser, dei um show simplesmente por tristeza. O coração de um macho é mesmo um terreno traiçoeiro. Minha pseudo-amada já tinha pendurado seus quadros nas paredes do meu peito e, mesmo assim, eu me jogava nas coxas da primeira mulher que aparecia para tentar esquece-la. Sei de mulher que fazem pior...

Passei o dia todo meio que ainda cheirando a sexo. Minha fisionomia denunciava as poucas horas de descanso e minha fama de galanteador rendeu tapinhas nas costas e comentários picantes de amigos de trabalho, colegas de happy hour. Na minha mente, ainda a pergunta da manhã: por que essa noite não foi com que deveria ter sido?

Ao contrário do que tinha feito por toda a vida, eu tinha que olhar para frente. Mesmo com o peito doído, com a alma moída, com o desejo me arrastando para que me disse para nunca mais lhe mandar flores. Todo machão é, no fundo, um sentimental. O que varia é nosso grau de cinismo.

Mulheres eventualmente chamam isso de canalhice. Alguns de nós conseguem ter uma amplitude grande neste quesito. É um dom que temos que saber domar e usar. Macho que é macho tem um coração gigante, no fundo feito de manteiga e cheio de intenções românticas.

Cuidado só para não destruir um, parindo mais um canalha. Viver é escolher o que deixar para trás.