segunda-feira, agosto 07, 2017

DE REPENTE PAULISTA

por André Debevc

Era uma dessas noites em que queria ter sido da formação original do Radiohead, Nirvana ou Pearl Jam, só pra já ter enchido o rabo de dinheiro e não ter mais que se preocupar com essas merdas de aluguel, pensão, grana pra velhice e todas essas coisas que alguma hora acabam vindo encher o saco da gente. Do apartamento locado para um dia de trabalho no alto do Copan, debruçava os olhos um tanto descrentes sobre as luzes da noite já não tão fria do inverno paulistano. Poderia viver de fotografar pensou. Não que fosse ganhar dinheiro – e talvez nem pagar as contas – com isso, mas certamente poderia encontrar alguma graça em descobrir novos ângulos nas coisas. Fragmentos. Da cidade. Do mundo. Das pessoas. Dos corpos. Sempre foi apaixonado por corpos femininos. Vê beleza até na parte de trás do joelho delas, vejam só. Se fumasse, certamente praguejaria por não encontrar um mísero cigarro no bolso da velha calça quando o vento batesse mais forte depois do suspiro de reticência de tudo que ainda não aconteceu. Com o olhar sem saber ou querer o horizonte, pensou no falso silêncio suspenso ali longe do chão. A cidade correndo lá embaixo. Paulicéia que um dia achou feia. Não acha mais. Lembrou e esqueceu rapidamente dos seus anos de Nova York. Pensamento não anda sempre pra frente, né? Engoliu seco e sem drama merecendo uma cerveja, pensando por um instante em todas as coisas e pessoas que ainda não resolveu. Sem nem lembrar que dia era pensou como o tempo era filho da puta, correndo assim alucinado enquanto os dias se despediam dos seus cabelos e as revistas precisavam ficar mais longe dos olhos com braços cada vez mais compridos. O celular no bolso interrompeu o pensamento, vibrando mudo algum post de alguém tentando congelar ou emular um segundo feliz em alguma rede social. Ele sorri sem plateia, sarcástico, olhando pro nada. São Paulo, a vida, o agora talvez não fossem exatamente o que ele queria, mas agora tanto fazia. Quis sentir saudade de alguma coisa, quis culpar alguém. Mas não conseguiu. Começou a fazer sons sem abrir a boca como se cantarolasse Thom Yorke sussurrando numa versão acústica de Creep. I don’t belong here…I don’t belong here… Da boca pra fora. Só da boca pra fora. Poucas vezes tinha pertencido tanto a uma cidade. Só ainda não sabia receber carinho dela. Mas qual a novidade nisso?

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