segunda-feira, setembro 25, 2006

Saída pela direita

Por André Debevc

Sair dali. Juro que eu acordei pensando nisso. Quer dizer, quando comecei a pensar, foi isso que veio à minha cabeça. Até porque do jeito que fui acordado – chupado feito caroço de manga – não tinha mesmo muito como raciocinar. Essa coisa puramente carnal é bom quando você vai pra cama, nem sempre quando você abre os olhos no dia seguinte. Camisinha arremessada no lixo – lá se vão mais uns milhares de ganhadores do prêmio nobel, gosto de pensar – só faltava mesmo sair dali.

Sou muito bom em ficar ali abraçadinho pós-coito, mas como só mesmo minha analista sabe, tenho sérios problemas em ficar abraçado a quem não quero realmente abraçar. Ando meio arredio já há alguns anos e nem sei bem porque, mas isso é outra conversa. Marcando cerrado o relógio digital perto da foto dela mesma em algum lugar cliché da europa, faço o que posso antes de sorrir, respirar fundo, apertar a moça com um abraço de um braço só, e pular da cama com uma desculpa pra ir embora tão boa que quase eu acredito que tenha mesmo compromisso logo mais. Aí, sem mentir, digo que preciso ir já juntando os fragmentos da minha passagem por ali e dou um beijo de adeus com aquele ar de penúltimo.

Cabelo desgrenhado, sorriso reprisado pra mim mesmo no espelho do elevador, cumprimento o porteiro e ganho as ruas sem lembrar a última manhã em que eu não quis ir embora, a última vez em que torci pra estar chovendo e ser domingo, a última mulher que me fez querer esquecer do mundo e viver ali, me alimentando apenas dos beijos dela. Nossa, faz tanto tempo que às vezes acho que foi até invenção da minha cabeça, às vezes imprecisa e cínica. Não faz diferenca, quem sabe na próxima, né?

Belas manhãs de sol são ainda mais belas quando você já tá sem pressa, o dia ainda sem saber direito se é domingo ou terça-feira e você já está livre pra fazer o que quiser da vida, até mesmo ir pra casa e dormir numa cama maior e, principalmente, vazia.

Sorrindo pra gente que nunca vi, vou andando jurando um dia usar a mentira mais deslavada do mundo só pra ver se cola. Talvez um dia que vá comprar cigarros e nunca volte. Talvez um dia diga que tenho que voltar pra minha mulher só pra ver a cara da moça, se causo revolta ou tristeza, antes de cair na gargalhada e ficar mais um pouquinho pra mais uns beijos e quem sabe mais uma camisinha no lixo. Sexo de reconciliação não devia ser privilégio só de quem tem compromisso.

Passada alguma banca de jornal onde vejo as manchetes sem me espantar com a desgraça do país, cerro os olhos pra fugir de alguns dos raios de sol que me lembram como adoro esse astro amarelo. Será que eu devia ir pra praia? Enquanto tiro meu tempo pensando, chega uma mensagem de texto. É moça, sei que foi bom. Ótimo fica por sua conta. Sei que posso ser melhor que isso, talvez na próxima eu te deixe experimentar mais um pouquinho. E não me leve a mal, gosto de você e tudo mais, só que não achei que fosse preciso abrir toda minha caixinha de ferramentas ou surpresas pra esta noite. Pra não ser indelicado com tanta honestidade respondo só com uma carinha feliz.

Saber ir embora é uma arte. Vai que um dia quero voltar. Vai que um dia a idéia de ficar um pouco mexa com alguma coisa dentro de mim. Deixa pra lá, depois eu penso nisso. Depois eu me preocupo em te ver ou não. Depois, se lembrar, eu dou um jeito de deixar a porta aberta. Agora a única coisa que quero esquecer é que na porta que eu queria bater, nem adianta tentar.

3 comentários:

Denis disse...

Puta que pariu! Tu não só escreve bem. Tu seduz juntando letrinhas. É charme de quem não quer ser conquistado, finge que quer, acredita que pode mas, ó ... não se responsabiliza! Se der em nada é honesto: "Eu avisei..."
Seguinte: tô emagrecendo! Me aguarde!
[se eu escrevesse assim não precisava ser magra]

Karina disse...

Eu li esse seu texto no blog da Carminha... esse que comentou aí.
Daí foi no google e pesquisei com o nome do autor que ela havia colocado, e achei seu link. Li 2 posts que vc fez, mas voltarei com tempo pra ler mais. Gostei de seus escritos. Muito. Este "Saída pela direita" retratou BEM uma realidade quase presente. Enfim, gostei daqui.

Anônimo disse...

Ha! É exatamente isso, Carminha. Eu ainda não tinha entendido o porquê voltar aqui e ler "só mais um".