sexta-feira, junho 29, 2007

Seu futuro ex

Por André Debevc

Com o ar mais despreocupado do mundo ele vaga pelo universo. Três ou quatro respostas prontas no bolso costurado pela mãe, ele domina seis sorrisos diferentes fingindo não estar nem aí. Ele sabe que tem mais que merece, ele está ciente que é coisa de outra encarnação, mil karmas a seu favor, sei lá...mas ele também sabe que o relógio anda pra trás, subtrai momentos, reduz segundos, decepando lembranças de quando você sentia o vento da praia na cara, filtro solar 60 e seja o que deus quiser. Ele finge que não, mas sabe sem saber exatamente como que você e ele um dia vão ter um fim.

E aí sem saber bem porque, em alguns dias lindos ele amanhece ciumento e intranqüilo, como quem despenca do centésimo andar, como quem pisa apressado cercado de minas e incertezas. É um homem povoado de sombras futuras, do que ele viveu um dia, do que aconteceu e foi embora. O dia que raiou, inevitável e silencioso como a promessa de que tudo é passageiro. E ele coça a cueca no caminho do banheiro, e ele boceja no caminho da cozinha. Alguma hora tudo passa, ele pensa. Alguma hora a festa acaba. Aqueles olhos, aqueles traços finos e convidativos nos lábios inferiores, aquela cintura fina e os horizontes eternos em seus olhos...aquilo tudo tinha mesmo que se pôr, como o sol que morre fugindo do leblon e do pontal, como tudo que é prometido só com um quarto de vontade.

É um sujeito que já pensa muito menos nos seus olhos castanhos, seus dentes ordenados. Acabar é inevitável, ele sabe. Mas ele finge que não sabe. Ele tem oitocentas desculpas, e ele pede a ajuda do tempo, da família, de qualquer coisa que arraste a ilusão de vencer. Ele sabe que os dias estão desabando em cima dele feito uma onda de três mil metros, ele sabe que vai ser vencido. Às vezes ele se pega pensando nos seus olhos fitando outra boca, nas suas costelas se aninhando em outras mãos, sem promessas, sem viagens. Só com muito mais vontade de descobrir seu gosto, de decorar sua cor favorita, seu jeito de dizer que não, seu meio sorriso de olhar fugindo dizendo que sim. Ele anda falsamente despreocupado por aí.

Ele vaga acelerando pelas avenidas sem lembrar que seu sorriso merece mais, que seu peito acelerado não tem preço em moedas, e custa letras gestos e reticências. Ele quase não olha pros lados antes de furar o sinal e não lembrar que o suspense do que é novo fita sarcástico o primeiro beijo quente e mil vezes pensado. Olhos que se driblam enquanto as bocas ansiosas se mordem em câmera lenta. Peito descompassado, minha mão abraça sua cintura, traz sua coluna e arqueia suas costelas. Te quero inteira numa só rendição em suspiros mordendo minha orelha. Dizendo que há milênios eu tinha – mesmo calado – razão.

O beijo era esse. O cheiro era esse. O calor que te tira do sério era esse. Você dançando comigo entre mil pessoas, e esquecendo do mundo, me concedendo seu universo quente, se explodindo em milhares pra sempre. Seu sorriso na manhã seguinte como você nunca teve antes, seus olhos raiando pérolas e diamantes de acordar com, finalmente, o homem certo. Ah...nossa cumplicidade, nosso beijo. O beijo diz tudo. O fim sorrindo safado, prometendo futuros e planos. Ele nem desconfia. Ele nunca me viu. Eu te encosto meio sem querer e sorrio.

Eu te abraço e gargalho. Respiro fundo pra prender o que posso de você. O relance dos olhos. A sala repleta de desatenções e a gente se encontra. Sei sua mão nas minhas costas, te encho de olhos no descaminho do café. Nunca tomei tanto café...nunca fingi tanto não ver alguém.

Ah se ele soubesse. Vidas paralelas de quem há tempos não te quer como eu te quero. Universo estranho de quem, diferente de mim encontra seu cheiro em qualquer virada do lençol. Ele anda por aí com um ar mais reticente do mundo. E eu só queria ter certeza do que você não gosta de comer, de quando você nunca bebe e do quanto antes de dormir existe uma chance de você pensar em mim. Ele vaga por aí com o ar mais despreocupado do mundo. Seu futuro ex. Um cargo que já ocupei. Com outras mulheres, em outras histórias. E que agora quero viver com você.

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