segunda-feira, novembro 03, 2008

Foi pouco

Por André Debevc

Outro dia eu a vi atravessando a rua, passando na praça da minha infância, com seu ar primaveril de quem anda sempre com uma leve brisa dançando à sua volta: a mulher com quem (ou seria contra quem?) cometi a maior obra de canalhice de toda minha existência.

Pois é, eu não sabia exatamente quanto, mas descobri que eu também sei ser canalha. E dos bons. Com as pessoas erradas principalmente. Como é típico dos bons moços, aliás. Diria até que quanto mais bom moço o moço, maior a sua capacidade de cometer um grande gesto de canalhice. Destes de causar estranheza até na roda de chope de amigos nada santos.

Enfim, vi de longe a mulher que sei que atravessaria a rua para o outro lado se me visse ali naquela calçada (e todo homem que passou dos trinta tem pelo menos uma). A vi e não fiz nada. Nem um pedido de desculpas, nem um esboço de explicação. Nada. Até porque tudo aquilo, naquela noite, naquela festa em que eu estava com outra mulher (com quem saí apenas algumas vezes), foi um acidente. Mas ela não entenderia. Ela não deixaria eu me explicar se tentasse. Sei que existem horas em que ainda não adianta tentar falar com uma mulher. Esta era uma dessas horas.

Confesso que também não sei como iria começar a explicar porque acabamos, eu e ela (a mulher que vi na rua) aos beijos num corredor escuro, enquanto a mulher que entrou na festa comigo dançava a metros dali. Eu JURO que achei que ela tivesse percebido que eu não estava sozinho, e que mesmo assim estava topando toda aquela loucura. Mas não sei o que se passava na minha cabeça e nem mesmo onde eu tinha esquecido a minha noção de perigo. Não sei.

Sei que sempre a desejei e nunca esperava encontrar com ela ali. Nunca. Logo no dia em que resolvi ir acompanhado por pura e simples falta de paciência de flertar. Eu andava cansado daquele jogo todo, de saídas, bebidas e flertes. De verdade. Mas quando a vi, pirei completamente. Perdi a noção de estar momentaneamente acompanhado. Esqueci qualquer polidez e convenção social enquanto minha solteirice, ali não exatamente completa, martelava meu cérebro com ordens imediatas de ataque. E o pior, sem nem pensar em colocar a pobre incauta que sacodia o esqueleto na pista de dança num taxi rumo a qualquer lugar longe dali.

Quando dei por mim estávamos no corredor escuro, eu e a moça que há anos despertava em mim muito mais que interesse. Em beijos espetaculares, de uma sincronicidade e cumplicidade poucos antes vistos. Na hora de voltar à festa, deixei-a ir sozinha na frente. Ao entrar no banheiro, dei de cara com a minha cara de canalha no espelho. Um sorriso largo e cretino no rosto que só a lembrança da outra, esquecida ao som de alguma música insuportável na pista de dança conseguiu quebrar.

Joguei água no rosto, ainda sem acreditar no que tinha acabado de fazer, e fiz a única coisa que me restava fazer: fui resgatar a mulher que tinha chegado na festa comigo para irmos embora e acabarmos de vez com aquilo. Foi quando a pequena Ana (será que eu mencionei que o nome dela era Ana? Será que eu mencionei que ela era pequena?) viu que eu não estava desacompanhado. Seus olhos se injetaram de ódio e eu que pensava que tinha uma cúmplice (juro que pensei que ela sabia que eu não estava só) vi que tinha acabado de ganhar uma fã pelo contrário.

Foi quando ela atravessou a sala como uma bala e disse para que eu nunca ligasse para ela. E nunca mais a vi até este dia, na rua.

Amigas (tô falando de mulheres mesmo, não foi um erro de digitação) que depois ficaram sabendo do acontecido me recriminaram com um estranho tapinha quase cúmplice nas costas. “Você precisava de uma coisa assim na sua vida”, disse uma delas. Outra falou que sabia lá no fundo que eu não era bonzinho, e que eu tinha potencial. Só não precisava ter errado com ela, a doce e pequena Ana. A Ana que agora me odeia. Ana que não quer me ver nem pintado de ouro nem nas próximas encarnações.

Se pedir desculpa adiantasse alguma coisa, eu pediria. Nem que pra isso precisasse levar um bom tapa na cara. Mas cá pra nós, um canalha assim merece muito mais.

5 comentários:

Vanessa Dantas disse...

"Existem horas em que não adianta tentar falar com uma mulher" PQP! Vocês não fazem idéia como o silêncio muitas vezes é o verdadeiro destruidor - até mais que a própria canalhice. Não sei se o texto é real ou ficção, mas se for real, vai lá, explica e pede desculpas, PORRA! Não deixa a covardia prevalecer!

Pronto, falei!

Boa sorte!

Beijo.
PS: Estou indicando o seu BLOG no meu, tá?

Anônimo disse...

aiaiaiaiai!
concordo totalmente com o comentario acima. Tem que falar, correr atras, pedir desculpa!! esse papo (ou nao papo, rs) de silencio eh um saco!!
Mas pra falar a verdade, nem acho que foi tanta canalhice assim. Essas coisas acontecem... eu acho que ela entenderia.
beijos

Anônimo disse...

Essa festa certamente foi muito boa e inesquecível...

Anônimo disse...

que saudades dos seus posts!! entro aqui pra nao perder o habito e é sempre uma surpresa mt boa ter novos posts. canalhice nao mata ne?! ensina a viver. e invista nesse seu eu-lirico feminino á la Chico Buarque que vc é mt bom. queria eu que um homem tivesse o seu olhar sobre o mundo das sutilezas femininas. beijoca e nao some daqui nao!

Cristina Pessoa disse...

Concordo com a Vanessa, o silencio é destruidor. Ele representa o descaso e nos diz: Fiz mesmo e daí? Te prometi alguma coisa?

Gostei de seus texto, passarei mais vezes por aqui.

Abs,