quarta-feira, outubro 29, 2014

ENCONTRO IMPROVÁVEL

Por André Debevc

Estava num desses dias em que tinha acordado nostálgico, pensando em tudo que tinha ficado pelo caminho nos caminhos que tinham o levado até ali. Brincou de trocar personagens, mudando pessoas, lugares e escolhas nos seus cenários de hoje. Voltou mais de dez anos no tempo e fingiu ter mudado de país – para outro país – quando voltou ao Brasil cheio de esperanças e certezas de que amigos e família fariam toda a diferença do mundo. Hoje sabe que exagerou nessas esperanças. Sabe que esperou demais dos outros, repetindo o mesmíssimo erro que sua mãe cometera 20 anos antes. Paciência. Por frações de segundos, que ele já sabia fazer eternos, ficou em silêncio e se exilou em si mesmo, vendo a vida e as pessoas passarem, entre rodadas despreocupadas de sangria e tapas, e se colocou na pele e rotina daqueles personagens que desconhecia, mas que ali criava como quisesse. Chegou a se reconhecer no olhar de um quarentão de barba grisalha andando com dois filhos por um parque de Madrid. Achou alguma semelhança com um corredor solitário na manhã de uma rambla de Barcelona. E se ele fosse um deles? E se ele não tivesse voltado ao Brasil quase 12 anos atrás? E se ele não tivesse conhecido quem ele conheceu? E se tivesse ido fazer da vida o que ele queria ter feito e ainda não fez até hoje? E se não tivesse escolhido o que ele escolheu? Será que ainda seria ele? Se encontrasse com ele mesmo – uma dessas versões dele que foi pra Espanha depois do fatídico 11 de setembro de 2001 – será que se reconheceria? Talvez tivesse mais feliz, mais magro, mais careca ou até menos cético. Eu não sei. Ele não sabe. Mas – por diversão inocente – gosta de imaginar que tem uma versão dele, andando pela Espanha há mais de uma década. Talvez esse ele ibérico hoje até ligue pra falar com a família no Brasil sem deixar que a irmã saiba que não é o ele que vive em São Paulo. Vai saber… Esse outro ele, cheio de outras vivências, escolhas e lembranças. Se um dia se encontrarem, não vai faltar conversa para colocar em dia. E muito menos histórias pra contar. Quando chegar a hora de irem pra casa, resta saber qual deles volta mais feliz. Eu sinceramente não saberia em quem apostar.

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