quarta-feira, outubro 29, 2014

MANHÃ CATALÃ

por André Debevc

Longe de casa, viu o dia amanhecer enquanto ela dormia profundamente ao seu lado. Viu as luzes e os sons do dia virem aos poucos do horizonte invadindo o quarto de janela escancarada com uma educação européia impecável. Viu a escuridão ceder lugar à formas de Gaudí – ligo ali – que tinha aprendido a reconhecer do parapeito daquele sexto andar catalão, que improvisaram como casa nos últimos dias. Com ela, qualquer lugar se fazia casa em segundos. Nem que fosse um banco de aeroporto, numa conexão esdrúxula na madrugada. Virada meio de lado, com o corpo numa mornice só dela, não fazia ideia do quanto aquela cena, aquele quarto, e aqueles momentos eram pra ele a definição perfeita de felicidade. Ele, cheio de pra sempres que foram ficando pelo caminho, agora finalmente se sabia feliz de verdade. Pensou em tirar uma polaroid mental daquilo tudo para mostrar pra ela – nada a ver com idealizações e cenas fantásticas – mas aí lembrou que a felicidade de verdade não é compartilhável. É só de quem sabe a reconhecer quando a encontra. Olhou a quarta-feira se impondo lá fora, e encostou a mão na coxa mais que morna dela. Em alguma dimensão paralela, eles viverão naquele quarto catalão de janelão grandão para sempre. Na dimensão que ele partilha com o resto do mundo, ele terá certeza de que foi, é, está sendo feliz nesta manhã, e talvez consiga sossegar um pouco dessa vontade de ser feliz o tempo todo que todo mundo tem por aí.

Nenhum comentário: