sexta-feira, março 30, 2007

Acrílicos

Por André Debevc

Na primeira vez que me viu, ainda recém-nascido, meu tio Farnese me olhou em silêncio por uns instantes. Homem de poucas palavras, e ainda menos sorrisos, ele disse à minha mãe, me vendo dormir no berço: - tem que colocar no acrílico. Minha mãe olhou pra ele meio que sem entender e antes que ela perguntasse, ele explicou: - uma coisa perfeita assim tem que ser posta em acrílico para ficar preservada. Era o jeito dele dizer que certas coisas precisam ser eternizadas, da sua forma mais crua. Sem que a humanidade e o tempo possam vir a corromper pra sempre e de uma forma irreversível algo que comprovava, muito a contragosto dele, a existência de deus.

Eu que passei a vida achando que meu soturno tio artista não gostava de nada, a não ser de gatos de rua, pão-de-queijo e ficar sozinho, sorri quando soube que eu, seu sobrinho-neto, tinha merecido tal comentário. Ele não gostava muito de criança, mas gostava de você, disse minha mãe. Mesmo anos depois, ao me ver correndo pela casa de minha avó com meu então inseparável sorriso no rosto, meu velho tio teria sorrido – mais com os olhos do que com a boca, como eram os poucos sorrisos dele – e teria lembrado: - alguém tem que colocar esse menino no acrílico.

Hoje vejo a vida meio assim. Certos momentos, palavras e até olhares deveriam ser eternizados em acrílico. Congelados no tempo e preservados pra sempre aos nossos olhos como nossa memória guardou o que vivemos. O instante onde tudo valia a pena. O milésimo de segundo onde a única coisa que temos é a certeza da felicidade. Da perfeição. O quadro congelado, um frame somente que resume toda uma história, que guarda o que alguém é pra nós. Eu te amo. Eu estou feliz. Eu poderia ser assim pra sempre. Você bem que podia ser assim pra mim pra sempre...

Todos nós temos nossa coleção de peças com acrílico envolvendo para sempre lembranças, pessoas e até sentimentos. Acrílicos guarados no peito. Acrílicos com o que valeu a pena e com olhares que nunca vamos deixar a vida levar da gente. Olhares como os do meu tio Farnese. Um mestre na arte de capturar para sempre um momento dramático.

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