terça-feira, março 13, 2007

Esqueçam as portas

Por André Debevc

Hoje não quero nem saber. Vou sentar de costas pra porta. Sem vigiar se você vem ou se passa. Vou esquecer que um dia te esperei demais e vou beijar na boca com sinceridade e alívio entre um sorriso e mil outros. Hoje eu vou ser feliz como já devia ter voltado a ser a mais tempo. Hoje a porta e meus guarda-costas que se danem. Que meus cães farejadores se distraiam com qualquer outra bobagem facilmente mais entorpecente do que sua presença esvaziada, esse espectro distante de alegria de alguém que um dia já precisou de bem menos platéia. Hoje não quero nem saber. Esqueçam as malditas portas, todas elas. As que bati, as que fecharam na minha cara, as que escancaro só com um suspiro mais fundo e um sorriso mais cínico. Nem se todos os meus fantasmas entrassem neste momento com todo o arsenal do mundo, conseguiriam me derrubar. Hoje eu sou o dono desse lugar. E agora vou celebrar com saliva e uma nova deliciosa nuca na boca todo o movimento de entra-e-sai debaixo daqueles batentes dessa minha nova verdade - Aí sorrio sozinho e lembro que um dia achei que fosse morrer como Pushkin, de coração rachado. Mas aí lembro que não sou o poeta russo, e quem passou jamais seria poderia ter o papel de Natasha. Que bom. - Vou celebrar sem chope, distração rasa ou promessa contundente esse coração no peito, esse calor úmido e ritmado na boca. Beijos que me fecham os olhos mas não me suspendem o sorriso. Beijos que me colocam de costas para sempre para a porta por onde quem amei não vai entrar nunca mais. Já não era sem tempo.

Um comentário:

Marina disse...

"Lembro que um dia achei que fosse morrer como Pushkin", gostei da referência. Adoro os russos.