terça-feira, março 13, 2007

Brincos e lembranças órfãs

Por André Debevc
Reduzo a velocidade e com uma mão tateio aquela parte da porta do carro, que um ou dois amigos me deixariam chamar de console, em busca de troco pro pedágio. No mp3, a gaita da versão de Catherine Wheel para Wish You Were Here ilumina o asfalto com chuva na volta à metrópole. Papel, caneta, fragmento de folheto imobiliário, moedas de um centavo (odeio moedas de um centavo), um brinco. Pago o pedágio com a nota que tinha no bolso, agradeço à atendente de nome composto pelo sorriso frio pelo troco, fecho o vidro e tchau. Primeira. Segunda. Três músicas depois, o primeiro flash, ainda meio embaçado de que raios aquele brinco está fazendo ali. Volto a tatear com a mão esquerda e acho a argola. Mais pra grande, mais pra dourada. Como é que foi parar ali?

Triste isso de um brinco só. Órfão. Incompleto. Tipo de coisa que nasceu pra vir em pares, como juras de amor, peitos e atenção de mulher que te ignorava até que você finalmente sossega e começa a namorar. Onde andará a outra metade do par? E mais importante: - de que orelha terá saído? Agora perdido, não tem ao menos uma tarracha, que dirá uma resposta.

Mais uns quilômetros de silêncio e chuva e me vem um dos meus últimos beijos, ou melhor, o primeiro de muitos que levariam a meus últimos beijos com aquela mulher. Aquela que eu só ousei chamar por um apelido diminutivo e doce, mas tão impessoal que nem me surpreenderia se ela não respondesse. Um caso de amor fugaz, destes tão impossíveis e rápidos, que dá até pra dizer que terminou na hora certa. Antes do amor deixar de ser razoável, antes de brotarem as neuroses e enquanto ainda existe generosidade e não ódio ou palavrões balbuciados a cada vez que um virasse as costas.

Acho que era com esse brinco mesmo que ela estava naquela noite em que começamos a dizer adeus. Por um motivo qualquer da vida, parece que eu sempre acabo (ou começo, depende de como se vê) com mulheres com brincos desse tipo, sei lá. Tantos beijos e amassos encostados contra a escada, dançando mergulhados um nos olhos e boca um do outro que não podia mesmo acabar de um jeito diferente. Lembro agora de uma vez, tomando sorvete no fim de um domingo despreocupado, dela dizendo que vivia perdendo brincos. Ela me disse isso mais de uma vez, mas essa foi a última em que ela me disse isso e sorriu também dizendo que tinha decidido começar a achar que aquilo ali era sinal de sorte. E vai ver nossa sorte foi essa: a de acabar na hora certa o que nem oficialmente tinha começado mas que já tomava nossas vidas e viagens curtas de final-de-semana.

Tivemos bons momentos, aquela moça e eu. Uma intimidade rápida e tão cúmplice que duvido que ela consiga passar na frente de uma certa pousada sem lembrar de mim e sorrir em silêncio. Nosso último beijo foi nesse carro, exatamente um mês depois de não conseguir nem trancar as portas na saída de uma festinha que tinha começado inocente como um chope no Baixo Gávea. Ainda com a calcinha embrulhada na mão esquerda, ela sorriu, me pediu que ligasse quando chegasse em casa e me deu um beijo bem aqui neste banco. Agora quem sorri sozinho sou eu.

Uma paixão que vale lembrar. Um amor que me traz saudade e não mágoa. Raro eu sei. Ela também é. Ela sabe disso. Quanto a mim, bom, eu não sei se a vejo de novo. Não sei se ela já deu por falta dos brincos ou se depois de uma noite mais fria ela acorda com saudade do meu peito e abraço quente. Não é tão difícil assim que eu não saiba a resposta certa. As certezas que carrego na vida são poucas. Sei que quando chove não tem blitz e que quem vive no passado está morto. O resto não importa. Nem mesmo de quem realmente são estes brincos.

Nenhum comentário: