quarta-feira, maio 09, 2007

Meias sílabas perdidas

Por André Debevc

Meias sílabas ricocheteiam pelo quarto ainda zonzas procurando suas respectivas metades sem saber que horas do dia já são. Ensaios de fachos de uma luz difusa, onde a poeira dança sem pagar ingresso pelo show, invadem o ambiente pela persiana esquecida pelos anos. Talvez seja o sol, pode ser que seja apenas o neon de alguma espelunca qualquer aí em frente, mas quem se importa. Almas vestidas de suor e tesão convocam todos os sentidos pra melhor das batalhas: a que se dorme, acorda e se enrosca no inimigo. Uma dança carnal onde só descansamos recuperando o ar quando quem vence, às vezes, é o cansaço. Maratona de pernas, saliva, horas e dois vencedores. Você me engole sorrindo, me entrega todos os lábios arquejos e penugens que já pensou ter. Testa a resistência das suas pernas, nossa elasticidade, a minha força. E continuamos sem desperdício ou reticência. Um ritmo desritmado, alterando tudo pra que não percamos nada. O calor dos seus beijos, a alegria mais do que morna que escorre pelas suas pernas. Nossos cheiros e sucos inundando o colchão surrado sobre a cama que range e bate todos os pés, morrendo de inveja das paredes, móveis e dos nossos improvisos. Estamos em todos os lugares, de todos os jeitos. Seus dentes no meu ombro, minha língua passeando milhões de vezes pelos seus peitos. Olhos que se cruzam, sorrisos quase sem ar que se reconhecem e se revelam em milímetros de segundo de distância. Mais beijos, mais línguas. Ah, quantas línguas. Fico louco quando você me mordisca a orelha e te agarro pelos cabelos ali pouco acima da nuca. Quero mais é beber desse seu suor ofegante. E entre espásmos e ordens você até tenta me render umas duas ou três sílabas, mas tudo que espoca da sua boca são letras soltas, agarradas umas nas outras, fundidas num só som ininteligível. O ar que você expulsa, sua meia tentativa de pausa olhos fechados e o seu ventre vibrando em quase contrações. Me aperta forte, vai. Me aperta. Fecho os olhos pra poder ir mais fundo, agora já não tem volta. Pede mais, pede. Me dá a mesma ordem mil vezes sem uma palavra. Vamos juntos. Me aperta mão, me arranha as costas, me trava dentro de você até o fim. Agora explode, arqueja, perde a noção de tudo por bem mais que o espaço de milhões de hífens. Morde os lábios. Respira. Sorri. Respira um pouco mais. Fecha os olhos. Me abraça e, ao invés de outra meia sílaba órfã de metade, me diz que ainda é só o começo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Essa foi boa, André. Surpreendente!

Sharon disse...

muita fome por aqui. sempre.