quarta-feira, abril 12, 2006

So pra quem me sabe

Saio do banheiro ainda tomado pelo vapor do banho para encontrá-la ainda estirada na cama grande. Dengosa, ela me olha enrolado naquela toalha de hotel e sorri enquanto se espreguiça murmurando doces impropérios para o dia que vem para nos jogar de volta na realidade. Enrolada nos lençóis, seu rosto quase adormecido é um convite para que eu rasgue a rotina e mergulhe de volta naquele corpo quente que conheço como ninguém.

Quando me aproximo para roubar um beijo, ela provoca. Mostrando que está nua, me exibe as coxas antes de virar de bruços e se esticar toda lasciva. Como que num só salto, ela está de pé na cama - olhos ainda cerrados estranhando o dia – nua em pêlo, ainda lindamente descabelada, se joga em cima de mim, descaindo pelas minhas costas feito uma das gotas do banho que não consegui secar. Depois de mais um beijo longo onde quem tenta voltar pra cama sou eu, ela se vira, feito menina, faz um sei que lá com as mãos para prender o cabelo e vai para o banho dizendo em voz alta que o trabalho a espera.

Sentado na cama, a vejo ainda voltar e zanzar pelada pelo quarto recolhendo suas roupas antes de voltar de vez para o banheiro e me mandar um beijo parada no batente depois de fingir já ter fechado a porta. Este jeito tranquilo dela mais uma vez me conquistou. Meu refúgio da bagunça do universo, minha portinha para uma dimensão despreocupada, sem cobranças…

Quando ela sai, já estou sentado à mesa devorando as notícias daquele dia de semana resfolegante. Pronta para o mundo, ela termina de ajeitar o cabelo e senta no meu colo roubando minha torrada. Ainda mastigando, me cola os lábios doces de geléia light e estala um beijo antes de levantar falando alguma coisa que não entendo mesmo. Às vezes me pego pensando em quando ela seria mais linda: se de manhã toda mulher, pronta para sair, ou se de noite, menina enroscada no meu braço direito sussurrando coisas desconexas enquanto dorme junto ao meu peito. Ela me encanta. Sei hoje, que só de vê-la andando, mexendo, falando, existindo, sou feliz. A presença dela altera qualquer ambiente, para melhor, tenho certeza.

Andando pelo quarto, ela procura os sapatos ontem atirados sem a menor intenção de serem encontrados. Sorridente, aparece agachada do outro lado da cama. Concentrada puxando a meia, nem percebe que olho para seus gestos ainda com a cabeça na noite que passamos juntos. A olho, quase sem ver – estou num pretérito, que fizemos perfeito. A cumplicidade de corpos, onde nada precisa ser dito. A sede de um pelo outro, a sincronia, o gosto dela na minha boca, o cheiro de sua nuca já espalhada pelos lençóis. Os beijos inundados, os gemidos já totalmente explicados, dissecados com o tempo, filhos quase da nossa intimidade.

Desconfio que não exista no mundo um outro corpo tão sabedor do meu. Me atrevo a proclamar silenciosamente que sei cada pinta, cada curva dela. Sei decifrar seu humor num bom dia espocado na tela de um computador. Sei mais dessa mulher do que muita gente junta. Mas ela também me sabe, sabe ler meus pensamentos tomando um gole do que bebo, sabe quando não fazer piada do meu mundinho banal. Seres simbióticos, que me perdoem os biólogos mais ferrenhos se eu estiver abusando do termo. Existimos melhores juntos.

O engraçado é que já me pego roubando suas gírias, rindo de mim mesmo quando sei que ela iria estar rindo. Procuro prestar atenção nas coisas que ela sempre diz, procuro conseguir ser um homem cada vez melhor. Temos muito mais que muitos casais. Somos nossos, de frente e do avesso. Quantas vezes já não entrei numa loja e levei para casa algo que era a cara dela?

Com um beijo na testa, cheirosa como sempre, ela me traz de volta à realidade lembrando que eu sempre poderia não ir à reunião das 10, abotoando maliciosamente o último botão da camisa, escondendo seu colo delicioso. Ela sabe que com mais um sussurro seu, eu mando mesmo a rotina pro espaço…mas levantamos dali. Na descida do elevador até o lobby ainda dá tempo pro último amasso. Outra noite maravilhosa vivida. Dia maravilhoso é o que começa com ela do meu lado, em cima de mim. Este era um.

Foi assim durante muito tempo, quando estávamos convencionalmente juntos. Ela já tinha sido uma namorada fora-de-série. E agora se mostrava uma mulher ainda mais supreendente, uma amante que eu não trocaria jamais.

Na porta do hotel é adeus. Cada um no seu caminho, na sua vida. Sabe-se lá porque não voltamos só para nós mesmos. Logo eu que sei onde tocá-la, que sei como beijá-la, exatamente como deixá-la perfeitamente louca. Descobri que não posso viver sem ela, escolhi não viver sem. Não consegui deixá-la para trás. Não deu. Também não sei se poderíamos, se conseguiríamos, voltar à convivência customizada que soterra tantos casais. Tem coisas que ficam melhores assim: depois do fim.

O bom é que nosso fim decretou outro começo. Já nos perdemos, já enterramos os nossos mortos e mágoas uma vez. Só sobrou cumplicidade, e essa vontade interminável de querer se ver outra vez. Cada um de um lado, sabe-se lá porque, ou até quando. A única certeza é que noites intermináveis virão. E nelas, onde o mundo fica de fora mesmo, estamos mais juntos que nunca.

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