quarta-feira, abril 12, 2006

27 de Fevereiro

Foi uma tarde dessas onde a chuva parece poder chegar a qualquer momento. A penúltima tarde de fevereiro de um dos melhores anos da minha vida me mostrou mais do que todo o amor que eu sentia por ela e ela por mim. Estávamos juntos há algum tempo, desfrutávamos do descompromisso da juventude. Aprendi naquela tarde, naquele quarto, que nem existe mais, a propriedade talvez mais específica do corpo de uma mulher. Aprendi, que uma mulher pode, e sempre que puder deve, derreter na boca.

As intermináveis manhãs onde ela matava aulas de francês ficavam molecas para trás como quem apenas esqueceu a lancheira em casa. As explorações de seu corpo, meu templo, avançavam à medida que minuciosamente eu insistia em conhecer cada célula de quem me soterrava com tanta alegria e carinho. Quem sabe os beijos servissem como ponto de referência entre palavras e suspiros soltos no ar. Confissões, pedidos, desabafos que até hoje devem estar ecoando em alguma parte feliz do universo.

A velocidade que nossos corpos pediam para estarem sós, sem qualquer roupa ou desculpa era impressionante. E lá ficávamos nós, rolando numa cama estreita demais para o nosso amor, descobrindo um ao outro, mas essa é outra estória. Volto àquela tarde de fevereiro da qual acho, nunca saí.

O tapete verde, o sofá de palha, o espelho varando o teto. Mal sabíamos que aquele cenário nos abrigaria algumas outras vezes. Vinho e pão de queijo viriam a ser nossos cúmplices nessas ocasiões. Eu, sempre esquecendo de levar um saca-rolhas. Ela, sempre linda e lasciva. Copos, só os de geleia e requeijão mesmo, mas a gente não estava nem aí pra isso: estávamos os dois ali, o mundo que acabasse.

Os intermináveis beijos completamente molhados, as mãos, as bocas, os cheiros ainda me assombram às vezes em sonhos e delírios de perfeição. Ali, eu só existia para ela, só existia para que ela explodisse, me abraçasse, beijasse resfolegante. Conhecendo todo seu corpo, eu não tinha pressa, o resto do universo só lembrava que existia nos cliques da caixa que comanda os sinais daquela esquina da zona sul. Nossos sinais já não precisavam ser comandados, só reagiam buscando fundir dois corpos, duas almas naquelas horas em que passamos apresentando nossos corpos à intimidade mais profunda que pode haver entre um casal.

Minha boca e quase obscena língua percorriam a encarnação de todos os meus mais secretos desejos rastreando cada milímetro de sua existência. Não me preocupei em escolher rotas nem repetir caminhos. Gastaria toda minha vida ali no exercício de levá-la ao céu. Talvez tenha sido isso que eu tenha feito.

Nossa juventude, nossas maiores alegrias, nosso prazer ali, restrito àquele quarto, ao nosso espaço. Depois que minha boca, abandonou temporariamente a sua, ela se permitia sons indescritíveis de surpresa e gozo. Quando eu vinha à tona retomar meu fôlego, antes que suas pernas me puxassem de volta já morrendo de saudade, eu ainda conseguia ver seus olhos apertados sem acreditar naquilo tudo. Por vezes ela me puxava, achava que já tivera o bastante, pedia um delicioso arrego, mas eu a olhava nos olhos quase embriagados de felicidade e fazia que não, mexendo a cabeça, cinicamente pedindo um silêncio que sinceramente nunca quis ouvir e que nunca veio.

Nessa tarde, vi que o corpo humano, o corpo dela é mesmo composto de água e resto. Bebi toda essa água, deliciei toda aquela vida, a nossa vida, nossa união, celebrada em espasmos, beijos e palavras incompletas. Completa a tarde, encerrado o eterno laço de pernas, corpos e almas, ficamos ainda perdidos, voltando à órbita de vocês mortais por mais algum tempo. Tínhamos criado ali um planeta, um universo exclusivo em pleno Jardim Botânico, num dos cômodos que me viu crescer.

Nem tentamos fazer diferente, mas ainda demoramos a voltar à realidade. O lanche regado a pão de queijo e família na casa dos meus avós não conseguiu inibir o mais largo de nossos sorrisos até então. Aquela sensação demorou a sossegar. Nossas mãos andavam mais coladas que nunca pelas ruas. Nossos beijos demoravam mais do que nunca pelos bares. Esfregávamos nosso amor na cara dos outros sem a menor vergonha. Era delicioso…

Pode ser que, em algum lugar secreto dentro dela, ela ainda guarde toda aquela cumplicidade. Duvido. Tivemos outras grandes manhãs, tardes e noites de amor, mas aquelazinha do final de fevereiro ficou pra sempre em nós. Foi uma aula de linguagem corporal, de um entendimento nem tão silencioso que nos perpetuaria na história da humanidade.

Mais do que nosso amor, mais do que sexo, a química, a pólvora que sempre nos acompanhou se mostrava real, séria e eterna (como toda ilusão parece ser). Aprendi muito sobre mulheres com aquele amor. Fiquei mal acostumado, com a melhor delas, fazer o quê? Acho que aperfeiçoei minha paixão por elas em minhas andanças, pequenas e grandes mortes. Morrerei para sempre um dia, quase certo de nunca ter podido dividir isso com ela de novo. Mostrar meus novos truques, sabe? Mas jamais esquecerei que naquela tarde tivemos tudo, fomos tudo. Aquela única tarde que acabou há milênios. A tarde onde aprendi que o corpo de uma mulher pode derreter na minha boca e pode se entregar aos céus em minhas mãos.

Um comentário:

Anônimo disse...

This is beautiful. And breathtakingly sexy. It really takes you to another place.