quarta-feira, abril 12, 2006

Falando em 2046

Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e agora Amor Eterno. Sim, depois de assistir ao filme “2046 – Segredos do amor” fui obrigado a adicionar este último à lista das coisas que não existem. Visualmente instigante, intenso e repleto de referências cinematográficas sensacionais, 2046 põe em cheque a crença de que possa existir realmente algum amor que não acabe.

Todos temos uma lembrança que dói de vez em quando feito osso quebrado quando vai mudar o tempo. Passar bem, sua filha da puta. Não me procure nunca mais. Preferia não ter te conhecido. Quem já não ouviu ou disse, mesmo em silêncio, frases assim? Quem não achou que depois de uma desilusão jamais deixaria de ser uma metralhadora de ressentimentos? 2046 nos mostra que o amor e a dor do seu fim, como tudo na vida, também passa. A gente é que nunca mais é o mesmo. Passamos a ter um segredo pra guardar pra sempre, subir numa montanha, achar uma árvore, fazer um buraco, contar e selar com barro.

O amor de hoje, como nos mostra o diretor Wong Kar Wai, foi feito para parar de durar. É o cultivo da intensidade contra a coisa eterna. Começo, meio e fim acelerados e menos memoráveis. Depois sobra muito pouco. Um encontro inesperado, silêncios carregados de hesitação. Se o presente é incômodo, embarcamos rumo ao lugar onde nada muda nunca, embarcamos rumo a 2046.

O único amor que vale a pena é o amor impossível. O resto é passageiro. É coisa que dá - o trocadilho é por sua conta - e passa. E depois começa de novo. Sofrer, ser infeliz por amor é dar valor demais a algo que deixou de ter sentido. Sinais desses tempos fragmentários – na tela não se vê uma pessoa enquadrada inteira – eco dessa impossibilidade de plenitude. Então na inviabilidade do amor, nos viciamos em paixão. Como a trilha sonora que quer se repetir, repetir. A música que volta ao princípio – tentativa de ficar sempre com o gosto de começo de relação. A narrativa descontinuada como a de Godard, as idas e vindas, como no amor. Onde é que a gente estava mesmo? Onde é que vamos parar?

A película chinesa constata o amor lírico e dolorido, podendo ser eterno enquanto dura sim, o que não significa que não haja dor no fim. Que o diga o personagem principal, o escritor Sr. Chow, que aprende logo no início que amar não nos obriga a sermos amados. Ele, que não consegue levar o seu amor com ele, entende isso e segue mudado para sempre para que Kar Wai nos lembre Vinícius, cantando que é melhor viver do que ser feliz. Pois o amor dói. É o que ele faz. É de sua natureza doer quando acabam-se os risos e ficam as pequenas frases, curtas e doloridas, os silêncios onde os dois já não olham na mesma direção.

Segredos do amor nos esfrega na cara que não existe esperança em saber nosso amor no outro. Que jamais saberemos como ou até mesmo se somos amados. Que a única certeza do amor é que sim, ele acaba, como bem disse Paulo Mendes Campos, a toda hora, de todo jeito e às vezes sem nem mesmo precisar de motivo. Acaba principalmente quando queremos que nada mude nunca mais.

E seja na China, seja no subúrbio carioca, as histórias de amor são sempre as mesmas. As dores, os desencontros como em Drummond onde fulana amava siclano, que amava beltrana que era apaixonada por fulano que não gostava de ninguém – que vai ver já tinha entendido que o amor foi feito pra acabar. As pequenas traições doendo sempre regando o novo cinismo do coração. Afinal, ver que um amor acabou não requer inteligência nem sensibilidade. Requer coragem. Coragem pra não extender o que não tem mais vida. Porque se um não quer salvar, o amor já morreu.

É difícil conseguir mudar nossa própria história, é triste reagir letargicamente, é complicado escrever um novo final. Coisa de andróides, escritores baratos, gente que ama, essas bobagens. Então, salvando o dia quase como um remédio da modernidade, saber que o amor acaba faz com que tudo doa menos, nos afasta da necessidade hollywoodiana do happyend. A verdade é que todo dia alguém volta sozinho pra casa, sonhando com um passado menos seco. Nascemos sozinhos. Morremos sozinhos. Chato é a mania de querer ter um outro só para nós. Alguém pra rir, coçar e reclamar quando se atrasa...

Em enquadramentos modernos, Wong Kar Wai nos lembra, que não se ama duas vezes a mesma mulher (porque nunca se deixou de amá-la?), que não se atravessa duas vezes o mesmo rio, e principalmente que no amor não existem substitutos. O passado que tenha sempre razão. Filho da puta. Pretérito esquecido, tempo onde se amava, beijava, abraçava, ria.

No fim das contas, descobrir que o amor eterno é como Papai Noel faz bem. Juro que eu não sabia. Mas não fiquei triste não. Sei que agora estou mais pra Sr. Chow, cético e esvaziado de ilusões – esperando menos do amor. Então embarco para 2046, onde reza a lenda, a memória de quem se amou não doerá mais. Coisa do tempo, de um dia depois do outro, dizem. Eu não saberia. Ainda estou longe de chegar lá.

Nenhum comentário: