quarta-feira, abril 12, 2006

Melancólico e Puído

Puído. Toda vez que chegávamos na areia era a mesma coisa. O ritual, metódico, aparentemente distraído. Ela, jogava as sandálias onde queria sentar. A mão direita, ajeitava os cabelos, quase sempre já presos. A mão esquerda puxava os óculos até a pontinha do nariz, só o suficiente para que seus olhos ainda sensíveis ameaçassem se fechar estranhando a claridade. A praia nem sabia como era um cenário feliz para mim…

Sem estardalhaço algum, a velha camiseta cortada, a canga de bali, tudo lentamente encontrava seu temporário exílio no chão, na sacola de palha lotada de traquitanas e quinquilharias. Pouco antes que o sol conseguisse beijar seu corpo mais do que eu tinha conseguido naquela manhã, ela cuidadosamente ajeitava o alcance do biquíni. Puídas negras cortinas de malha enquadravam o colo mais fantástico que Deus já tinha pensado em criar. Um pouco mais do mesmo pano insistia em cobrir as curvas que encontrariam suas pernas, doces, brancas, já pensando em ser douradas ao fim do dia de sol. Ela sempre perguntava: “olha, não tá vendo que já estou negona!!” num tom mais do que sarcástico. Ela era ótima.

Aquele corpo me domava. Não foram poucas as vezes em que eu, voltando do mar, a via olhar pra mim e, de olhos ainda semi-cerrados, mandar um beijo. O biquíni já surrado envolvendo seu corpo, as sardas deliciosas entre os seios flertando com a minha passividade…Suas mãos delicadas, minhas, me acenando, me pedindo pra voltar. Mal podia tirar os olhos daquelas deliciosas coxas que por muito foram meu domínio. Era difícil não pensar e, amá-la para sempre, especialmente porque eu inúmeras vezes me via assistindo a tudo dela em uma espécie de camera lenta. Um tempo só meu: transitoriamente um presente perfeito.

Deliciosas tardes se arrastavam depois de fritantes dias na praia ou na piscina. Nossos beijos, sempre longos e carinhosos pareciam pontuar a nossa relação. Saborosos pontos de exclamação do quanto éramos, então, insubstituíveis um para o outro. Quantas vezes terá aquele biquíni, inexpressiva centimetragem já velha, ido ao mar em meus braços? Quantas vezes teremos o colocado de lado, ou o jogado ainda úmido para algum canto? Já achei muito aquele lindo surrado biquíni preto: no chão, atrás de algum móvel…velhas lembranças apenas.

Minha boca fitava cada milímetro daquela malha. Não era lycra, era algodão, era o céu já perdendo a cor original. Meus olhos adoravam patrulhar suas fronteiras, as vaciladas que ele poderia dar por vezes saindo da água, virando na canga, saindo desavisado da camiseta furada. Aquele biquíni certamente selou nosso namoro. Éramos os três, inseparáveis na praia, na sauna, uma união de desejo, malícia e, hoje entendo, até de uma certa inocência. Não há como pensar neste amor, no amor, sem lembrar deste quase detalhe.

Assim, como todos os biquínis e todos os amores, seu tempo também passou. Talvez o elástico tenha cedido, talvez não desse mais para continuar com aquele estilo, não sei direito. Sei que bem no fim do namoro, as duas peças de paraíso sumiram. Desapareceram como a vontade daquele corpo em se enroscar em mim, em me chamar de seu, em dizer que cada milímetro de sua pele e carne me pertenciam. As marcas de sol que aquele acessório deixavam eram incomparáveis. Simétricas, perfeitas em seu corpo bem mantido pelos deuses e falta de academia. Penso em ter saudade, mas desisto ante a inutilidade do gesto…

Somos, eu e o biquíni, uma parte do passado. Sem volta, sem memória. Talvez sejamos, se tivermos sorte, citados assim, ao acaso, como um dos preferidos entre tantos que existiram. Melancólicas areias da zona sul insistem em nos separar. Areia das ampulhetas, areia desértica da aridez do que ficou depois.

Jamais existirá um todo o mundo um biquíni como aquele. Os corpos jamais serão os mesmos, as almas também não. Eu amava aquele biquíni e seu eterno único recheio. Cada gesto, cada cheiro. O senso de humor, o escacho, o beijo, o jeito como sempre cavava do lado direito da bunda…Na minha mente sempre de alguma forma molhada, aquela peça de praia é uma peça da minha vida. Agora, só existimos em foto, velha prova, constatação. Detalhe de um tempo nem tão distante que nunca mais acena existir.

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