quinta-feira, maio 04, 2006

A vida que se leva, nos leva muito longe.

Por André Debevc

Fazia anos que não se encontravam, o acaso não sabe favorecer uma coincidência. Apenas as lembranças de uns tempos em que flertavam docemente apareciam nos momentos de paz e nostalgia. Tão poucos momentos juntos, e como aparece num dos prefácios de um dos livros dele: “...apenas um lamento de não ter podido amar um pouco mais”. O ponto de tangência onde suas vidas se encontraram parecia ser único, e isso o afligia silenciosamente.

Que rumos distanciadores suas rotinas cismaram em tomar? Resposta muda, sem nem um franzir de testa. As tiras no jornal da nação traziam sem querer lembranças. Você me ama, Flecha? (Claro que sim, amaria muito, se você deixasse, Shirlei.)

Na cabeça dele, muita coisa seria para sempre dela. Uma propriedade sobre momentos e fatos singularizados numa expectativa que sempre pairava no ar, baixa e densa como a neblina de uma manhã de inverno. Será que aqueles poemas viraram pó? Será que ainda habitam um esconderijo secreto perto da cama? Nada teria mesmo resposta. O passado acaba sempre tendo razão, e o presente só finge não ser mais uma dúvida.

Não ficou uma foto, um guardanapo manchado de batom, só um trecho escrito a mão falando de um beijo. A letra delicada se restringe ao poema, ou sei lá o que seja. Não há uma assinatura, nem uma declaração do quanto o coração dela acelerava quando ele chegava com um papelzinho dobrado na mão. As intenções estão nas entrelinhas, suaves como a pele branca de quem transcreveu.

As imagens, apesar de tudo, estão em câmera lenta e quase sem som na lembrança dele. Cores só em algumas cenas. Um gole seco de saudade em todas. ...O vento alucinado de uma pré-tempestade no Centro... A lua cheia que tanto cobiçavam como cenário nunca coincidiu com a cumplicidade que nascia ali. Os beijos deliciosos não saíam de sua cabeça. Na portaria, na rua, com gosto de saquê, com gosto de ainda ser pouco. Agora nada restava a se fazer a não ser tentar não lembrar. Um suspiro fundo sempre corta resignado qualquer momento de abatimento.

Haveria uma próxima vez? Existiria algum momento em que pudessem flertar de novo com a travessura de adolescentes? Nem o vento de um fim de tarde poderia responder... Os dedos longos dela se perdiam em outros carinhos enquanto os dele teimavam em surrar teclas de um computador quase cúmplice, mas totalmente alheio à tudo aquilo que ele pensara poder existir um dia entre os dois.

Até hoje, quando o nome dela ricocheteia no ambiente, ele esboça um sorriso, e reserva uns segundos para viajar de volta nos velozes dias onde se beijavam com ansiedade. Mas o tempo passou, eles não se esbarram, e o destino nem acena com uma possibilidade de carinho a mais. No mais, a vida segue, mas ele ainda tem o cheiro dela tatuando sua alma. Graças a Deus. Será?

Nenhum comentário: