quinta-feira, maio 04, 2006

A árdua vida de um macho

Por André Debevc

Na porta do próprio apartamento, ela se despede dizendo que o prazer foi todo dela. Sorrio cínico dizendo que também adorei a noite. Adoro minha capacidade de mentir nessas horas. São quase oito da manhã de uma sexta-feira. Faz sol lá fora. Gosto disso. Nem precisei inventar uma boa desculpa para ir embora logo, depois de acordar com uma loira desconhecida nos braços. Dura tarefa de ser macho...

Quando ganho as ruas ainda vazias, olho para o céu perguntando a Deus porque uma noite boa dessas tinha que ser com alguém que não me dizia absolutamente nada. Não há resposta. Em algum lugar deste planetinha confuso, a mulher que pensei estar amando segue com sua vida sem lembrar de mim. A única coisa saudável a fazer era esquece-la. Eu já tinha até decicido curtir essa fossa, ficar mal por umas horas pensando no que poderia ter sido, mas o telefonema de um comparsa não me deixaria ficar na toca todo nostálgico e meloso.

Um homem de verdade sabe que tem que chorar suas perdas. Essa tinha sido uma grande. De qualquer jeito, a noite de quinta-feira tinha começado e uma amiga de uma amiga estava perdida num bar cheia de más intenções. O dever chamava...e lá se ia o sossego do macho.

Precisei ser persuadido a sair de casa, mas a insistência do comparsa demonstrava um desespero amigo. Mais do que ajuda para atacar o grupo de amigas, ele via ali uma chance para que eu afogasse as mágoas em álcool gratuito e um colo potencialmente lascivo.

Fui recebido com duas taças de vinho branco. Uma para cada mão desocupada, me disseram. Gosto mesmo é de cerveja – como todo bom macho – mas não ia deixar o vinho de lado, por mais de graça que fosse. Logo fui introduzido à loira com sorriso de cristal. Normalmente ela não teria sido minha primeira escolha, mas seus atrativos e sotaque logo trataram de tentar me seduzir. Falei umas besteiras habituais, sem fazer muita força para agradar, afinal de contas, meu peito ainda sangrava uma emoção de verdade pela mulher que não me soube. Copos de uísque, garrafas e taças mais tarde, eu rumava para casa. A dela como mencionei antes.

Preferia assim. Sempre é mais fácil ir embora que do que expulsar alguém numa situação destas. Menos trabalho, mais possibilidades de simplesmente ir embora sem olhar para trás, como as mulheres são mestras em fazer. Enfim, acabamos lá. Ela, eu e o que restava da noite.

Fiz o que tinha que fazer e um pouco mais, com minha habitual classe e dedicação – diferente de como tinha sido com a mulher que eu amava, com quem eu travei, fui quase burocrático. E depois de terminado, eu fiquei. Já era tarde, e arranjar um táxi naquela parte de Manhattan àquela hora seria bem difícil. Não precisava ir, então fiquei. Mais de trinta quarteirões até minha casa. Não sou burro. Já era outono em Nova York.

Acordei com uns beijos matinais dos quais até já tinha esquecido o gosto. Só estou com a pessoa errada, pensei. Sexo pela manhã sempre é bom. Melhor mesmo matar a última camisinha. Pensado e feito. Olhei o relógio e sorri sem mexer a boca. Já poderia sair dali a qualquer momento sem precisar parecer que estava fugindo com uma desculpa esfarrapada.

Tinha que, pelo menos, passar em casa para trocar de roupa antes de ir para o trabalho. Posso demorar o tempo que quiser no meu chuveiro, pensei. Vou pra casa.

Às vezes, você tem que cometer um erro para ter a certeza de que – antes – você estava certo. Naquela noite, eu saí de casa para errar. Pelos motivos mais errados do mundo eu me diverti. Vingança inútil. Diversão vazia. Fui o melhor que pude ser, dei um show simplesmente por tristeza. O coração de um macho é mesmo um terreno traiçoeiro. Minha pseudo-amada já tinha pendurado seus quadros nas paredes do meu peito e, mesmo assim, eu me jogava nas coxas da primeira mulher que aparecia para tentar esquece-la. Sei de mulher que fazem pior...

Passei o dia todo meio que ainda cheirando a sexo. Minha fisionomia denunciava as poucas horas de descanso e minha fama de galanteador rendeu tapinhas nas costas e comentários picantes de amigos de trabalho, colegas de happy hour. Na minha mente, ainda a pergunta da manhã: por que essa noite não foi com que deveria ter sido?

Ao contrário do que tinha feito por toda a vida, eu tinha que olhar para frente. Mesmo com o peito doído, com a alma moída, com o desejo me arrastando para que me disse para nunca mais lhe mandar flores. Todo machão é, no fundo, um sentimental. O que varia é nosso grau de cinismo.

Mulheres eventualmente chamam isso de canalhice. Alguns de nós conseguem ter uma amplitude grande neste quesito. É um dom que temos que saber domar e usar. Macho que é macho tem um coração gigante, no fundo feito de manteiga e cheio de intenções românticas.

Cuidado só para não destruir um, parindo mais um canalha. Viver é escolher o que deixar para trás.

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