sexta-feira, maio 05, 2006

A Hora Mais Escura

Por André Debevc

Quando frio chega, até os dias encolhem. O ponteiro do relógio pulou recuou uma hora duas meia-noites atrás. A luz do dia que já se esvaía mais cedo se deixou intimidar de vez. Os dias hibernam na mais longa das horas. O breu, as luzes laranjas, o passo mais apertado na saída do trabalho, tudo assume um ar mais gelado, com as invisíveis barreiras de frio e egoísmo se fechando violentas no mais espesso de todos os silêncios.

Essa hora a menos no dia se prolonga na distância de um outro mundo paralelo onde alguns de meus velhos amigos e sentimentos ainda passeia. Fico ainda mais longe deles, a sincronia se cala e permite um erro, desacerto vacilante até no temperatura das vozes esporádicas do outro lado da linha. Viver opostos não é mais somente uma metáfora de uma alma mais dramática ou sensível, é a mais crua realidade. Nem mais as verdades andam nuas por esta cidade. O frio seco do coração da multidão racha lábios e petrifica planos que só podem mesmo esperar pela época onde os casacos voltarão a habitar cabides e lembranças.

Agora tudo ganha um outro ritmo, tudo meio que se rende às hordas de casacos pretos e gorros que dita o inevitável peso extra da rotina. Como que mais que o corpo tivesse se defendendo da hostilidade e impessoalidade dos caminhos, das obrigações sem um pingo de calor a não ser o do filete de suor que se esboça quando o metrô infernal finge, e mal, ser agradável.

Quando o vento bate cerrando os olhos, quando as mãos se apertam xingando as luvas esquecidas uma parte de mim suspira os engarrafamentos intermináveis no calor da Rua Jardim Botânico, mas sei que continuo odiando as mesmas coisas. O que muda é a nova variedade de gostos e ódios, de pessoas e caminhos. Escolhidos ou renunciados, nunca largados ou incrivelmente deixados para trás…

As pernas de fora, as camisetas são lembrança, soterradas para muito nas camadas mais espessas das horas mais longas. Os minutos arrastados, os dias eternos, a noitinha precoce. Encontro calor nas conversas de bar, com refugiados como eu, temporários ou não, visitando em conversa o meu Suvaco de Cristo, episódios de riso em algum lugar das Minas Gerais, ou até as tardes de lerdeza e calor tentando achar vaga para estacionar o carro no caminho da praia de Ipanema.

Nesses momentos, de descontração e alegria, as horas parecem mais longas em calma e até conforto. A casa não está no lugar, mas sim nas pessoas que abreviam o frio com um sotaque tão carioca quanto o próximo Fla x Flu. Para todos nós o abraço de oi e tchau é um abraço longo de saudade.

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