quinta-feira, maio 04, 2006

Play it again, Sam…

Por André Debevc

Você é do tipo de pessoa que consegue ser arrasada por uma música? Pois é eu sou, ou melhor, pensei que tivesse deixado de ser. Sabe como é…vacinado contra essas coisas pelas amarguras do tempo, do amor, quer dizer, da ausência dele. Pelo menos digo, da ausência de sua reciprocidade temporal.

Mas, voltando ao assunto. Fazia anos que uma música não “acabava comigo”. Sério. A mesmíssima canção que abreviou meu sorriso, que estacionou cimento na minha garganta seca, a mesma música instalou nostalgia na minha inocente noite de quinta-feira.

Sei que não vai dar para imaginar, mas quem conhece a musica sabe: “Tu, tu, rurun, tummm…” e a invasão de silêncio se decretou veloz e completa. Meus sentidos calaram, ou ainda, viajaram anos na minha existência. Cada um dos vários pêlos de meu surrado corpo se levantou como que batendo continência ao, uma vez, hino de amor e paixão inseparáveis como a moeda soldada, alguém diria para sempre, no cimento ou asfalto inerte dos caminhos comuns.

E eu me achava vacinado contra isso. Até uma das fitas exiladas em meu carro abriga essa canção, o que não a faz incomum. Mas não, só uma noite assim pode deflagrar melancolia.

Estaria ela, meu ex-amor, pensado furtivamente em mim? A gente gosta mesmo de se enganar inventando desculpas, construindo portas secretas no imaginário já morto e expugnado de inocência. Ai, amores…

Ao invés de calar, e deixar a música me tomar, saltei ante as balas da memória. E como que suprimindo as imagens e cheiros que me cercavam, eu cantei. Não cantei quase calado ressentindo a ausência. Cantei alto mostrando possuir aquela musica. Cumplicidade e complacência.

Quando o “tu, tu, rurun, tummm…” final se entregou, pude olhar pro céu, praguejar e me render ao futuro, tempo incerto, traiçoeiro como os peitos que ainda batem.

Só uma pergunta me encara de vez em quando, querendo saber qual efeito, ocasional como o meu de hoje, qual efeito tenta assaltar o outro coração que um dia também viveu por essa melodia. A resposta úmida e reticente das estrelas da noite ainda ecoa.

Até onde uma música e só uma música? Até onde um puto vai aleatoriamente esboçar um soluço quando o ar se esvai melancólico? Se a palavra e nostalgia, por que essa humilhante e passada cumplicidade?

Tenho saudades, não dela e de outros tempos. Tenho saudade da inocência do meu coração, da angústia mareada quando o telefone demorava a tocar, e não por saber que o amor saiu para comprar cigarros sem ao menos fumar. Sinto falta de outra dimensão onde a musica intimava um beijo, encerrava discussão. E onde a mão, correndo desavisada pela minha coxa num carro engarrafado, só queria dizer “estou aqui, ainda te amo…”.

Talvez, mesmo antes de existir, de meu amor raiar e minguar, essa música fosse e só servisse ao seu título e propósito. Wish You Were Here. Ainda a vejo me puxando para um beijo.

Amor foi feito para dar, não pra levar embora. Play it again, Sam…

Nenhum comentário: