quinta-feira, maio 04, 2006

2203

Você vasculha sua velha caixas de fotografias
e esbarra em mim, sorrindo dentes afiados de entrega
na película quase desbotada de tão velha.
Um segundo um pouco mais comprido sangra o tempo
com um suspiro seu de resignação. A vida nos rasgou em dois.
Sua vida não foi nem de longe uma coleção de coreografias perfeitas.
Na intenção de começar a juntar suas memórias
você se dá conta do quanto não nos sabemos mais.
Seus filhos, netos e cães já não dançam mais à sua volta
seu marido cansou de te trair
e agora baba no sofá uma estória de amor acabada.
O que você deixou a vida fazer com você?
Eu, errei muito. Vivi de errar,
saí por aí errando com todas as mulheres
por todos os caminhos.
Nunca achei nelas nada de você, meu último amor,
o amor que nunca soube o quanto eu a amava.
Patentiei meu cinismo,
formatei minha molecagem eterna e peguei a primeira reta,
desencontrei atalhos, fingi prometer amor sem ter nenhum pra dar
e fiquei podre de rico vendendo ilusões e riso on-line.
Aonde terão ido todas aquelas noites intensas de amor?
Em que gaveta terá você guardado
todo aquele seu carinho manso apaixonado por mim?
Uma lágrima comprida despenca de seus olhos silenciosamente afogados
Como na vez em que você embarcava pra longe levando meu coração no La Guardia.
Agora,
não adianta nada. O ano é 2203…longe de nós em todas as maneiras.
Você dançou por aí,
ganhou a vida e os palcos até seu joelho soluçar não poder mais.
Eu, morri, secretamente te esperando,
com os olhos debruçados na noite
cercado de mulheres erradas,
com um tigre tatuado no braço e um pingüim cravado no peito.

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